Muitos levaram na brincadeira um dos fatos mais estarrecedores e tristes da história recente deste país: no último sábado (22/3/14), pessoas saíram pelas ruas das maiores cidades brasileiras para fazer apologia a dois crimes, sendo um deles um crime de lesa-humanidade. Aquelas pessoas não só defenderam a ditadura militar instaurada em 1964, mas, também, que seja dado um golpe de Estado no Brasil.
Apesar do que pareceu apenas ridículo a tantos – e que, entre outras coisas, realmente foi ridículo –, não se pode mais aceitar que, após todos os horrores praticados pelo regime criminoso instaurado em 1964, pessoas irresponsáveis ou desinformadas ou mal-intencionadas – ou tudo isso junto – não apenas defendam as atrocidades do passado, mas cheguem ao cúmulo de pregar que se repitam.
Com efeito, o que aconteceu no último sábado em algumas cidades brasileiras – pouco importa se com maior ou menor intensidade – não pode ser levado na brincadeira. E não pode se repetir.
Em 18 de novembro de 2011, a presidente Dilma Rousseff sancionou a lei 12.528, que criou a Comissão Nacional da Verdade no âmbito da Casa Civil da Presidência da República com a finalidade de examinar e esclarecer as graves violações de direitos humanos praticadas no período de 1946 até a promulgação da Constituição de 1988. A conclusão dos trabalhos dessa Comissão, pois, precisa coincidir com uma providência drástica que impeça que a nação brasileira continue sendo afrontada e ameaçada como foi em 22 de março último.
Em 24 de dezembro de 2013, a presidente da República sancionou a medida provisória 632, que, em seu artigo 25, prorrogou o mandato da Comissão Nacional da Verdade até 16 de dezembro de 2014, quando deverá apresentar relatório circunstanciado contendo as atividades realizadas, os fatos examinados, as conclusões e recomendações.
Entre essas recomendações do relatório final da CNV, é imperativo que conste equiparação da apologia à ditadura militar à apologia ao nazismo.
No Brasil, fazer apologia ao nazismo e ao racismo é crime sem direito a fiança. Este enquadramento é dado pelo artigo 20, parágrafos 1 e 2, da lei 7716 de 5 de janeiro de 1989, atualizada pela lei 9459 de 15 de maio de 1997.
A divulgação do que a Comissão Nacional e as Comissões Estaduais terão apurado entre 18 de novembro de 2011 e 16 de dezembro de 2014 justificará plenamente que, no relatório final que emergirá dos trabalhos dessas comissões, nas recomendações que serão feitas, insira a proposta de criminalizar a apologia à ditadura e a pregação de novas rupturas institucionais.
O relatório final da Comissão Nacional da Verdade apresentará ao Brasil uma história de horror e morte, de roubalheira desbragada de um regime de caráter basicamente nazista, no qual até crianças foram seviciadas, no qual mulheres foram estupradas, no qual assassinatos foram cometidos, tudo sob a desculpa de obtenção de “informações” das vítimas, muitas das quais não tinham o que revelar.
Se o que o regime de 1964 praticou não for comparável ao nazismo, cuja apologia é proibida em incontáveis países – entre os quais na própria Alemanha, onde aquele regime hediondo nasceu –, regime criminoso nenhum jamais será.
Ironicamente, uma lei nascida daquela ditadura sangrenta – uma lei que vige até hoje – já até poderia ser usada para punir os bandidos que saíram às ruas de grandes cidades brasileiras no último sábado para exaltar os crimes daquele período infame de nossa história e para pregar que se repitam.
Em 1983, foi promulgada pela ditadura, já em seus estertores, a lei 7170, a famigerada Lei de Segurança Nacional, que, em seus artigos 16 e 17, pune pregação ou tentativa de derrubar o regime vigente com penas que vão de 1 a 15 anos.
O artigo 16 da lei 7170/83 reza que “Integrar ou manter associação, partido, comitê, entidade de classe ou grupamento que tenha por objetivo a mudança do regime vigente ou do Estado de Direito, por meios violentos ou com o emprego de grave ameaça”, é punível com pena de reclusão de 1 a 5 anos.
O artigo 17 da lei 7170/83 reza que “Tentar mudar, com emprego de violência ou grave ameaça, a ordem, o regime vigente ou o Estado de Direito” é punível com pena de reclusão de 3 a 15 anos.
Para sorte dos fascistas que saíram às ruas das grandes cidades brasileiras no último sábado, porém, nenhum democrata recorrerá àquele instrumento infame legado pela ditadura que exaltam, mas que poderia ser usado para enquadrá-los.
Contudo, isso não significa permitir que continuem fazendo apologia a crimes pretéritos enquanto pregam crimes futuros. Nos Estados Unidos, que tanto agradam a essa gente, quem for à rua pregar derrubada do governo pela força será sumariamente preso e trancafiado por muito tempo. Crime dessa natureza é punido em qualquer outra grande democracia. Por que não deveria ser punido no Brasil?
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