Na preparação do golpe militar de 1964, quase toda a imprensa brasileira, com exceção do jornal “Última Hora”, espalhou o fantasma de que João Goulart iria implantar uma “república sindical” no país. A ostensiva e mentirosa campanha visava amedrontar a chamada classe média e seduzi-la a participar das “Marchas com Deus, pela família e liberdade”. Roberto Marinho, proprietário do jornal O Globo, foi um dos mais ativos nesta conspiração. Consumado o golpe, ele construiu seu império com as benesses da ditadura. Agora, seus filhos retomam o mesmo bordão terrorista.
A revista Época desta semana traz uma longa “reporcagem” intitulada “A república sindical”. O objetivo da matéria, assinada por Leandro Loyola, é super-dimensionar o poder do sindicalismo nos dois mandatos do presidente Lula. “Com mais de 2 mil cargos no governo e influência sobre o destino de bilhões de reais, os sindicalistas nunca foram tão influentes no país”, alerta a revista golpista. O artigo é pura manipulação. Confunde os milionários fundos de pensão, incentivados pela orgia financeira na era neoliberal de FHC, com a participação de sindicalistas no governo.
Motivo do ódio: Lula no 1º de Maio
O mote para mais este ataque histérico foi a presença de Lula nos atos do Dia Internacional dos Trabalhadores. Para a direita, é inadmissível que um governante reforce os protestos que tiveram como eixo a luta pela redução da jornada. “Ele foi o primeiro presidente em mais de 50 anos a comparecer às festas do 1º de Maio das maiores centrais sindicais do país. Ao lado da candidata a sua sucessão, Dilma Rousseff, o ex-sindicalista foi aplaudido nos palanques montados em São Paulo”, chiou. Só faltou criticar as centrais por não terem convidado o demotucano José Serra.
Apropriando-se das teses “esquerdistas” de alguns intelectuais, a revista garante que o sindicalismo está atrelado ao governo Lula e que perdeu sua “autonomia” – logo a publicação da famíglia Marinho, que nunca criticou as intervenções em sindicatos nem a prisão e assassinato de líderes classistas durante a ditadura. Este “atrelamento”, segundo o “jornalista” que desconhece a rica história do sindicalismo, estaria expresso na presença de dirigentes sindicais em ministérios, conselhos de estatais e órgãos públicos. Até o presidente é um “ex-sindicalista”. Um absurdo!
Preconceito contra os trabalhadores
“O sindicalismo brasileiro deve muito a Lula”, ironiza. “Graças a ele, vive o seu apogeu em 100 anos de história. Nunca tantos sindicalistas exerceram tantos cargos e tiveram tanta influência no governo como no Brasil atual. Nos últimos sete anos, um grande número de sindicalistas entrou nas repartições públicas - não com calças jeans e megafones, mas de terno, gravata e crachá. Os sindicalistas têm cargos de destaque em ministérios, bancos e empresas estatais e conselhos do governo que decidem o destino de mais de R$ 200 bilhões por ano. Eles são maioria na direção e no conselho dos maiores fundos de pensão, que gerem patrimônio de cerca de R$ 220 bilhões”.
Afora a confusão deliberada sobre os fundos de pensão, a “reporcagem” exala preconceitos. Os trabalhadores não podem ocupar postos no governo; nem devem vestir terno e gravata. O poder é coisa das elites, que têm um baita nojo dos trabalhadores. Segundo a matéria, o sindicalismo não deve nem disputar mandatos no Legislativo. “No Congresso, sua força se manifesta por meio de uma bancada de 60 parlamentares”, lamenta. Para a Época, “assim como o governo Collor ficou celebrizado como a República de Alagoas e o governo Itamar teve o apelido de República do Pão de Queijo, o período do governo Lula poderá ser lembrado como a República dos Sindicalistas”.
Ataque a estrutura “getulista”
No seu impressionante cinismo, as Organizações Globo, que sempre criminalizaram as greves e aplaudiram a repressão à luta dos trabalhadores, agora exigem que os sindicatos radicalizem as suas ações. “O movimento sindical suavizou a postura no governo Lula. As greves se reduziram e as criticas rarearam”, reclama. Isto apesar de reconhecer que, na atual gestão, “80% das categorias conseguiram aumentos acima da inflação. O movimento sindical conseguiu também reajuste do salário mínimo acima da inflação”. Mesmo assim, a Época critica a “cooptação”. Haja dialética!
Apropriando-se de outra velha tese “esquerdista”, a revista afirma que este “atrelamento” decorre da chamada estrutura sindical getulista. “A era Vargas (1930-1945) é essencial para entender o que acontece hoje no sindicalismo. Ao tomar o poder, Getúlio Vargas cooptou os sindicatos com a unicidade sindical (apenas um sindicato em determinada área geográfica pode representar uma categoria) e a criação do imposto cobrado do trabalhador. A estrutura varguista foi ampliada no governo Lula. Em 2008, Lula assinou a legalização das centrais sindicais”. Na versão da direita nativa, unicidade, contribuição sindical e legalização das centrais seriam as causas da tragédia do sindicalismo brasileiro.
Objetivos eleitoreiros da famíglia Marinho
Para piorar, segundo a Época, o sindicalismo ainda “busca mais espaços”. Ela cita dois projetos em discussão na Câmara Federal que prevêem a criação do horário gratuito de rádio e televisão para as centrais sindicais. No final, a “reporcagem” atira no seu principal alvo. Para a revista, o sindicalismo fará de tudo para eleger Dilma Rousseff e para prejudicar o candidato da oposição neoliberal-conservadora. “No fim de março, a três dias da saída do pré-candidato tucano José Serra do governo de São Paulo, a Apeoesp, o sindicato dos professores paulistas, filiada à CUT, fez manifestações ruidosas contra a política salarial do governo paulista”, esbraveja.
Para a famíglia Marinho, tão acostumada às negociatas nos bastidores no Palácio do Planalto, é inconcebível que o presidente da República participe das manifestações do 1º de Maio e que os sindicalistas – meros trabalhadores – ocupem tantos espaços no poder central. Pior ainda é notar que todas as centrais sindicais legalizadas no país apóiam o atual governo e rejeitam o candidato da direita, a tucano José Serra. E isto sem perder a sua autonomia na luta pela redução da jornada de trabalho ou contra o fator previdenciário, entre outras campanhas em curso atualmente.
A histérica matéria sobre a “república sindical” não visa atingir apenas o movimento sindical. O seu objetivo é nitidamente eleitoreiro. Bate nas centrais sindicais para fustigar o governo Lula e para desgastar a candidatura Dilma Rousseff. Seu intento é evitar a continuidade do ciclo político aberto pela vitória eleitoral de 2002. Na prática, a “reporcagem” faz parte da campanha explícita em favor do demotucano José Serra. O fantasma da “república sindical” tem o mesmo intento da campanha mentirosa deflagrada para criar o clima do golpe militar de 1964.
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5 comentários:
É realmente um absurdo. Os sindicalistas ocuparem cargos no governo e os ocupantes de cargos serem filiados a partidos.
Olá, Miro!
Muito interesante esse seu alerta. Nunca é demais estar atento aos passos da direita, principalmente em ano eleitoral. Texto claro, redondo.A análise criteriosa ajuda a esclarecer detalhes muitas vezes só percebidos por alguém ligado nos fatos. Li a íntegra do mesmo e estou repassando para outras leituras. Disseminar crimes hediondos como este é da maior importância para deixar o imaginário social mais atento quanto às traquinagens demotucanas desesperadas em reverter a realidade atual, favorável àslutas e conquistas dos trabahadores e demais setores sociais ávidos por democracia e liberdade, sem os preconceitos retrógrados, doentios e profundamente nocivos à nação.
Só uma correção. As organizações globais, tipo Cosa Nostra, NÃO se insurgem contra a participação de sindicatos no governo Lula. Apenas não gostam e não querem a participação de sindicatos de trabalhadores. Se forem representantes de sindicatos patronais, não haverá nenhum problema. Ou as famiglias Marinho, Frias, Mesquita, Civita & Sirotsky desaprovariam a participação de Kátia Abreu num eventual Governo Serra?!
Parabéns Miro por brindar-nos com mais uma reflexão pertinente e urgente.
Para quem sempre esteve no poder e com o controle da situação, vivenciar mudanças nessa lógica política, econômica e social, representa uma ousadia e um confronto direto com os interesses das elites.
Tomando do Gramsci o conceito de intelectual orgânico, como todo aquele (a) que cumpre uma função organizadora na sociedade, [...] desde um tecnólogo ou um administrador de empresas até um dirigente sindical ou partidário.
Quando as elites estão atacando esse governo, que guarda as contradições inerentes de uma composição ampla e em certa medida desfocada das bandeiras históricas de esquerda estão atacando essa possibilidade de disputa contra hegemônica.
Durante esses quase oito anos de governo, militantes de vários setores da vida social e política, representando um jeito de pensar, de conceber, com orientações ideológicas e de visões de mundo distintas das elites, vem contribuindo para estimular a cultura de participação na vida pública, vem trazendo para a agenda do Estado questões que gravitavam apenas na pauta sindical e social.
Enfim, as elites temem esse empoderamento da classe trabalhadora. Ou como afirmava KARL MARX, saísse do momento/estágio/condição de classe em si para o momento/estágio/condição a condição de classe para si. A classe em si como uma percepção distorcida que os trabalhadores possuem, devido à massa ideológica formada pela classe hegemônica e difundida pelos mais diversos meios de comunicação, fazendo com que a sua visão de mundo se torne a visão de toda a sociedade. E a classe para si que é o seu reverso, sinalizando à realização da identidade entre os trabalhadores, que passam a se reconhecer como pertencentes a um mesmo grupo de explorados, aqueles que não adianta o quanto trabalhem, terão sua renda decrescida ao ponto dos universais metafísicos do capital, bem como a legislação pseudoneutra, não mais poderem iludi-los.
Vamos a lutta, arregaçar as mangas e eleger um Congresso Nacional que dialogue com nossas aspirações, articulada com a eleição da candidata Dilma e demais governadores comprometidos com essa tomada de consciencia de classe "para si".
A matéria em pauta perde mérito porque o jornalista Leandro Loyola não sabe ler uma pesquisa acadêmica: confunde sindicalizados com sindicalistas; população estatística com amostra etc. Baseou-se em uma pesquisa acadêmica que NÃO apresenta os resultados que ele narra simplesmente porque ele não sabe interpretar, ou melhor, simplesmente ler, uma pesquisa.
Para uma cientista social é muito desagrádavel ver o uso que certos jornalistas sensacionalistas fazem de seus trabalhos.
A matéria está errada, usa de segunda mão dados de forma errada porque não os sabe interpretar.
O que a revista pensa do governo é problema dela; o que ela faz com o trabalho sério de pesquisadores ou é ignorância (e em sendo assim o jornalista tem que deixar a profissão) ou é má fé.
Quem ler o trabalho que ele cita como fonte, o meu livro A Elite Dirigente do Governo Lula entederá o que estou falando. Foi uma irresponsabilidade. Repetindo, as opiniões de nossas revistas sobre qualquer governo não me interessam, simplesmente deixo de ler quando não gosto. Mas me afeta MUITO que transformem uma pesquisa séria em um panfleto de terceira classe. Celina
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