Por Leonardo Sakamoto, em seu blog:
Se, ao final desta história, você achá-la um absurdo é porque não conhece a Amazônia. Por lá, manda quem pode. Quem não pode obedece. Ou é processado. Ou some.
Antes de mais nada, um necessário comentário. O senso de Justiça, quando se refere ao Pará, tem servido para proteger o direito de alguns mais ricos em detrimento dos que nada têm. Mudanças positivas têm acontecido, graças à sociedade civil, à imprensa e a promotores, procuradores e juízes que têm a coragem de fazer o seu trabalho, mesmo com o risco de uma bala atravessar o seu caminho. Mas tudo isso é muito pouco diante do notório fracasso até o presente momento.
Não gosto de dizer que o Estado é “ausente” nessas regiões, seria um erro do ponto de vista conceitual. Mas as instituições que servem para garantir a efetividade dos direitos fundamentais da parcela mais humilde são mal estruturadas, defeituosas ou insuficientes. Enquanto isso, aquelas criadas para garantir o desenvolvimento econômico, seja através do agronegócio, do extrativismo ou dos grandes projetos de engenharia, funcionam que é uma beleza.
Se fossemos contar todos os casos de sindicalistas, trabalhadores rurais, camponeses, indígenas cujos carrascos nunca foram punidos no Pará, teríamos o maior post de todos os tempos. Por exemplo, na década de 80 e 90, os fazendeiros resolveram acabar com o Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Rio Maria, no Sul do Pará, e assassinaram uma série de lideranças. Foram a julgamentos, houve condenações, mas os pistoleiros fugiram. Deles, passando pelo Massacre de Eldorado dos Carajás, pelo assassinato de Dorothy Stang, pela morte de Maria e Zé Cláudio, e tantos outros até hoje, foram décadas de impunidade e desrespeito à vida.
Os trechos são de matéria de Daniel Santini, da Repórter Brasil:
Frente às críticas que recebeu ao condenar o jornalista Lúcio Flávio Pinto a pagar indenização por danos morais devido a críticas que fez ao latifundiário Cecílio do Rego Almeida, o juiz Amilcar Guimarães, da 1ª Vara Cível de Belém, fez ataques públicos pela internet contra Lúcio Flávio. Em sua página no Facebook, o magistrado ofendeu o réu que julgou.
Em uma das mensagens que escreveu, o juiz o chamou de “pateta”, “canalha” e lembrou que, em ocasião anterior, ele recebeu “bons e merecidos sopapos no meio da fuça”. Também chamou de “carpideira” quem se ofendeu com seus posts das últimas semanas. Procurado pela Repórter Brasil, Lúcio Flávio descartou entrar com uma ação por danos morais contra o magistrado por não acreditar na isenção dos tribunais do Estado. Ele defende que a condenação que sofreu foi política e diz que não tem esperança de obter qualquer sentença favorável na Justiça local, qualquer que seja o contexto.
O jornalista foi condenado pelo juiz Amilcar em 22 de junho de 2005 a pagar R$ 8 mil como indenização por danos morais por ter chamado o fundador da empreiteira C.R. Almeida, Cecílio do Rego Almeida, de “pirata fundiário”. O repórter utilizou o termo para denunciar a tentativa de grilagem de cerca de 4,7 milhões de hectares de terras públicas no Pará – área maior do que países como Dinamarca, Holanda e Bélgica, e do que estados como Rio de Janeiro e Espírito Santo. O alerta feito pelo jornalista de que o empresário estaria utilizando documentos falsos para tentar se apropriar de terras do Estado do Pará e da União, incluindo parte de territórios indígenas, revelou-se correto. Em novembro de 2011, a Justiça Federal cancelou o registro do que, na decisão, o juiz da 9ª Vara Federal em Altamira (PA), Hugo da Gama Filho, classificou como “o maior latifúndio do Brasil”. Cecílio faleceu em 2008 e são seus filhos que devem se beneficiar da indenização.
Em sua defesa, Lúcio Flávio apontou irregularidades graves na maneira como o processo contra ele foi conduzido. O juiz Amilcar teve a oportunidade de julgar o caso ao assumir interinamente a 4ª Vara por apenas três dias – que, na prática, viraram dois dias por ele ter sido nomeado com atraso devido à publicação incorreta da portaria que oficializou a substituição provisória. Nestes dois dias em que esteve no cargo, Amilcar solicitou o processo específico que corria contra o jornalista, um documento de mais de 400 páginas, e decidiu rapidamente pela condenação. “Ele pediu só um processo, o meu. E era um processo que não poderia ser julgado porque estava sob efeito suspensivo”, diz Lúcio Flávio. “Além disso, apesar de ter datado a sentença como tendo sido promulgada na sexta-feira, ele só efetivamente devolveu o documento apenas na terça-feira. Tenho certidões do cartório e do departamento de informática do Tribunal de Justiça do Pará documentando isso”.
Amilcar confirma que pediu especificamente o processo que corria contra Lúcio Flávio. “Pedi porque tinha interesse pessoal em tratar da questão da liberdade de imprensa. Eu queria expor uma tese sobre o limite da liberdade de imprensa”, afirma o magistrado. “Minha revolta é por ele achar que os motivos foram outros, que agi assim porque o Rego Almeida é um milionário e ele um jornalista batalhador. Eu não tinha outros interesses, apenas escrever sobre isso. É preciso um limite. As pessoas têm direito à crítica, ele mesmo pode me criticar, criticar meu trabalho, minhas decisões, mas não pode ofender. Essa responsabilidade de estabelecer o limite não deveria ser do judiciário, mas da sociedade. Quem deveria regulamentar isso deveria ser o Congresso Nacional”, afirma.
Questionado sobre o fato de, ao atacar o jornalista no Facebook, estar incorrendo no mesmo crime pelo qual condenou Lúcio Flávio, o magistrado admite que errou. “Ele vem me chamando de corrupto, achei que deveria me defender. Sei que um erro não justifica o outro, mas perto das insinuações que sofri por parte dele, chamá-lo de pateta é quase como chamá-lo de Madre Teresa de Calcutá. Somos duas pessoas extremamente grosseiras e mal educadas. Eu reagi mal e reconheço que não é certo”, afirma o juiz, que diz, no entanto, que não se arrepende do que escreveu. Ele descarta a possibilidade de sofrer uma ação por parte do jornalista. “Ele não ousaria. Ele já me ofendeu muito mais.”
Lúcio Flávio nega que tenha chamado ou insinuado que Amilcar recebeu dinheiro para condená-lo, e também diz que jamais fez qualquer menção à corrupção, como afirmou o magistrado. Ele insiste, isso sim, que a maneira como o processo foi conduzido foi irregular. “Fiz uma representação contra essa fraude que ele praticou. A representação foi aceita pela corregedora, que votou pelo procedimento administrativo e disciplinar. Nenhum juiz substituto que vai ficar por três dias sentencia no último dia um processo de 400 páginas que deveria estar suspenso. Eu disse que ele foi venal, que fraudou a setença. E isso está documentado”, afirma Lúcio Flávio.
O jornalista diz que desistiu de recorrer da sentença a que foi condenado por não ver mais legitimidade no Tribunal de Justiça do Pará. Em vez de tentar novos recursos, ele aceitou a decisão e fez uma campanha para arrecadar os R$ 8 mil que teria que destinar a família do magnata falecido. “Já tem dinheiro suficiente para pagar. No dia que for, vou levar todo mundo que ajudou”, afirma. Entre os motivos que levaram Lúcio Flávio a desistir de recorrer da condeção está o fato de que, como jornalista, já fez denúncias envolvendo magistrados de desembargadores do Tribunal de Justiça do Pará. “Esse juiz é apenas a ponta de um tumor. Tenho denunciado todas as sujeiras e o Tribunal não quer que o Jornal Pessoal continue a circular, porque o jornal denuncia mesmo. As denuncias são sérissimas”, reitera.
“Espero que a opinião publica nacional perceba que pela primeira vez um juiz personificou quase todos os males do sistema judiciário. Ele representa a Justiça mas declara publicamente que não confia na justiça, ele acha que as diferenças podem ser resolvidas na violência, acha que a pena máxima para um juiz é a aposentadoria, ele desrespeita a parte que julgou, ele não consegue separar seu interesse pessoal do público, ele não respeita o exercício do seu ofício”, afirma, referindo-se às manifestações do juiz no Facebook. Além de ter dito que os “sopapos” recebidos por Lúcio Flávio foram merecidos, Amílcar chegou a dizer que espera que o jornalista faça uma representação ao Conselho Nacional de Justiça (CNJ) para poder ganhar a aposentadoria compulsória.
O Código de Ética da Magistratura, de 2008, prevê que “ao magistrado impõe-se primar pelo respeito à Constituição da República e às leis do País, buscando o fortalecimento das instituições e a plena realização dos valores democráticos”. O texto diz ainda que o magistrado “deve manter atitude aberta e paciente para receber argumentos ou críticas lançados de forma cortês e respeitosa, podendo confirmar ou retificar posições anteriormente assumidas nos processos em que atua” e “deve comportar-se na vida privada de modo a dignificar a função, cônscio de que o exercício da atividade jurisdicional impõe restrições e exigências pessoais distintas das acometidas aos cidadãos em geral”.
Se, ao final desta história, você achá-la um absurdo é porque não conhece a Amazônia. Por lá, manda quem pode. Quem não pode obedece. Ou é processado. Ou some.
Antes de mais nada, um necessário comentário. O senso de Justiça, quando se refere ao Pará, tem servido para proteger o direito de alguns mais ricos em detrimento dos que nada têm. Mudanças positivas têm acontecido, graças à sociedade civil, à imprensa e a promotores, procuradores e juízes que têm a coragem de fazer o seu trabalho, mesmo com o risco de uma bala atravessar o seu caminho. Mas tudo isso é muito pouco diante do notório fracasso até o presente momento.
Não gosto de dizer que o Estado é “ausente” nessas regiões, seria um erro do ponto de vista conceitual. Mas as instituições que servem para garantir a efetividade dos direitos fundamentais da parcela mais humilde são mal estruturadas, defeituosas ou insuficientes. Enquanto isso, aquelas criadas para garantir o desenvolvimento econômico, seja através do agronegócio, do extrativismo ou dos grandes projetos de engenharia, funcionam que é uma beleza.
Se fossemos contar todos os casos de sindicalistas, trabalhadores rurais, camponeses, indígenas cujos carrascos nunca foram punidos no Pará, teríamos o maior post de todos os tempos. Por exemplo, na década de 80 e 90, os fazendeiros resolveram acabar com o Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Rio Maria, no Sul do Pará, e assassinaram uma série de lideranças. Foram a julgamentos, houve condenações, mas os pistoleiros fugiram. Deles, passando pelo Massacre de Eldorado dos Carajás, pelo assassinato de Dorothy Stang, pela morte de Maria e Zé Cláudio, e tantos outros até hoje, foram décadas de impunidade e desrespeito à vida.
Os trechos são de matéria de Daniel Santini, da Repórter Brasil:
Frente às críticas que recebeu ao condenar o jornalista Lúcio Flávio Pinto a pagar indenização por danos morais devido a críticas que fez ao latifundiário Cecílio do Rego Almeida, o juiz Amilcar Guimarães, da 1ª Vara Cível de Belém, fez ataques públicos pela internet contra Lúcio Flávio. Em sua página no Facebook, o magistrado ofendeu o réu que julgou.
Em uma das mensagens que escreveu, o juiz o chamou de “pateta”, “canalha” e lembrou que, em ocasião anterior, ele recebeu “bons e merecidos sopapos no meio da fuça”. Também chamou de “carpideira” quem se ofendeu com seus posts das últimas semanas. Procurado pela Repórter Brasil, Lúcio Flávio descartou entrar com uma ação por danos morais contra o magistrado por não acreditar na isenção dos tribunais do Estado. Ele defende que a condenação que sofreu foi política e diz que não tem esperança de obter qualquer sentença favorável na Justiça local, qualquer que seja o contexto.
O jornalista foi condenado pelo juiz Amilcar em 22 de junho de 2005 a pagar R$ 8 mil como indenização por danos morais por ter chamado o fundador da empreiteira C.R. Almeida, Cecílio do Rego Almeida, de “pirata fundiário”. O repórter utilizou o termo para denunciar a tentativa de grilagem de cerca de 4,7 milhões de hectares de terras públicas no Pará – área maior do que países como Dinamarca, Holanda e Bélgica, e do que estados como Rio de Janeiro e Espírito Santo. O alerta feito pelo jornalista de que o empresário estaria utilizando documentos falsos para tentar se apropriar de terras do Estado do Pará e da União, incluindo parte de territórios indígenas, revelou-se correto. Em novembro de 2011, a Justiça Federal cancelou o registro do que, na decisão, o juiz da 9ª Vara Federal em Altamira (PA), Hugo da Gama Filho, classificou como “o maior latifúndio do Brasil”. Cecílio faleceu em 2008 e são seus filhos que devem se beneficiar da indenização.
Em sua defesa, Lúcio Flávio apontou irregularidades graves na maneira como o processo contra ele foi conduzido. O juiz Amilcar teve a oportunidade de julgar o caso ao assumir interinamente a 4ª Vara por apenas três dias – que, na prática, viraram dois dias por ele ter sido nomeado com atraso devido à publicação incorreta da portaria que oficializou a substituição provisória. Nestes dois dias em que esteve no cargo, Amilcar solicitou o processo específico que corria contra o jornalista, um documento de mais de 400 páginas, e decidiu rapidamente pela condenação. “Ele pediu só um processo, o meu. E era um processo que não poderia ser julgado porque estava sob efeito suspensivo”, diz Lúcio Flávio. “Além disso, apesar de ter datado a sentença como tendo sido promulgada na sexta-feira, ele só efetivamente devolveu o documento apenas na terça-feira. Tenho certidões do cartório e do departamento de informática do Tribunal de Justiça do Pará documentando isso”.
Amilcar confirma que pediu especificamente o processo que corria contra Lúcio Flávio. “Pedi porque tinha interesse pessoal em tratar da questão da liberdade de imprensa. Eu queria expor uma tese sobre o limite da liberdade de imprensa”, afirma o magistrado. “Minha revolta é por ele achar que os motivos foram outros, que agi assim porque o Rego Almeida é um milionário e ele um jornalista batalhador. Eu não tinha outros interesses, apenas escrever sobre isso. É preciso um limite. As pessoas têm direito à crítica, ele mesmo pode me criticar, criticar meu trabalho, minhas decisões, mas não pode ofender. Essa responsabilidade de estabelecer o limite não deveria ser do judiciário, mas da sociedade. Quem deveria regulamentar isso deveria ser o Congresso Nacional”, afirma.
Questionado sobre o fato de, ao atacar o jornalista no Facebook, estar incorrendo no mesmo crime pelo qual condenou Lúcio Flávio, o magistrado admite que errou. “Ele vem me chamando de corrupto, achei que deveria me defender. Sei que um erro não justifica o outro, mas perto das insinuações que sofri por parte dele, chamá-lo de pateta é quase como chamá-lo de Madre Teresa de Calcutá. Somos duas pessoas extremamente grosseiras e mal educadas. Eu reagi mal e reconheço que não é certo”, afirma o juiz, que diz, no entanto, que não se arrepende do que escreveu. Ele descarta a possibilidade de sofrer uma ação por parte do jornalista. “Ele não ousaria. Ele já me ofendeu muito mais.”
Lúcio Flávio nega que tenha chamado ou insinuado que Amilcar recebeu dinheiro para condená-lo, e também diz que jamais fez qualquer menção à corrupção, como afirmou o magistrado. Ele insiste, isso sim, que a maneira como o processo foi conduzido foi irregular. “Fiz uma representação contra essa fraude que ele praticou. A representação foi aceita pela corregedora, que votou pelo procedimento administrativo e disciplinar. Nenhum juiz substituto que vai ficar por três dias sentencia no último dia um processo de 400 páginas que deveria estar suspenso. Eu disse que ele foi venal, que fraudou a setença. E isso está documentado”, afirma Lúcio Flávio.
O jornalista diz que desistiu de recorrer da sentença a que foi condenado por não ver mais legitimidade no Tribunal de Justiça do Pará. Em vez de tentar novos recursos, ele aceitou a decisão e fez uma campanha para arrecadar os R$ 8 mil que teria que destinar a família do magnata falecido. “Já tem dinheiro suficiente para pagar. No dia que for, vou levar todo mundo que ajudou”, afirma. Entre os motivos que levaram Lúcio Flávio a desistir de recorrer da condeção está o fato de que, como jornalista, já fez denúncias envolvendo magistrados de desembargadores do Tribunal de Justiça do Pará. “Esse juiz é apenas a ponta de um tumor. Tenho denunciado todas as sujeiras e o Tribunal não quer que o Jornal Pessoal continue a circular, porque o jornal denuncia mesmo. As denuncias são sérissimas”, reitera.
“Espero que a opinião publica nacional perceba que pela primeira vez um juiz personificou quase todos os males do sistema judiciário. Ele representa a Justiça mas declara publicamente que não confia na justiça, ele acha que as diferenças podem ser resolvidas na violência, acha que a pena máxima para um juiz é a aposentadoria, ele desrespeita a parte que julgou, ele não consegue separar seu interesse pessoal do público, ele não respeita o exercício do seu ofício”, afirma, referindo-se às manifestações do juiz no Facebook. Além de ter dito que os “sopapos” recebidos por Lúcio Flávio foram merecidos, Amílcar chegou a dizer que espera que o jornalista faça uma representação ao Conselho Nacional de Justiça (CNJ) para poder ganhar a aposentadoria compulsória.
O Código de Ética da Magistratura, de 2008, prevê que “ao magistrado impõe-se primar pelo respeito à Constituição da República e às leis do País, buscando o fortalecimento das instituições e a plena realização dos valores democráticos”. O texto diz ainda que o magistrado “deve manter atitude aberta e paciente para receber argumentos ou críticas lançados de forma cortês e respeitosa, podendo confirmar ou retificar posições anteriormente assumidas nos processos em que atua” e “deve comportar-se na vida privada de modo a dignificar a função, cônscio de que o exercício da atividade jurisdicional impõe restrições e exigências pessoais distintas das acometidas aos cidadãos em geral”.
2 comentários:
Antigamente assistir a "bang-bang" era só nos seriados americanos. Em vários Estados brasileiros estão matando por pouco ou quase nada! Até quando?
Juiz capanga.
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