Por Marcelo Semer, no blog Sem Juízo:
As cenas de selvageria que vieram do presídio de Pedrinhas foram tantas e tão fortes que conseguiram o inusitado de comover, pelo menos por alguns dias, uma sociedade quase sempre submersa às noções de vingança, castigo e crueldade para condenados em geral.
Seria reconfortador, no entanto, que pudéssemos circunscrever o fato a um absurdo local, de uma capitania hereditária que troca segurança por lagostas e se esconde atrás de cinismos sepulcrais.
A omissão e o descaso cruzaram perigosos limites, sem dúvida.
Mas violências e violações não são inéditas nas prisões brasileiras. E nada indica que isso esteja mudando.
Grávidas que dão luz a seus filhos algemadas, presos acorrentados à parede, punidos nus sobre chão quente, mulheres sem acesso a absorventes –um pouco de tudo se vê no sistema carcerário cada vez mais tutelado por grupos criminosos organizados à sombra da omissão do Estado.
Inclusive e principalmente mortes.
Há uma enorme contradição entre o vigor penal com que réus são punidos e presos e a lassidão com que seus direitos são observados neste percurso.
Há muitos presos para essas duas medidas.
Em certos casos, direitos são desrespeitados numa proporção tão grande quanto às ofensas que os levaram para detrás das grades.
Há um exagero hiperbólico na ideia fixa de que a prisão é a única das penas possíveis. E todas as formas alternativas a ela acabam consideradas como impunidade –até mesmo um regime semiaberto.
Há uma crença despropositada de que o rigor penal traz tranquilidade social.
Mesmo depois de anos de experiência frustradas com leis rigorosas, como a dos Crimes Hediondos, que não reduziu a incidência penal e ainda deixou como legado uma extensa massa carcerária, o crescimento da prisão feminina e a organização das facções criminosas.
Não fosse isso o país não estaria discutindo a redução da maioridade (para superpovoar um barco que já afunda por excesso de peso) e o Senado não estaria se movendo para aprovar com presteza um novo Código Penal que aumentará ainda mais o contingente carcerário, inclusive ao postergar progressões de regime.
Mas a questão não é apenas legal.
O rigorismo judiciário reduziu fortemente o impacto de uma lei criada com o propósito de diminuir o alto índice de prisão provisória, que orbita perto da casa dos 50% -mais de 70% em alguns Estados.
As medidas alternativas à prisão, em interpretações rigorosas que vão se tornando dominantes, se transformam em alternativas à liberdade, como é o caso do revigoramento da fiança.
E a lei da detração, destinada justamente a compensar com progressão o tempo longevo das prisões provisórias, padece no esquecimento.
O descaso com as cadeias, e com a cadeia de acontecimentos que chegam à sua deterioração, ocorre, em grande medida, porque lá se encontra a parcela mais desprovida da sociedade.
Suas defesas dependem do próprio Estado, que as negligencia com Defensorias Públicas aquém da necessidade.
Sua capacidade de sensibilizar a mídia é quase desprezível, salvo quando as imagens permitem um sensacionalismo passageiro.
Sua influência eleitoral é irrisória, porque, como se sabe, nem mesmo os presos que têm na Constituição direito a voto, conseguem exercê-lo.
Mas só há mais pobres, negros e pardos nas prisões, porque na hora da fiscalização, da vigilância das ruas, dos controles nos estabelecimentos comerciais, aí sim, eles são o público preferencial.
Das batidas policiais às revistas humilhantes, das operações sufoco nas entradas das favelas ao controle de coletivos que se dirigem a bairros nobres, da repressão aos bailes funks ao "rolezinho" em shopping center.
Se há algum serviço público que tem o excluído como prioridade, este sem dúvida alguma é a segurança.
Ao impor mais e mais punições, construindo um sistema prisional incapaz de se administrar, e ao mesmo tempo reafirmando a seletividade do direito penal, o país vai passo a passo concretizando um apartheid com cor local.
Onde o interior do Maranhão e os shoppings-center das grandes cidades estão menos distantes do que parecem.
As cenas de selvageria que vieram do presídio de Pedrinhas foram tantas e tão fortes que conseguiram o inusitado de comover, pelo menos por alguns dias, uma sociedade quase sempre submersa às noções de vingança, castigo e crueldade para condenados em geral.
Seria reconfortador, no entanto, que pudéssemos circunscrever o fato a um absurdo local, de uma capitania hereditária que troca segurança por lagostas e se esconde atrás de cinismos sepulcrais.
A omissão e o descaso cruzaram perigosos limites, sem dúvida.
Mas violências e violações não são inéditas nas prisões brasileiras. E nada indica que isso esteja mudando.
Grávidas que dão luz a seus filhos algemadas, presos acorrentados à parede, punidos nus sobre chão quente, mulheres sem acesso a absorventes –um pouco de tudo se vê no sistema carcerário cada vez mais tutelado por grupos criminosos organizados à sombra da omissão do Estado.
Inclusive e principalmente mortes.
Há uma enorme contradição entre o vigor penal com que réus são punidos e presos e a lassidão com que seus direitos são observados neste percurso.
Há muitos presos para essas duas medidas.
Em certos casos, direitos são desrespeitados numa proporção tão grande quanto às ofensas que os levaram para detrás das grades.
Há um exagero hiperbólico na ideia fixa de que a prisão é a única das penas possíveis. E todas as formas alternativas a ela acabam consideradas como impunidade –até mesmo um regime semiaberto.
Há uma crença despropositada de que o rigor penal traz tranquilidade social.
Mesmo depois de anos de experiência frustradas com leis rigorosas, como a dos Crimes Hediondos, que não reduziu a incidência penal e ainda deixou como legado uma extensa massa carcerária, o crescimento da prisão feminina e a organização das facções criminosas.
Não fosse isso o país não estaria discutindo a redução da maioridade (para superpovoar um barco que já afunda por excesso de peso) e o Senado não estaria se movendo para aprovar com presteza um novo Código Penal que aumentará ainda mais o contingente carcerário, inclusive ao postergar progressões de regime.
Mas a questão não é apenas legal.
O rigorismo judiciário reduziu fortemente o impacto de uma lei criada com o propósito de diminuir o alto índice de prisão provisória, que orbita perto da casa dos 50% -mais de 70% em alguns Estados.
As medidas alternativas à prisão, em interpretações rigorosas que vão se tornando dominantes, se transformam em alternativas à liberdade, como é o caso do revigoramento da fiança.
E a lei da detração, destinada justamente a compensar com progressão o tempo longevo das prisões provisórias, padece no esquecimento.
O descaso com as cadeias, e com a cadeia de acontecimentos que chegam à sua deterioração, ocorre, em grande medida, porque lá se encontra a parcela mais desprovida da sociedade.
Suas defesas dependem do próprio Estado, que as negligencia com Defensorias Públicas aquém da necessidade.
Sua capacidade de sensibilizar a mídia é quase desprezível, salvo quando as imagens permitem um sensacionalismo passageiro.
Sua influência eleitoral é irrisória, porque, como se sabe, nem mesmo os presos que têm na Constituição direito a voto, conseguem exercê-lo.
Mas só há mais pobres, negros e pardos nas prisões, porque na hora da fiscalização, da vigilância das ruas, dos controles nos estabelecimentos comerciais, aí sim, eles são o público preferencial.
Das batidas policiais às revistas humilhantes, das operações sufoco nas entradas das favelas ao controle de coletivos que se dirigem a bairros nobres, da repressão aos bailes funks ao "rolezinho" em shopping center.
Se há algum serviço público que tem o excluído como prioridade, este sem dúvida alguma é a segurança.
Ao impor mais e mais punições, construindo um sistema prisional incapaz de se administrar, e ao mesmo tempo reafirmando a seletividade do direito penal, o país vai passo a passo concretizando um apartheid com cor local.
Onde o interior do Maranhão e os shoppings-center das grandes cidades estão menos distantes do que parecem.
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