Por James Petras, no sítio português Resistir:
Entre 21 e 23 de Abril, o Conselho Nacional Patriótico vai convocar milhares de activistas da maior parte dos principais movimentos sociais urbanos e rurais e de sindicatos, grupos dos direitos humanos e movimentos indígenas, afro-colombianos, que se vão juntar para unir forças e lançar o que promete ser o novo movimento político mais significativo da história recente. Unidos num compromisso comum de procurar uma solução política para acabar com 60 anos de conflito social armado, o encontro vai decidir uma estratégia para derrotar os narco-regimes políticos do passado e do presente, recuperar as terras e as casas de 4 milhões de camponeses, índios, agricultores e afro-colombianos desalojados.
O ponto central da missão deste encontro será a recuperação da soberania nacional, gravemente comprometida pela presença de sete bases militares americanas, pela apropriação a grande escala e a longo prazo por parte das multinacionais estrangeiras dos recursos minerais e energéticos do país, e a protecção das comunidades indígenas e afro-colombianas contra a depredação ambiental. O encontro de Abril tem vindo a ser preparado por reuniões de massas, organizadas por conselhos populares, determinados a pôr fim às máquinas políticas paramilitares e dos latifundiários que controlam o eleitorado.
Há boas razões para crer que este movimento político terá êxito onde outros falharam, em grande parte por causa da amplitude e abertura dos participantes, da crescente cooperação e unidade em lutas comuns pela reforma agrária, por uma democracia participada e pela oposição quase universal ao militarismo apoiado pelos EU e ao acordo neoliberal de comércio livre.
Perspectivas internacionais: Um contexto promissor
Nunca o clima internacional foi tão favorável, em especial na América Latina, para o crescimento da iniciativa democrática popular da Colômbia e para o possível êxito político deste "movimento de movimentos".
Por quase toda a América do Sul e Caraíbas um momento histórico favorável de autonomia regional assumiu uma forma organizada, apoiado por quase todos os principais países da região. A ALBA (Alternativa Bolivariana para a América Latina) liga uma dezena de países das Caraíbas e dos Andes num pacto de integração regional liderado pelo dinâmico governo democrático e anti-imperialista de Hugo Chavez, presidente da Venezuela. A UNASUR (União das Nações Sul-americanas), o MERCOSUR (Mercado Comum do Sul) e outras organizações regionais, são expressão da crescente independência política e económica da América Latina e uma rejeição da OEA (Organização de Estados Americanos). Em termos práticos, o crescimento destas organizações regionais independentes significa uma rejeição à intervenção militar patrocinada pelos EUA, conforme ilustrado pelo seu repúdio ao golpe militar nas Honduras apoiado por Washington em 2009. A oposição da América Latina ao Acordo de Comércio Livre da América, de Washington, levou ao crescimento do comércio intra-regional e forçou Washington a procurar 'acordos bilaterais de comércio livre' com o Chile, a Colômbia, o Panamá e o México.
O crescimento da integração regional autónoma proporciona duas vantagens estratégicas: reduz a dependência económica em relação aos EUA e enfraquece a vantagem de Washington em impor sanções económicas contra qualquer governo nacionalista, populista ou socialista na região. Isso é evidente no fracasso de Washington em conseguir apoio latino-americano para o seu bloqueio a Cuba ou para as sanções contra a Venezuela. A queda da influência política e do domínio económico dos EUA abre uma oportunidade histórica para um governo popular nacionalista e democrático na Colômbia para, de forma realista, desenvolver um novo modelo de desenvolvimento alternativo centrado numa maior igualdade social.
O crescimento dinâmico dos mercados asiáticos, em especial da China, fornece à América Latina uma oportunidade histórica de diversificar os seus mercados, aumentar o comércio e garantir preços favoráveis às suas exportações. A vantagem das relações comerciais asiáticas é que estas não estão inquinadas pela subversão da CIA e do Pentágono – baseiam-se em estritas relações económicas mutuamente benéficas e na não intervenção nas relações internas de cada país. A diversificação do comércio está bastante avançada: a China substituiu os EUA e a UE como principais parceiros comerciais do Brasil, da Argentina, do Chile e do Peru e a lista está a aumentar à medida que a Ásia cresce rapidamente a mais de 8% e as economias dos EUA e da UE patinham na recessão.
A América Latina deixou de estar sujeita à volatilidade cíclica dos mercados financeiros EUA-UE. Durante as crises financeiras dos EUA e da Europa em 2009-2010, a América Latina conseguiu virar-se cada vez mais para a China para financiamento: os empréstimos da China à América Latina passaram de mil milhões de dólares em 2008 para 18 mil milhões de dólares em 2009 e 36 mil milhões de dólares em 2010. Além disso, países como a Argentina e o Equador, que não têm acesso aos mercados de capitais privados nos EUA e na UE por causa de incumprimento da dívida, podem contrair empréstimos em bancos estatais chineses. Entre 2005-2010, a China emprestou à América latina 75 mil milhões de dólares e em 2010 os empréstimos chineses ultrapassaram os empréstimos conjuntos do FMI, do Banco Mundial e do BID [Banco Interamericano de Desenvolvimento].
Além disso, os bancos estatais chineses não impõem 'condições' políticas e económicas severas aos seus devedores latinos, como faz o FMI. Por outras palavras, os latino-americanos que recorrem ao financiamento externo, podem contrair empréstimos na China para financiar mudanças estruturais, incluindo a reforma agrária e a nacionalização de bancos, sem medo de represálias económicas dos seus emprestadores além-mar.
A ALBA proporciona um importante 'agrupamento sub-regional' e um fórum que representa uma poderosa rejeição às guerras imperialistas, uma oportunidade para maior integração das Caraíbas e uma defesa contra a intervenção política e militar imperialista assim como subsídios favoráveis sobre as importações de petróleo. A ALBA fornece à Colômbia uma oportunidade para aprofundar os seus laços estratégicos com a Venezuela e o Equador, já que partilham uma fronteira comum, economias altamente complementares e um legado bolivariano histórico e cultural comum.
Em contraste com o período entre finais dos anos 70 e 2000, quando Washington dominava a América Latina através de regimes clientes militares e civis e santificava o dogma neoliberal do chamado Consenso de Washington de 1996, e limitava a liberdade de acção dum governo popular independente, uma Colômbia livre e independente neste momento teria um ambiente internacional, político e económico muitíssimo mais favorável.
O declínio do poder global dos EUA
A influência dos EUA está em queda a nível mundial: a China e a Índia substituíram os EUA enquanto principais parceiros comerciais na Ásia, na América Latina, em África e em importantes países do Médio Oriente. A economia e as forças armadas da Rússia recuperaram da pilhagem catastrófica durante a era de Yeltsin e está a prosseguir uma política independente. Isso é evidente nas vendas militares e nos acordos de petróleo da Rússia com a Venezuela, no veto no Conselho de Segurança da ONU quanto ao assalto mercenário à Síria, apoiado pela NATO, e nas suas ligações mais estreitas com a China.
Juntamente com o aparecimento de um mundo multi-polar da Rússia-China-América Latina, o Médio Oriente e o Norte de África estão no meio de uma série de rebeliões democráticas populares e anti-imperialistas que ameaçam as ditaduras clientes dos EUA.
Igualmente importante, as guerras dos EUA, prolongadas, dispendiosas e fracassadas no Iraque e no Afeganistão têm sido imensamente impopulares internamente, e em conjunto com o défice fiscal e comercial e as crises financeiras, têm corroído o apoio público para novas guerras territoriais a grande escala.
Por outras palavras, os EUA estão muito menos capacitados para sustentar uma intervenção militar de grande escala contra um país importante como a Colômbia, se e quando for eleito um novo governo popular.
A morte do modelo capitalista neoliberal
Hoje, mais do que nunca na história recente, o actual "capitalismo de mercado livre" real demonstrou à escala mundial o seu fracasso em proporcionar os princípios essenciais a uma vida boa. Na Grécia, em Espanha, em Portugal, na Itália, o desemprego juvenil paira entre 35% a 50%; e o desemprego geral aproxima-se ou ultrapassa os 20%. Na UE e nos EUA o desemprego e o subemprego reais ultrapassam um quarto da força de trabalho.
A recessão económica, as crises financeiras e as condições de vida e de trabalho em queda são as condições que definem os EUA e a Europa. Por outras palavras, o modelo capitalista em crise há cinco anos não oferece alternativa para a grande maioria que trabalha nos 'países imperialistas desenvolvidos' nem nos chamados 'países em desenvolvimento'.
Isso apresenta uma oportunidade ideológica de ouro para demonstrar que uma sociedade socialista baseada na participação democrática é uma alternativa viável para crises suscitadas pelo capitalismo.
Lutas de classe e nacionais: A realidade emergente
Actualmente por todo o mundo, desde o sul da Europa até ao Médio Oriente, desde a Ásia até à América do Norte, sucedem-se revoltas populares de massas. Greves gerais, manifestações de massas e lutas de rua alastram-se nas capitais da Grécia, de Portugal e da Itália. Movimentos democráticos de massas desafiam ditadores no Egipto, na Tunísia, no Bahrain e nos estados do Golfo. Os 'movimentos de ocupação' nos EUA e em Espanha espalharam-se a outros países, rejeitando a "austeridade" baseada em classes. Perante a recuperação de lucros à custa de enormes cortes em salários, serviços públicos, pensões e cuidados de saúde, juntam-se à luta novos sectores da classe média.
Mesmo nos países capitalistas asiáticos de acentuado crescimento, como a China, a classe trabalhadora revolta-se contra as desigualdades e a exploração: mais de 200 mil greves e manifestações de protesto em 2011 fazem recordar as rebeliões populares da Revolução Cultural contra a hierarquia e o abuso. Em resumo, a correlação de forças regional e mundial é muito favorável ao aparecimento de um novo movimento político unificado e dinâmico na Colômbia. No entanto, há perigos e obstáculos que é necessário ter em consideração.
Obstáculos e desafios
O declínio e decadência do poder e da influência dos EUA não diminui os perigos de assassínios directos pelas Forças Especiais, da intervenção militar indirecta através de aliados militares locais e da desestabilização económica.
Washington aperfeiçoou um exército clandestino de forças especiais, de operações armadas assassinas, em 75 países. Os EUA mantêm 750 bases militares em todo o mundo. Como vimos nas Honduras, os EUA ainda têm poder sobre militares e aliados entre os oligarcas para derrubar um governo progressista. Os EUA têm um exército de reserva de políticos locais e de ONG pronto para substituir os ditadores quando estes são derrubados.
Washington e a Europa da NATO forneceram apoio aéreo e naval e forneceram armas a mercenários e fundamentalistas locais para derrubar chefes independentes como Kadhafi na Líbia. Agora estão a fornecer armas a mercenários para atacar o presidente Assad na Síria. Os EUA e a UE estão a montar uma frota militar cercando o Irão e a promover sanções económicas para estrangular a sua economia. Mais preocupante ainda, Washington está a cercar a China e a Rússia com bases militares, mísseis e navios de guerra.
Por outras palavras, o imperialismo em declínio económico mantém contudo opções militares para deter o avanço dum sistema político global pluralista. Os estados imperialistas não abdicam do poder a não ser que tenham pela frente alianças regionais unificadas e, igualmente importante, governos com apoio popular de massas unificado.
A evolução positiva da integração latino-americana é um passo para uma maior independência mas tem fraquezas estratégicas: nomeadamente contradições e conflitos de classe internos quanto a modelos de desenvolvimento. O crescimento económico e a diversificação de mercados tem enfraquecido o domínio dos EUA mas também tem reforçado o poder e a riqueza das classes dirigentes internas e das grandes empresas multinacionais agro-minerais.
As desigualdades de riqueza, de receitas e de posse das terras florescem no Brasil, no Chile, no Peru, no Equador, na Bolívia e não só, apesar de alguns desses regimes afirmarem ser "governos populares". Além disso, o "anti-imperialismo" dos países da ALBA como a Bolívia não se estende às dezenas de multinacionais estrangeiras, donas da extracção de minerais e da exploração do petróleo, que dominam o país. A Argentina pode promover uma política estrangeira independente mas mais de um terço do seu território está nas mãos de capital estrangeiro.
Por outras palavras, embora o aumento de governos independentes na América Latina contribua para limitar o domínio dos EUA, os movimentos colombianos têm também que reconhecer as limitações e contradições de classe dos países 'progressistas' da região. Só a Venezuela tem concretizado políticas fortemente redistributivas e nacionalistas.
Os principais obstáculos que os novos movimentos políticos colombianos enfrentam são internos: a oligarquia entrincheirada e os seus aliados no estado, em especial no seio das forças militares e paramilitares. Se o ambiente externo é fortemente favorável, o regime político interno apresenta-se como um obstáculo formidável, principalmente os continuados assassínios de dezenas de importantes sindicalistas, de camponeses e de activistas dos direitos humanos.
A desmilitarização da sociedade civil, a começar pelo desmantelamento das bases militares americanas, o abandono do Plano Colômbia e a desmobilização das forças armadas (mais de 300 mil fora os grupos paramilitares privados) são importantes passos para a abertura de espaço político para o exercício de direitos democráticos. A democratização das eleições exige o fim da penetração estatal e da coacção da sociedade civil.
A democratização da Colômbia exige o crescimento de poderosos movimentos sociais independentes que representem todos os sectores populares da sociedade colombiana; é necessário que a investigação judicial e o julgamento do ex narco-presidente Álvaro Uribe e dos seus colaboradores mais próximos, por homicídios políticos, se alargue ao actual regime de Santos. O recente "acordo de comércio livre" entre Obama e Santos tem que ser repudiado porque é um obstáculo ao desenvolvimento interno e ao aprofundamento de relações económicas mais promissoras com a Venezuela e o resto da América Latina e a Ásia.
É preciso mobilizar mais de 4 milhões de colombianos espoliados, desapossados à força pelo regime de Uribe, para recuperarem as suas terras, e fornecer-lhes créditos, empréstimos e uma oportunidade de fugir à sua actual miséria e sofrimento.
Os actuais dirigentes da Colômbia não podem apontar um único exemplo dum modelo neoliberal bem sucedido na Europa, na América Latina ou nos Estados Unidos. O México e a América Central neoliberais estão dominados por cartéis da droga, com mais de 80 mil homicídios nos últimos cinco anos e têm as taxas de crescimento mais baixas da região. A economia dos EUA está estagnada com mais de 20% de desempregados e subempregados. A União Europeia está à beira da desintegração. Está a ser confirmada claramente a crítica de Marx sobre a crescente pauperização no capitalismo. Chegou a altura de os novos movimentos políticos considerarem uma "via colombiana para o socialismo" construída sobre a propriedade pública dos altos comandos da economia, da reforma agrária, da agricultura sustentável e da protecção ambiental sob controlo democrático.
É com espírito de optimismo e análise crítica que envio a minha solidariedade e apoio incondicional aos organizadores, activistas e participantes militantes que vão estar presentes neste encontro histórico. Estou confiante em que mais cedo que tarde guiarão a Colômbia à sua "segunda e final independência".
Entre 21 e 23 de Abril, o Conselho Nacional Patriótico vai convocar milhares de activistas da maior parte dos principais movimentos sociais urbanos e rurais e de sindicatos, grupos dos direitos humanos e movimentos indígenas, afro-colombianos, que se vão juntar para unir forças e lançar o que promete ser o novo movimento político mais significativo da história recente. Unidos num compromisso comum de procurar uma solução política para acabar com 60 anos de conflito social armado, o encontro vai decidir uma estratégia para derrotar os narco-regimes políticos do passado e do presente, recuperar as terras e as casas de 4 milhões de camponeses, índios, agricultores e afro-colombianos desalojados.
O ponto central da missão deste encontro será a recuperação da soberania nacional, gravemente comprometida pela presença de sete bases militares americanas, pela apropriação a grande escala e a longo prazo por parte das multinacionais estrangeiras dos recursos minerais e energéticos do país, e a protecção das comunidades indígenas e afro-colombianas contra a depredação ambiental. O encontro de Abril tem vindo a ser preparado por reuniões de massas, organizadas por conselhos populares, determinados a pôr fim às máquinas políticas paramilitares e dos latifundiários que controlam o eleitorado.
Há boas razões para crer que este movimento político terá êxito onde outros falharam, em grande parte por causa da amplitude e abertura dos participantes, da crescente cooperação e unidade em lutas comuns pela reforma agrária, por uma democracia participada e pela oposição quase universal ao militarismo apoiado pelos EU e ao acordo neoliberal de comércio livre.
Perspectivas internacionais: Um contexto promissor
Nunca o clima internacional foi tão favorável, em especial na América Latina, para o crescimento da iniciativa democrática popular da Colômbia e para o possível êxito político deste "movimento de movimentos".
Por quase toda a América do Sul e Caraíbas um momento histórico favorável de autonomia regional assumiu uma forma organizada, apoiado por quase todos os principais países da região. A ALBA (Alternativa Bolivariana para a América Latina) liga uma dezena de países das Caraíbas e dos Andes num pacto de integração regional liderado pelo dinâmico governo democrático e anti-imperialista de Hugo Chavez, presidente da Venezuela. A UNASUR (União das Nações Sul-americanas), o MERCOSUR (Mercado Comum do Sul) e outras organizações regionais, são expressão da crescente independência política e económica da América Latina e uma rejeição da OEA (Organização de Estados Americanos). Em termos práticos, o crescimento destas organizações regionais independentes significa uma rejeição à intervenção militar patrocinada pelos EUA, conforme ilustrado pelo seu repúdio ao golpe militar nas Honduras apoiado por Washington em 2009. A oposição da América Latina ao Acordo de Comércio Livre da América, de Washington, levou ao crescimento do comércio intra-regional e forçou Washington a procurar 'acordos bilaterais de comércio livre' com o Chile, a Colômbia, o Panamá e o México.
O crescimento da integração regional autónoma proporciona duas vantagens estratégicas: reduz a dependência económica em relação aos EUA e enfraquece a vantagem de Washington em impor sanções económicas contra qualquer governo nacionalista, populista ou socialista na região. Isso é evidente no fracasso de Washington em conseguir apoio latino-americano para o seu bloqueio a Cuba ou para as sanções contra a Venezuela. A queda da influência política e do domínio económico dos EUA abre uma oportunidade histórica para um governo popular nacionalista e democrático na Colômbia para, de forma realista, desenvolver um novo modelo de desenvolvimento alternativo centrado numa maior igualdade social.
O crescimento dinâmico dos mercados asiáticos, em especial da China, fornece à América Latina uma oportunidade histórica de diversificar os seus mercados, aumentar o comércio e garantir preços favoráveis às suas exportações. A vantagem das relações comerciais asiáticas é que estas não estão inquinadas pela subversão da CIA e do Pentágono – baseiam-se em estritas relações económicas mutuamente benéficas e na não intervenção nas relações internas de cada país. A diversificação do comércio está bastante avançada: a China substituiu os EUA e a UE como principais parceiros comerciais do Brasil, da Argentina, do Chile e do Peru e a lista está a aumentar à medida que a Ásia cresce rapidamente a mais de 8% e as economias dos EUA e da UE patinham na recessão.
A América Latina deixou de estar sujeita à volatilidade cíclica dos mercados financeiros EUA-UE. Durante as crises financeiras dos EUA e da Europa em 2009-2010, a América Latina conseguiu virar-se cada vez mais para a China para financiamento: os empréstimos da China à América Latina passaram de mil milhões de dólares em 2008 para 18 mil milhões de dólares em 2009 e 36 mil milhões de dólares em 2010. Além disso, países como a Argentina e o Equador, que não têm acesso aos mercados de capitais privados nos EUA e na UE por causa de incumprimento da dívida, podem contrair empréstimos em bancos estatais chineses. Entre 2005-2010, a China emprestou à América latina 75 mil milhões de dólares e em 2010 os empréstimos chineses ultrapassaram os empréstimos conjuntos do FMI, do Banco Mundial e do BID [Banco Interamericano de Desenvolvimento].
Além disso, os bancos estatais chineses não impõem 'condições' políticas e económicas severas aos seus devedores latinos, como faz o FMI. Por outras palavras, os latino-americanos que recorrem ao financiamento externo, podem contrair empréstimos na China para financiar mudanças estruturais, incluindo a reforma agrária e a nacionalização de bancos, sem medo de represálias económicas dos seus emprestadores além-mar.
A ALBA proporciona um importante 'agrupamento sub-regional' e um fórum que representa uma poderosa rejeição às guerras imperialistas, uma oportunidade para maior integração das Caraíbas e uma defesa contra a intervenção política e militar imperialista assim como subsídios favoráveis sobre as importações de petróleo. A ALBA fornece à Colômbia uma oportunidade para aprofundar os seus laços estratégicos com a Venezuela e o Equador, já que partilham uma fronteira comum, economias altamente complementares e um legado bolivariano histórico e cultural comum.
Em contraste com o período entre finais dos anos 70 e 2000, quando Washington dominava a América Latina através de regimes clientes militares e civis e santificava o dogma neoliberal do chamado Consenso de Washington de 1996, e limitava a liberdade de acção dum governo popular independente, uma Colômbia livre e independente neste momento teria um ambiente internacional, político e económico muitíssimo mais favorável.
O declínio do poder global dos EUA
A influência dos EUA está em queda a nível mundial: a China e a Índia substituíram os EUA enquanto principais parceiros comerciais na Ásia, na América Latina, em África e em importantes países do Médio Oriente. A economia e as forças armadas da Rússia recuperaram da pilhagem catastrófica durante a era de Yeltsin e está a prosseguir uma política independente. Isso é evidente nas vendas militares e nos acordos de petróleo da Rússia com a Venezuela, no veto no Conselho de Segurança da ONU quanto ao assalto mercenário à Síria, apoiado pela NATO, e nas suas ligações mais estreitas com a China.
Juntamente com o aparecimento de um mundo multi-polar da Rússia-China-América Latina, o Médio Oriente e o Norte de África estão no meio de uma série de rebeliões democráticas populares e anti-imperialistas que ameaçam as ditaduras clientes dos EUA.
Igualmente importante, as guerras dos EUA, prolongadas, dispendiosas e fracassadas no Iraque e no Afeganistão têm sido imensamente impopulares internamente, e em conjunto com o défice fiscal e comercial e as crises financeiras, têm corroído o apoio público para novas guerras territoriais a grande escala.
Por outras palavras, os EUA estão muito menos capacitados para sustentar uma intervenção militar de grande escala contra um país importante como a Colômbia, se e quando for eleito um novo governo popular.
A morte do modelo capitalista neoliberal
Hoje, mais do que nunca na história recente, o actual "capitalismo de mercado livre" real demonstrou à escala mundial o seu fracasso em proporcionar os princípios essenciais a uma vida boa. Na Grécia, em Espanha, em Portugal, na Itália, o desemprego juvenil paira entre 35% a 50%; e o desemprego geral aproxima-se ou ultrapassa os 20%. Na UE e nos EUA o desemprego e o subemprego reais ultrapassam um quarto da força de trabalho.
A recessão económica, as crises financeiras e as condições de vida e de trabalho em queda são as condições que definem os EUA e a Europa. Por outras palavras, o modelo capitalista em crise há cinco anos não oferece alternativa para a grande maioria que trabalha nos 'países imperialistas desenvolvidos' nem nos chamados 'países em desenvolvimento'.
Isso apresenta uma oportunidade ideológica de ouro para demonstrar que uma sociedade socialista baseada na participação democrática é uma alternativa viável para crises suscitadas pelo capitalismo.
Lutas de classe e nacionais: A realidade emergente
Actualmente por todo o mundo, desde o sul da Europa até ao Médio Oriente, desde a Ásia até à América do Norte, sucedem-se revoltas populares de massas. Greves gerais, manifestações de massas e lutas de rua alastram-se nas capitais da Grécia, de Portugal e da Itália. Movimentos democráticos de massas desafiam ditadores no Egipto, na Tunísia, no Bahrain e nos estados do Golfo. Os 'movimentos de ocupação' nos EUA e em Espanha espalharam-se a outros países, rejeitando a "austeridade" baseada em classes. Perante a recuperação de lucros à custa de enormes cortes em salários, serviços públicos, pensões e cuidados de saúde, juntam-se à luta novos sectores da classe média.
Mesmo nos países capitalistas asiáticos de acentuado crescimento, como a China, a classe trabalhadora revolta-se contra as desigualdades e a exploração: mais de 200 mil greves e manifestações de protesto em 2011 fazem recordar as rebeliões populares da Revolução Cultural contra a hierarquia e o abuso. Em resumo, a correlação de forças regional e mundial é muito favorável ao aparecimento de um novo movimento político unificado e dinâmico na Colômbia. No entanto, há perigos e obstáculos que é necessário ter em consideração.
Obstáculos e desafios
O declínio e decadência do poder e da influência dos EUA não diminui os perigos de assassínios directos pelas Forças Especiais, da intervenção militar indirecta através de aliados militares locais e da desestabilização económica.
Washington aperfeiçoou um exército clandestino de forças especiais, de operações armadas assassinas, em 75 países. Os EUA mantêm 750 bases militares em todo o mundo. Como vimos nas Honduras, os EUA ainda têm poder sobre militares e aliados entre os oligarcas para derrubar um governo progressista. Os EUA têm um exército de reserva de políticos locais e de ONG pronto para substituir os ditadores quando estes são derrubados.
Washington e a Europa da NATO forneceram apoio aéreo e naval e forneceram armas a mercenários e fundamentalistas locais para derrubar chefes independentes como Kadhafi na Líbia. Agora estão a fornecer armas a mercenários para atacar o presidente Assad na Síria. Os EUA e a UE estão a montar uma frota militar cercando o Irão e a promover sanções económicas para estrangular a sua economia. Mais preocupante ainda, Washington está a cercar a China e a Rússia com bases militares, mísseis e navios de guerra.
Por outras palavras, o imperialismo em declínio económico mantém contudo opções militares para deter o avanço dum sistema político global pluralista. Os estados imperialistas não abdicam do poder a não ser que tenham pela frente alianças regionais unificadas e, igualmente importante, governos com apoio popular de massas unificado.
A evolução positiva da integração latino-americana é um passo para uma maior independência mas tem fraquezas estratégicas: nomeadamente contradições e conflitos de classe internos quanto a modelos de desenvolvimento. O crescimento económico e a diversificação de mercados tem enfraquecido o domínio dos EUA mas também tem reforçado o poder e a riqueza das classes dirigentes internas e das grandes empresas multinacionais agro-minerais.
As desigualdades de riqueza, de receitas e de posse das terras florescem no Brasil, no Chile, no Peru, no Equador, na Bolívia e não só, apesar de alguns desses regimes afirmarem ser "governos populares". Além disso, o "anti-imperialismo" dos países da ALBA como a Bolívia não se estende às dezenas de multinacionais estrangeiras, donas da extracção de minerais e da exploração do petróleo, que dominam o país. A Argentina pode promover uma política estrangeira independente mas mais de um terço do seu território está nas mãos de capital estrangeiro.
Por outras palavras, embora o aumento de governos independentes na América Latina contribua para limitar o domínio dos EUA, os movimentos colombianos têm também que reconhecer as limitações e contradições de classe dos países 'progressistas' da região. Só a Venezuela tem concretizado políticas fortemente redistributivas e nacionalistas.
Os principais obstáculos que os novos movimentos políticos colombianos enfrentam são internos: a oligarquia entrincheirada e os seus aliados no estado, em especial no seio das forças militares e paramilitares. Se o ambiente externo é fortemente favorável, o regime político interno apresenta-se como um obstáculo formidável, principalmente os continuados assassínios de dezenas de importantes sindicalistas, de camponeses e de activistas dos direitos humanos.
A desmilitarização da sociedade civil, a começar pelo desmantelamento das bases militares americanas, o abandono do Plano Colômbia e a desmobilização das forças armadas (mais de 300 mil fora os grupos paramilitares privados) são importantes passos para a abertura de espaço político para o exercício de direitos democráticos. A democratização das eleições exige o fim da penetração estatal e da coacção da sociedade civil.
A democratização da Colômbia exige o crescimento de poderosos movimentos sociais independentes que representem todos os sectores populares da sociedade colombiana; é necessário que a investigação judicial e o julgamento do ex narco-presidente Álvaro Uribe e dos seus colaboradores mais próximos, por homicídios políticos, se alargue ao actual regime de Santos. O recente "acordo de comércio livre" entre Obama e Santos tem que ser repudiado porque é um obstáculo ao desenvolvimento interno e ao aprofundamento de relações económicas mais promissoras com a Venezuela e o resto da América Latina e a Ásia.
É preciso mobilizar mais de 4 milhões de colombianos espoliados, desapossados à força pelo regime de Uribe, para recuperarem as suas terras, e fornecer-lhes créditos, empréstimos e uma oportunidade de fugir à sua actual miséria e sofrimento.
Os actuais dirigentes da Colômbia não podem apontar um único exemplo dum modelo neoliberal bem sucedido na Europa, na América Latina ou nos Estados Unidos. O México e a América Central neoliberais estão dominados por cartéis da droga, com mais de 80 mil homicídios nos últimos cinco anos e têm as taxas de crescimento mais baixas da região. A economia dos EUA está estagnada com mais de 20% de desempregados e subempregados. A União Europeia está à beira da desintegração. Está a ser confirmada claramente a crítica de Marx sobre a crescente pauperização no capitalismo. Chegou a altura de os novos movimentos políticos considerarem uma "via colombiana para o socialismo" construída sobre a propriedade pública dos altos comandos da economia, da reforma agrária, da agricultura sustentável e da protecção ambiental sob controlo democrático.
É com espírito de optimismo e análise crítica que envio a minha solidariedade e apoio incondicional aos organizadores, activistas e participantes militantes que vão estar presentes neste encontro histórico. Estou confiante em que mais cedo que tarde guiarão a Colômbia à sua "segunda e final independência".
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