Depois de vinte anos de feroz ditadura militar e de mais de uma década de ofensiva neoliberal, o Brasil se encontra inserido num novo contexto político. A vitória eleitoral de 2002, que levou um líder operário à presidência da Republica pela primeira vez na nossa história, abriu um novo estagio na luta de classes no país. Ele é mais complexo, cheio de possibilidades para o avanço da luta dos trabalhadores, mas também carregado de obstáculos e armadilhas. O primeiro mandato do presidente Lula confirmou esta disjuntiva.
Ele foi marcado por avanços nas áreas sociais, por maior autonomia frente às potências capitalistas e pela não criminalização dos movimentos populares. Estes aspectos positivos, que não podem ser minimizados, garantiram a sua reeleição em 2006, apesar da agressiva campanha do bloco liberal-conservador e de sua mídia. Ao mesmo tempo, o primeiro governo Lula cometeu graves erros, que causaram justa decepção em setores da sociedade. Não rompeu com a política macroeconômica neoliberal, não promoveu mudanças estruturais e ainda golpeou direitos dos trabalhadores, como na reforma da previdência. Lula nunca se disse de esquerda ou socialista, mas bem que poderia ter avançado mais nas mudanças que o povo almeja.
As vantagens externas
O segundo mandato do presidente Lula, iniciado em janeiro último, abre um novo capítulo nesta história. Em vários sentidos, as condições hoje são bem mais favoráveis para se avançar nas mudanças. O cenário externo permite posturas mais ousadas dos governantes com coragem e convicção de projeto. Diferente do primeiro mandato, quando o presidente-terrorista George W. Bush se encontrava em plena ofensiva, bombardeando e invadindo nações e taxando os descontentes de “eixo do mal”, agora ele está atolado no Iraque e metido numa grave crise interna, o que amplia a margem de manobra das nações dependentes.
Além disso, ocorreram profundas mudanças na América Latina nos últimos anos. Em 2003 só havia um governo progressista na região, o de Hugo Chávez, que ainda corria risco de queda devido a um locaute patronal. Nos demais países, os governos aplicavam a risca o modelo neoliberal e mantinham “relações carnais” com os EUA. Agora o quadro é distinto, com uma viragem à esquerda no tabuleiro político, o que reforça as posições mais progressistas. Os recentes avanços na integração latino-americana, com o fortalecimento do Mercosul, a criação da Unasul, o surgimento da Alba e as várias iniciativas de maior unidade regional, criam melhores condições para o Brasil superar a sua perversa dependência externa.
Suspiro econômico
Outro fator favorável às mudanças encontra-se, contraditoriamente, na situação da economia capitalista internacional. Há cinco anos que ela passa por uma fase de relativa estabilidade, com taxas positivas de crescimento, apesar de medíocres. O período anterior foi de intensa turbulência, com as graves crises do México, Rússia, Ásia e do próprio Brasil. Os países dependentes foram principais vítimas da instabilidade financeira e tiveram vários solavancos. Atualmente, devido ao acelerado crescimento da China, que virou a principal locomotiva da economia, e também a outros fatores, há certo suspiro na economia mundial.
As nações que exportam commodities, produtos de baixo valor agregado nos setores minerais e agrícolas, têm obtido fôlego para crescer. Em parte, isto explica o aumento das exportações brasileiras e seus saldos recordes na balança comercial. Este cenário aparentemente mais favorável, que pode evaporar caso ecloda nova crise nos EUA, permite que o segundo governo Lula seja mais audacioso nas mudanças, superando os gargalos que entravam o desenvolvimento. É bem diferente do primeiro mandato, iniciado com a nação totalmente quebrada e vulnerável, próxima do colapso, devido à gestão criminosa e entreguista de FHC.
Avanços palpáveis
A situação econômica aparentemente mais favorável não decorreu apenas dos fatores externos. O governo Lula adotou algumas medidas que evitaram a falência do país. Em 2003, quando chegou à presidência, o Brasil possuía uma dívida externa de US$ 210,7 bilhões e o temido risco-país, calculado pela ditadura do capital financeira, estava acima de dois mil pontos. Com as mudanças efetuadas na economia, a dívida externa caiu para US$ 161 bilhões no início de 2007 e o risco-país baixou para 200 pontos, menor índice da sua história. O governo também saldou as dívidas com o Fundo Monetário Internacional (FMI), pondo fim às humilhantes auditorias deste órgão da agiotagem. A relação da dívida externa liquida com o PIB, que na gestão de FHC saltou de 17,5% para 35,9%, no primeiro mandato de Lula baixou para 9,4%.
Já as reservas internacionais, que dão maior autonomia à economia, atingiram US$ 95 bilhões em 2006 – bem diferente do triste reinado tucano, quando despencaram de US$ 37,9 bilhões para US$ 16,3 bilhões, deixando o país totalmente vulnerável. O saldo comercial, decorrente do aumento das exportações e da redução de importações, atingiu um superávit de US$ 120 bilhões em 2006. Já no governo FHC, o déficit foi de US$ 8,6 bilhões. As mudanças na economia tiveram reflexos imediatos na vida do trabalhador. O desemprego, que atingiu 13% da População Economicamente Ativa na gestão tucana, baixou para 9% - que ainda é muito elevado. Os graduais reajustes do salário mínimo aumentaram o consumo interno e alavancaram a produção, gerando a abertura de novas vagas. Os programas sociais do governo Lula, com destaque para o Bolsa Família, que atende 11 milhões de lares, também ajudaram a aquecer o economia.
Impulso das eleições
Por último, como fator que empurra o governo Lula para uma postura mais ousada, encontra-se o próprio resultado das eleições de 2006. Apesar do bombardeio da mídia venal e do jogo sujo da direita neoliberal, que se travestiu de arauto da ética, a esmagadora maioria do povo preferiu evitar riscos de retrocesso. Por ironia da história, a ida da eleição ao segundo turno, fruto de graves erros de campanha e da manipulação da mídia, ajudou a demonstrar o que estava em jogo na disputa. Ela forçou o candidato Lula a adotar um discurso mais incisivo, politizando a campanha, com críticas às privatizações e a defesa dos investimentos nas áreas sociais, da política externa soberana e da relação democrática com dos movimentos sociais.
O candidato direitista Geraldo Alckmin ficou acuado e perdeu mais de 2,5 milhões de votos no segundo turno. As forças governistas fizeram maioria na Câmara de Deputados e elegeram vários governadores, ficando em dificuldade apenas no Senado. Neste sentido, a vitória de 2006 não foi apenas eleitoral, mas também política e ideológica. Representou um duro revés das idéias neoliberais, privatistas, entreguistas e anti-sociais. Também ajudou a enfraquecer os mercadores de ilusões no interior do governo, que sempre pregaram a conciliação de classes com as elites burguesas e promoveram cedências no primeiro mandato. Em decorrência deste resultado, os partidos do bloco liberal-conservador entraram em crise. O PFL até mudou de nome, transformando-se em DEM (ou demo!) para esconder sua opção liberal; já o PSDB não se entende, com uma guerra fratricida entre os tucanos José Serra e Aécio Neves. É indiscutível que o segundo governo Lula tem mais força política para emplacar as mudanças que a nação exige.
A derrota da mídia
O resultado eleitoral de 2006 também significou uma fragorosa derrota da mídia hegemônica. Diante do desgaste e da crise dos partidos neoliberais, ela assumiu o papel de “partido da direita”. No passado, ela já prestara este serviço sujo: desestabilizou os governos de Getúlio Vargas e João Goulart; incentivou o golpe de 1964; apoiou a ditadura militar (a famíglia Frias, que controla o jornal Folha de S.Paulo, cedeu suas peruas para o envio de presos políticos à tortura); enriqueceu com o regime autoritário (foi a fase áurea da Rede Globo); demonizou os movimentos grevistas nos anos 80; interferiu na Constituinte para impedir os avanços sociais; criou a figura do “caçador de marajás” para evitar a vitória da esquerda em 1989; apostou na eleição e reeleição de FHC; e fez propaganda escancarada do ideário neoliberal.
No governo Lula, a mídia manteve a mesma linha editorial. Manipulando as informações e deformando as consciências, tentou enquadrar e domesticar o presidente ou simplesmente apostou no seu impeachment, numa despudorada ação golpista. Na campanha eleitoral, ela fez campanha aberta da oposição. O livro “A mídia e as eleições de 2006”, organizado por Venício de Lima, prova com vários gráficos que as notícias negativas contra Lula foram três vezes maiores as de Alckmin. Marcos Coimbra, do Instituto Vox Populi, afirma que nunca viu tanta manipulação. Apesar deste bombardeio midiático, o povo garantiu a reeleição e infringiu histórica derrota à mídia prepotente. Revelou que o seu poder manipulador não é imbatível. Atualmente, apenas seis grupos controlam mais de 70% da mídia nativa – Marinho (Globo), Abravanel (SBT), Macedo (Record), Frias (Folha), Civita (Abril) e Mesquita (Estadão). Somente a TV Globo detém mais de 60% das milionárias verbas publicitárias – inclusive dos R$ 1,06 bilhão dos cofres públicos. Na prática, existe no Brasil uma ditadura midiática, que a pleito de 2006 ajudou a desmascarar. Não é para menos que o governo Lula, tão iludido e dócil no primeiro turno, agora investe na criação de uma rede pública de comunicação e que os movimentos sociais exigem a revisão das concessões para as emissoras privadas de rádio e TV, o fim da perseguição às rádios comunitárias, novo marco regulatório que elimine o monopólio do setor, e a rediscussão do destino das verbas publicitárias. Entre outros méritos, a eleição de 2006 tornou urgente o debate sobre a democratização da mídia. Sem enfrentar a ditadura midiática não haverá efetiva democracia no país e a luta dos trabalhadores esbarrará em enormes obstáculos.
Janeiro de 2008 - www.vermelho.org.br