Por Paulo Nogueira, no blog Diário do Centro do Mundo:
Está nas bancas a lista das 100 pessoas mais influentes do Brasil, segundo a revista Época.
É uma boa lista, aliás.
Mas poderia ser melhor, se guardasse uma categoria com a qual ela foi criada, há cinco anos, quando eu era diretor editorial das revistas da Globo.
Decidi incluir, na ocasião, a mídia. Sabia que era uma coisa complicada, dados os egos dos jornalistas e de seus patrões, mas tinha clareza em que uma lista de influência no Brasil seria incompleta se não incluísse a mídia.
Foi uma de minhas experiências mais enriquecedoras e desgastantes no jornalismo a montagem da relação dos jornalistas.
Tive algumas reuniões com João Roberto Marinho, o acionista que acompanha editorialmente o jornalismo da Globo, antes de convencê-lo de que tínhamos que colocar a mídia na lista.
Depois, apresentei a ele os nomes. João é fácil de trabalhar, e então não houve muitas idas e vindas na questão dos eleitos. O maior cuidado foi com os jornalistas da casa: quem estaria e quem não estaria.
Havia também o ponto da própria família Marinho: quem colocar? Os três irmãos, Roberto Irineu, João Roberto e José Roberto?
Mas isso, numa lista de 100, não mostraria concentração demais de poder? Seria o caso de optar por Roberto Irineu, o presidente? Ou João Roberto, o editor? Ou Roberto Irineu e mais João Roberto? Mas, neste caso, como se sentiria o caçula, José Roberto?
Terminamos optando por Roberto Irineu. Quer dizer, terminamos é uma forma de dizer. Os irmãos terminaram optando por Roberto Irineu.
Havia outros barões na lista, como Roberto Civita e Edir Macedo. A relação tinha que ser veraz, e mesmo um concorrente odiado como Macedo tinha que estar nela, pela força da Record.
Eram mais ou menos dez categorias, e cada qual contribuía com cerca de dez nomes, portanto.
Pela delicadeza do tema, resolvi escrever o perfil de cada escolhido na mídia.
Os irmãos Marinhos quiseram ler antecipadamente apenas o texto sobre Roberto Irineu. Lembro o pedido que foi feito: tratar Roberto Marinho como “jornalista Roberto Marinho”.
No sábado pela manhã, quando a revista chegou ao Rio, recebi um telefonema de João Roberto. Ele me cumprimentava pela edição. E me disse que cuidaria da diplomacia: explicar por que algumas pessoas da Globo ficaram de fora.
O caso mais complicado era o de Ali Kamel. Disse de cara a João que achava que Kamel não deveria entrar, porque a real decisão por trás do telejornalismo da Globo estava na família. Kamel, por mais poder que tivesse internamente, estava na TV Globo para executar as ordens da família.
Mas eu disse a João Roberto, e ele sabia disso melhor que eu, que era bom dar um afago consolador em Kamel.
Curiosamente, o maior problema que tive, depois, não foi com gente que não entrou – mas com um integrante da lista, Diogo Mainardi, então colunista da Veja.
Escrevi, essencialmente, que Mainardi vivia de Lula. Notei também que ele “mainardizara” a revista. E disse uma coisa que o magoou extraordinariamente: que ele não tinha estilo.
Não sabia quanto ele era vaidoso literariamente.
A caminho de casa, na noite de quinta, terminado o fechamento, pensei: “Deveria ter acrescentado que ele é tão previsível que vai me atacar”.
Já não dava tempo, mas eu estava certo sobre a previsibilidade de Mainardi.
Na semana seguinte, sua coluna na Veja foi dedicada a me agredir com sua habitual mistura de desonestidade e presunção.
Ele achava que estava revelando ao mundo que eu tinha um pseudônimo, Fabio Hernandez, com o qual escrevera artigos para a VIP.
Todo mundo sabia, exceto ele. Mas é claro que ele disse que eu era Fabio Hernandez, na crença de que estava me causando um grande mal.
Ele se gabava de ser “colunista da Veja”, como aquele personagem de Chico Anísio que dizia trabalhar na Globo, enquanto Fabio Hernandez era colunista de assuntos sentimentais. Daí se vê a mente atrapalhada de Mainardi. Imagino a dor que ele sinta, hoje, quando já não pode dizer, arrogantemente, que é “colunista da Veja”.
Uma segunda paulada em mim viria depois pelo Mainardi digital da Veja, Reinaldo Azevedo. Ele já começava, então, a demonstrar obsessão por mim. Embora sejamos da mesma geração, eu jamais ouvira falar de Reinaldo Azevedo: ele pertencia à Liga B, com uma carreira medíocre com passagens discretas pela Folha e, depois, revistas que viveram do dinheiro público ou amigo, como a Bravo do genro de Abílio Diniz, Luís Felipe Dávila. A Bravo, mais que em cultura, se especializara em Lei Rouanet, e trazia uma quantidade impressionante de anúncios do Pão de Açúcar — os quais nada tinham a ver com o público da revista.
Mais tarde, Azevedo mudaria de dinheiro público e amigo, numa revista de Mendonça de Barros denunciada pela Folha como beneficiária de publicidade tecnicamente injustificável do governo Alckmin. Mesmo com tanta mamata, a revista foi à bancarrota.
Como Mainardi, o ataque veio com uma mistura de desonestidade e falsidade. Azevedo se esforçou para que eu perdesse meu emprego ao dizer que eu estava “promovendo a Record” ao incluir Edir Macedo na lista.
Na época, eu não tinha minha própria voz, e fui impedido de responder.
O que fiz foi mandar um email a Roberto Civita perguntando se ele tinha lido as agressões a mim. Afinal, ele tinha dito a mim, pouco antes, que eu era “como um filho” para ele.
Sempre bem-humorado, ele disse que sim, mas lembrou que eu mencionara, ao falar dele próprio, o “invencível sotaque americano”.
Terminamos rindo. No ano seguinte, numa viagem que ele fez a Londres, tomamos um café da manhã no hotel no qual ele se hospedou, e ele me apresentou a uma das comidas preferidas dos judeus nova-iorquinos, como ele mesmo, o bagel com cream cheese.
Ele estava preocupado com o avanço da internet, e eu recomendei a ele que aplicasse o lucro que ainda tinha com as revistas impressas na construção de uma ponte rumo ao universo digital.
Estava claro, para nós dois, que uma imensidão ideológica nos separava – mas eram tantas as lembranças de tantos anos no mesmo barco que ali éramos apenas dois velhos amigos. Também estava evidente, para ambos, que Roberto afinal acertara em não me convidar para dirigir a Veja, tamanha a diferença de visão de mundo entre nós.
Foi a última vez que o vi, e gosto de saber que rimos um bocado naquela manhã londrina.
Aquela lista inicial das pessoas mais influentes do Brasil segundo a Época - não muito depois eu partia para Londres - foi a última que trouxe a mídia. Era necessário um editor arrojado - ou irresponsável - o suficiente para enfrentar as consequências da inclusão ou exclusão de jornalistas e barões.
E eu, já na segunda lista, estava a 10 000 km de distância.
Está nas bancas a lista das 100 pessoas mais influentes do Brasil, segundo a revista Época.
É uma boa lista, aliás.
Mas poderia ser melhor, se guardasse uma categoria com a qual ela foi criada, há cinco anos, quando eu era diretor editorial das revistas da Globo.
Decidi incluir, na ocasião, a mídia. Sabia que era uma coisa complicada, dados os egos dos jornalistas e de seus patrões, mas tinha clareza em que uma lista de influência no Brasil seria incompleta se não incluísse a mídia.
Foi uma de minhas experiências mais enriquecedoras e desgastantes no jornalismo a montagem da relação dos jornalistas.
Tive algumas reuniões com João Roberto Marinho, o acionista que acompanha editorialmente o jornalismo da Globo, antes de convencê-lo de que tínhamos que colocar a mídia na lista.
Depois, apresentei a ele os nomes. João é fácil de trabalhar, e então não houve muitas idas e vindas na questão dos eleitos. O maior cuidado foi com os jornalistas da casa: quem estaria e quem não estaria.
Havia também o ponto da própria família Marinho: quem colocar? Os três irmãos, Roberto Irineu, João Roberto e José Roberto?
Mas isso, numa lista de 100, não mostraria concentração demais de poder? Seria o caso de optar por Roberto Irineu, o presidente? Ou João Roberto, o editor? Ou Roberto Irineu e mais João Roberto? Mas, neste caso, como se sentiria o caçula, José Roberto?
Terminamos optando por Roberto Irineu. Quer dizer, terminamos é uma forma de dizer. Os irmãos terminaram optando por Roberto Irineu.
Havia outros barões na lista, como Roberto Civita e Edir Macedo. A relação tinha que ser veraz, e mesmo um concorrente odiado como Macedo tinha que estar nela, pela força da Record.
Eram mais ou menos dez categorias, e cada qual contribuía com cerca de dez nomes, portanto.
Pela delicadeza do tema, resolvi escrever o perfil de cada escolhido na mídia.
Os irmãos Marinhos quiseram ler antecipadamente apenas o texto sobre Roberto Irineu. Lembro o pedido que foi feito: tratar Roberto Marinho como “jornalista Roberto Marinho”.
No sábado pela manhã, quando a revista chegou ao Rio, recebi um telefonema de João Roberto. Ele me cumprimentava pela edição. E me disse que cuidaria da diplomacia: explicar por que algumas pessoas da Globo ficaram de fora.
O caso mais complicado era o de Ali Kamel. Disse de cara a João que achava que Kamel não deveria entrar, porque a real decisão por trás do telejornalismo da Globo estava na família. Kamel, por mais poder que tivesse internamente, estava na TV Globo para executar as ordens da família.
Mas eu disse a João Roberto, e ele sabia disso melhor que eu, que era bom dar um afago consolador em Kamel.
Curiosamente, o maior problema que tive, depois, não foi com gente que não entrou – mas com um integrante da lista, Diogo Mainardi, então colunista da Veja.
Escrevi, essencialmente, que Mainardi vivia de Lula. Notei também que ele “mainardizara” a revista. E disse uma coisa que o magoou extraordinariamente: que ele não tinha estilo.
Não sabia quanto ele era vaidoso literariamente.
A caminho de casa, na noite de quinta, terminado o fechamento, pensei: “Deveria ter acrescentado que ele é tão previsível que vai me atacar”.
Já não dava tempo, mas eu estava certo sobre a previsibilidade de Mainardi.
Na semana seguinte, sua coluna na Veja foi dedicada a me agredir com sua habitual mistura de desonestidade e presunção.
Ele achava que estava revelando ao mundo que eu tinha um pseudônimo, Fabio Hernandez, com o qual escrevera artigos para a VIP.
Todo mundo sabia, exceto ele. Mas é claro que ele disse que eu era Fabio Hernandez, na crença de que estava me causando um grande mal.
Ele se gabava de ser “colunista da Veja”, como aquele personagem de Chico Anísio que dizia trabalhar na Globo, enquanto Fabio Hernandez era colunista de assuntos sentimentais. Daí se vê a mente atrapalhada de Mainardi. Imagino a dor que ele sinta, hoje, quando já não pode dizer, arrogantemente, que é “colunista da Veja”.
Uma segunda paulada em mim viria depois pelo Mainardi digital da Veja, Reinaldo Azevedo. Ele já começava, então, a demonstrar obsessão por mim. Embora sejamos da mesma geração, eu jamais ouvira falar de Reinaldo Azevedo: ele pertencia à Liga B, com uma carreira medíocre com passagens discretas pela Folha e, depois, revistas que viveram do dinheiro público ou amigo, como a Bravo do genro de Abílio Diniz, Luís Felipe Dávila. A Bravo, mais que em cultura, se especializara em Lei Rouanet, e trazia uma quantidade impressionante de anúncios do Pão de Açúcar — os quais nada tinham a ver com o público da revista.
Mais tarde, Azevedo mudaria de dinheiro público e amigo, numa revista de Mendonça de Barros denunciada pela Folha como beneficiária de publicidade tecnicamente injustificável do governo Alckmin. Mesmo com tanta mamata, a revista foi à bancarrota.
Como Mainardi, o ataque veio com uma mistura de desonestidade e falsidade. Azevedo se esforçou para que eu perdesse meu emprego ao dizer que eu estava “promovendo a Record” ao incluir Edir Macedo na lista.
Na época, eu não tinha minha própria voz, e fui impedido de responder.
O que fiz foi mandar um email a Roberto Civita perguntando se ele tinha lido as agressões a mim. Afinal, ele tinha dito a mim, pouco antes, que eu era “como um filho” para ele.
Sempre bem-humorado, ele disse que sim, mas lembrou que eu mencionara, ao falar dele próprio, o “invencível sotaque americano”.
Terminamos rindo. No ano seguinte, numa viagem que ele fez a Londres, tomamos um café da manhã no hotel no qual ele se hospedou, e ele me apresentou a uma das comidas preferidas dos judeus nova-iorquinos, como ele mesmo, o bagel com cream cheese.
Ele estava preocupado com o avanço da internet, e eu recomendei a ele que aplicasse o lucro que ainda tinha com as revistas impressas na construção de uma ponte rumo ao universo digital.
Estava claro, para nós dois, que uma imensidão ideológica nos separava – mas eram tantas as lembranças de tantos anos no mesmo barco que ali éramos apenas dois velhos amigos. Também estava evidente, para ambos, que Roberto afinal acertara em não me convidar para dirigir a Veja, tamanha a diferença de visão de mundo entre nós.
Foi a última vez que o vi, e gosto de saber que rimos um bocado naquela manhã londrina.
Aquela lista inicial das pessoas mais influentes do Brasil segundo a Época - não muito depois eu partia para Londres - foi a última que trouxe a mídia. Era necessário um editor arrojado - ou irresponsável - o suficiente para enfrentar as consequências da inclusão ou exclusão de jornalistas e barões.
E eu, já na segunda lista, estava a 10 000 km de distância.
0 comentários:
Postar um comentário