sexta-feira, 27 de dezembro de 2013

Pochmann e o colapso da imprensa

Por Marcelo Hailer, na revista Fórum:

Marcio Pochmann, economista e professor licenciado do Instituto de Economia e do Centro de Estudo Sindicais e de Economia do Trabalho na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), recebeu a reportagem da revista Fórum para conversar sobre o primeiro ano de sua gestão à frente da Fundação Perseu Abramo (FPA). Ele também falou sobre a cobertura política da imprensa e o papel das redes no ativismo.

Segundo Pochmann, a imprensa clássica não dialoga com a geração atual, mas apenas com “seus militantes”. O economista fez uma análise das manifestações de junho e afirma que não se pode fazer uma leitura dos atos tendo como referencial as organizações sociais do século XX. Confira a entrevista abaixo:

O que você destacaria deste primeiro ano de sua gestão frente a Fundação Perseu Abramo?
A Fundação Perseu Abramo tem 17 anos de existência e tem reproduzido a evolução do PT ao longo desse período. 2013, de certa maneira, apresentou algumas conexões mais fortes em relação aos desafios que o partido vem vivendo e nós organizamos a Fundação para responder a três desafios que são centrais na perspectiva do Partido dos Trabalhadores.

E quais são esses desafios?
O primeiro desafio foi buscar responder a questão a respeito do projeto petista de governo. O PT é governo em mais de 600 prefeituras, em vários estados, já é governo federal há mais de dez anos e, portanto, tem uma série de carências em relação ao próprio monitoramento das suas ações. Ao mesmo tempo, tem uma necessidade enorme de formação de quadros, de gestores, justamente para viabilizar o projeto petista de transformação da sociedade. Essa reconstrução do projeto em termos de ênfase, de método, de atuação é um dos aspectos que nos fez organizar a Fundação para responder a isso.

O segundo desafio que o PT enfrenta é em relação ao seu projeto para o país e, em última análise, para o mundo. O partido político, do ponto de vista da esquerda, tem essa visão mais ampla em relação ao mundo no que diz respeito à transformação da sociedade. E nesse aspecto a Fundação reuniu cerca de 400 estudiosos, professores, intelectuais de maneira geral, trabalhando em torno de 20 temas que, para nós, são definitivos do ponto de vista de um diálogo sobre o futuro do Brasil.

O que estes estudos revelaram até o momento?
Há uma configuração de um novo federalismo no Brasil, um federalismo que não mais depende, na perspectiva do passado, de haver uma “locomotiva São Paulo”, com os demais Estados sendo vagões. Os estudos estão mostrando que temos um Brasil reconfigurado, que a dinâmica está mudando, que hoje nós temos novas elites, há uma reestruturação da sociedade. E como é que o partido está conectado com as grandes mudanças que tivemos na estrutura social? Somos um país que está envelhecendo, ou seja, uma crescente participação de pessoas com mais idade.

Tivemos uma mobilidade social enorme no Brasil, fruto da geração de mais empregos, que permitiram à base da pirâmide social se recolocar no mercado de trabalho, mas grande parte dessas pessoas não foram para os sindicatos. Da mesma forma, tivemos mais de 1,5 milhão de jovens que ascenderam à universidade por intermédio do ProUni, mas não se envolveram com as instituições que representam os estudantes; tivemos quase 1,3 milhão de famílias que ascenderam à casa própria a partir do programa Minha Casa, Minha Vida, mas essas pessoas não se engajaram nas associações de bairro e de moradores.

Então, a nossa preocupação é conhecer melhor essa estrutura social para entender os seus desejos, os seus anseios e que medidas o partido precisa desenvolver. Fizemos uma série de debates e pesquisas sobre classes, drogas, reforma política, sobre a mídia. Agora, vamos fazer um debate sobre Estado Laico, sobre a questão das religiões, são vários temas quase que pontuais, mas com o objetivo de entender como conectar esse segmento com a política.

Há uma tese de que estes jovens que ascenderam à universidade, as famílias que passaram a ter casa própria, são grupos não foram para os espaços políticos por que os partidos de esquerda esqueceram da sua base. Você concorda?


Temos duas hipóteses para explicar, pelo menos. Uma que é a crise da direção. Ou seja, a direção das instituições não está conectada com estes segmentos que estão ascendendo. A outra é que as instituições que nós não são contemporâneas a esses novos segmentos. Se é um problema de crise de direção, é mais fácil de mudar. E, até nesse sentido, o PT fez um grande debate neste semestre que envolveu meio milhão de participantes e também uma oxigenação na sua direção. Ele está contemporâneo a essa ascensão.

Agora, se de fato for um problema das instituições, aí a questão é muito mais grave. Particularmente, acredito que, de certa maneira, esses novos segmentos que ascenderam representam um fenômeno que ocorreu à margem das instituições que temos, não se envolveram muito com esses segmentos novos. Algumas interpretações é de que estes segmentos são muito conservadores, individualistas, que acreditam que o êxito de sua ascensão se deveu ao seu esforço individual. É natural que ocorra isso quando se trata de uma ascensão sem politização do ponto de vista da interpretação, da narrativa necessária a ser feita pra demonstrar que as pessoas ascenderam por que tiveram um salário mínimo maior e que foi necessário tomar uma decisão para ter um salário mínimo maior. Teve emprego porque houve decisões favoráveis ao investimento e a políticas de renda que integrassem as pessoas de baixa renda.

Qual tem sido o papel da rede/ internet no embate no político?


O papel da rede não é, está sendo. É um processo de construção e essa construção é permeada de idas e vindas. A sociedade está aprendendo a identificar o potencial da rede, que parece ser enorme, e a forma como isso pode ser usado por um lado e pelo outro. A nossa preocupação em relação às mídias digitais é em torno da regulação, a construção de um marco civil.

Você acredita na aprovação do Marco Civil com a neutralidade de rede?


Se não for pra isso, eu não sei qual é o sentido de ter um Marco Civil.

E, falando em redes, nós tivemos as manifestações de junho, que foram organizadas, majoritariamente, pela redes sociais. O que estas manifestações trouxeram?


As manifestações aqui são mais contemporâneas às questões ocidentais do ponto de vista da vida humana neste século e dizem respeito à revolução informacional e dos serviços. Nós estamos transitando de uma sociedade industrial para uma sociedade de serviços e, de maneira geral e heterogênea, as reclamações que levaram o povo às ruas eram questões relacionadas aos problemas de serviço: saúde, educação… A minha leitura é que se trata de serviços públicos: a saúde não funciona, a cidade não tem mobilidade.

Se formos olhar do ponto de vista do consumidor, as maiores reclamações são direcionadas aos planos de saúde privada, para as empresas de transporte aéreo, para os bancos, então há um problema nos serviços para os quais não temos grandes respostas, a não ser a resposta derivada da forma de o Estado atuar que vem do século passado, que é trabalhar com caixinhas. O todo ainda é fatiado e as pessoas que foram para as ruas foram reclamar de tudo. Perdemos a capacidade de olhar o indivíduo na sua totalidade e o Estado ainda não teve a capacidade de entender isso.

Muitos setores da política disseram que os atos eram despolitizados, não tinham um foco. Você concorda com essa crítica?


É uma crítica adequada para os movimentos sociais do século XX, que eram constituídos a partir de organizações existentes que articulavam os atos políticos. Esses movimentos (que atuaram nos atos de junho) são característicos do século XXI. Essas pessoas foram às ruas por que não acreditam nas instituições existentes e essa é uma explicação para a qual não tenho resposta, mas acredito que na política, onde não existe o tal do vácuo, em algum momento alguma instituição vai ter que assumir essa contemporaneidade.

Recentemente, tivemos a descoberta da máfia dos fiscais a partir de uma investigação da atual gestão municipal de São Paulo. Posteriormente, a cobertura jornalística acabou misturando as responsabilidades da administração Haddad e da gestão Serra-Kassab. Como encarou essa cobertura?


É uma cobertura coerente com a forma de imprensa que temos no Brasil. Incoerente se ela tivesse dado uma certa imparcialidade, o que não aconteceu.

Trabalhei na gestão da Marta (2001-2004), é impressionante a presença da chamada grande imprensa. Encerrado o governo da Marta, iniciou-se outro governo e praticamente desapareceu. Quando tinha um problema na Secretaria de Transporte, a chamada era “O governo da Marta está com um problema assim…”, depois que mudou o governo era “Secretaria X…”, nunca estava vinculado ao prefeito. Na verdade, quando você define a pauta, já é uma coisa muito ideológica. Então, vejo com coerência, incoerência é a nossa de imaginar que a imprensa faria uma cobertura imparcial.

Há 20 anos Perseu Abramo escreveu o ensaio “Padrões de Manipulação da grande imprensa” e lá ele já identifica a imprensa enquanto uma força política. Acredita que hoje vivemos isso de maneira aprofundada?


Parece que os jornais assumiram aquilo que eles criticavam da imprensa comunista. Você tinha o Pravda, que sempre tinha uma crítica ao capitalismo, ou seja, era um jornal que escrevia para os seus militantes. Os jornais que temos hoje também escrevem para os seus militantes, escrevem o que eles querem ouvir, e por isso esses jornais estão com dificuldades para ampliar o seu número de leitores, é por isso que os jovens não interagem com esses jornais. Mas eles têm um público cativo, e para manter esse público cativo ficam alimentando uma visão que é, a meu ver, insustentável, isso não tem futuro. Estamos assistindo ao fim desse tipo de imprensa. Está em construção uma outra imprensa, uma outra cobertura, que é a coisa digital e isso também está em construção.

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