terça-feira, 11 de maio de 2010

Autoregulamentação e a fragilidade da mídia

Reproduzo artigo do professor Laurindo Lalo Leal Filho, publicado no sítio Carta Maior:

Seguem os convescotes dos donos da mídia em defesa das suas liberdades empresariais, com a dócil conivência de jornalistas a eles submissos. O mais recente aconteceu esta semana na Câmara dos Deputados. Depois de tantas reuniões e debates realizados apenas neste ano surgiu finalmente a proposta que porá fim a todos os dilemas e angústias em que vive o setor: ele poderá ser, finalmente, autoregulamentado.

A descoberta foi verbalizada por um funcionário da Editora Abril, com ares de sensação. Para quem defende um processo real de democratização da comunicação trata-se de uma grande vitória. Finalmente os donos da mídia se deram conta de que os dias de farra grossa podem estar contados. A bandeira rota da autoregulamentação é a primeira demonstração de fraqueza dos empresários após muitos anos de soberba e arrogância. Ao vermos seu lançamento, da forma que foi feito, só nos resta o socorro da velha imagem, também desgastada, mas ainda útil: crêem eles que estão entregando seus anéis à sociedade para salvar os dedos.

Doce ilusão. Não há mais, nos movimentos sociais envolvidos na luta pela real liberdade de expressão, quem se iluda com essa proposta empresarial. Todos sabemos que sem a presença da sociedade, através do Estado, estabelecendo normas democráticas para o funcionamento da mídia, nada mudará. Dou três exemplos, entre inúmeras situações, em que jamais haverá reparação através da autorregulamentação: correção de notícias destituídas de fundamento, mas de interesse dos donos em jornais e revistas; exibição de matérias jornalísticas na TV, com os mesmos interesses, onde é ouvido um lado apenas da questão (exemplo: Jornal Nacional e a escolha do padrão digital para a TV brasileira) e a inexistência de debate no rádio comercial sobre o papel das rádios comunitárias, só a sua criminalização.

Sobre o primeiro exemplo, um caso relatado nesta semana é emblemático: o jurista Dalmo Dallari conta no Observatório da Imprensa uma demanda que fez ao jornal O Estado de São Paulo solicitando a correção de uma notícia sobre a pena que Cesare Battisti deveria cumprir na Itália, caso venha a ser extraditado. O jornal disse que seria de 28 anos quando na verdade a pena é de prisão perpétua, inexistente no Brasil. "Um erro grave", diz Dallari. E tem razão. "Em termos jurídicos, Cesare Batistti não pode ser extraditado para a Itália para cumprir uma pena que é proibida pela Constituição brasileira".

O pedido de correção foi enviado no dia 19 de abril e reiterado no dia 22. No dia 5 de maio a carta ainda não havia sido publicada. Para Dallari "a recusa de publicação de meu pedido de correção da informação errada é uma forma de censura, surpreendente num órgão de imprensa que insiste em se colocar como vítima da censura".

Diante desse e de outros inúmeros casos de desconsideração dos veículos diante das reclamações do público, fico a pensar se a tal da autoregulamentação não servirá apenas para que o descaso por empresa não se torne generalizado e organizado para todo o setor. Afinal seriam os mesmos agentes privados, que hoje negam respostas aos leitores, ouvintes e telespectadores em seus veículos, os responsáveis por autoregulamentar o conteúdo de todos os veículos.

Em seu lugar, propostas como a da criação de um órgão regulador para o audiovisual, comum nas grandes democracias, e leis precisas em relação à imprensa são mais do que urgentes. Nada as substitui. Só dessa forma se restabelecerá um minimo de equilíbrio entre a sociedade e o poder dos meios de comunicação. Ou como dizia Henri Dominique Lacordaire (1802-1861): "entre o forte e o fraco, entre o rico e o pobre, entre o servo e o senhor, a liberdade escraviza, é a lei que liberta".

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