Por Vinicius Gomes, na revista Fórum:
“Jornalismo é publicar aquilo que alguém não quer que se publique. Todo o resto é publicidade” – George Orwell
Segunda-feira (4), 18h52. O portal R7 publica um artigo assinado por Helcio Zolini, diretor institucional da Rede Record de Minas Gerais, com o título “Agora essa: Aeroporto de Cláudio pode ter servido ao tráfico de drogas”. Menos de 24 horas depois, o artigo é retirado do ar. O que aconteceu no ínterim desses dois momentos é uma das mais perfeitas sínteses do relacionamento entre o governo do estado de Minas Gerais e a sua imprensa há mais de 10 anos: algumas ligações da assessoria do ex-governador, senador e agora presidenciável Aécio Neves para o alto escalão da rede de notícias e a matéria é excluída. Não que isso fizesse alguma diferença àquela altura, uma vez que o artigo tornou-se em pouco tempo um viral, com dezenas de milhares de visualizações e pelo menos 12 mil compartilhamentos nas redes sociais antes que os telefonemas acontecessem.
A truculência com que um artigo de alto interesse nacional foi simplesmente retirado do portal levanta sérias dúvidas quanto à real liberdade que os profissionais dos veículos de comunicação de Minas dispõem para realizar seu essencial trabalho de informar o público. Afinal, é um fato jornalístico por si só que o parente de um candidato à presidência do país é alvo de um processo da Polícia Federal e do Ministério Público estadual envolvendo tráfico de drogas. Mas, infelizmente para a população mineira – e nesse momento, a brasileira em geral – o que aconteceu não é uma exceção à regra. Muito pelo contrário, é a própria regra em ação.
Há muito tempo existe a polêmica sobre o cerceamento da mídia por parte do governo do estado de Minas. Em 2006, o então presidente do sindicato mineiro dos jornalistas, Aloísio Lopes, disse: “A imprensa mineira é totalmente favorável ao governador Aécio Neves [...] O governador está blindado na mídia. Ninguém fala mal. Tenho recebido de repórteres a informação de que há orientação para não se questionar o governo.” Dois anos antes, o sindicato já havia requerido ao Ministério Público Federal a apuração de suposta interferência do governo de Minas em veículos de comunicação, atribuindo o afastamento de alguns jornalistas a pedidos de Andrea Neves, irmã de Aécio e coordenadora de comunicação de seu governo.
Um vídeo-documentário chamado Liberdade, essa palavra, realizado como trabalho de conclusão do curso de Jornalismo da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) por Marcelo Baêta, abordava a relação de Aécio Neves com a imprensa no seu primeiro mandato como governador de Minas Gerais (2003-06). Os casos relatados incluem jornalistas da sucursal mineira da Rede Globo, Rede Bandeirantes, e da estatal Rede Minas e, em um dos casos mais kafkanianos da história do jornalismo, Ugo Braga, editor de economia do jornal Estado de Minas foi demitido após intensa pressão da assessoria do governo do estado, por publicar uma minúscula nota informando que, em setembro de 2003, a popularidade do governador Aécio Neves era a terceira pior do país, acima apenas dos governadores de Sergipe e Roraima.
Estes, no entanto, são apenas alguns dos casos que vieram a público sobre a retaliação que o governo estadual aplicava àqueles que produziam o tipo de jornalismo que não ia de acordo com a agenda do governador Aécio Neves. Aquilo que o deputado Durval Ângelo (PT-MG), classificou como um “total alinhamento da imprensa de Minas com o governo estadual”. Contando ainda com a complacência do Ministério Público de Minas Gerais.
Um dos trechos do discurso de posse do atual presidente do Sindicato dos Jornalistas de Minas Gerais, Kerison Lopes, dizia: “Hoje, são enormes os obstáculos que se opõem a um jornalismo de qualidade. O poder econômico e o poder político somam forças que constituem um poderoso impedimento ao livre exercício da profissão e um controle invisível, mas progressivamente letal, da nossa atividade. Trata-se de uma censura disfarçada e silenciosa, mas presente diuturnamente, destrutivo e venenoso, que impõe limites à divulgação correta dos fatos”.
Para alguém de fora, uma fala citando um “controle invisível” e uma “censura disfarçada e silenciosa” poderia soar inacreditável para um país que se livrou há menos de 30 anos de uma severa ditadura e ainda mais surreal por ocorrer dentro do estado do neto daquele que iria ser o primeiro presidente pós-ditadura, o falecido Tancredo Neves. Dessa maneira, não estaria muito longe da verdade considerar os jornalistas da imprensa de Minas Gerais como “heróis resistentes” que, mesmo tendo que trabalhar em uma espécie de estado de exceção informal dentro de uma democracia plena, ainda tentam cumprir seu papel para com a sociedade. Afinal, como o discurso de Lopes ainda disse: “Minas Gerais sempre foi um celeiro de bons jornalistas e compartilhou com o Brasil e com o mundo alguns dos melhores profissionais formados aqui – profissionais combativos, exigentes e mestres na qualidade da informação”.
“Deveríamos erguer uma estátua para o Lucas”
A frase acima foi dita em tom de brincadeira por uma jornalista sobre Lucas Ferraz, repórter que publicou pela Folha de S. Paulo a primeira matéria sobre o aeroporto de Cláudio em 20 de julho, abrindo as comportas para uma enxurrada de novas denúncias de irregularidades envolvendo o candidato tucano.
Bem, “novas” para os que estão de fora, pois assuntos como o aeroporto de Cláudio são velhos conhecidos dos jornalistas mineiros. Na segunda-feira seguinte à publicação, a notícia gerou repercussão nacional: noticiários televisivos, jornais, blogues e redes sociais – a polêmica sobre a conveniência de um aeroporto que praticamente ninguém utiliza, localizado a 6 quilômetros da fazenda de Aécio Neves – foi uma das mais discutidas durante toda a semana, mas na imprensa mineira as reverberações foram tímidas, para dizer o mínimo. Houve até mesmo jornais que, ao invés de reproduzir a denúncia, preferiram postar em seu portal online a defesa do candidato tucano, quase como uma assessoria de imprensa.
Mas paradoxalmente à “proteção” que envolve Aécio, o candidato deixou bem clara sua visão sobre os periódicos mineiros. “Desde que eu nasci ouço essa história de que a imprensa mineira é complacente. Isso é dito principalmente por quem não lê a imprensa mineira”, disse. “Os mineiros também são críticos e censura é uma lenda urbana”, prosseguiu, passando a analisar o comportamento dos três principais jornais do estado: “O Tempo me critica mais que a imprensa nacional; o Hoje em Dia nem conta porque é menorzinho; e o Estado de Minas sempre teve posição pró-governo pelo seu tipo de jornalismo, que não é um jornalismo de questionamento.” Isso sem contar ainda que Aécio move processos contra o Facebook e os buscadores Google, Yahoo e Bing.
O caso do helicóptero pertencente à empresa Limeira Agropecuária, da família do senador Zezé Perrella – aliado de Aécio Neves –, apreendido com 450 quilos de pasta de cocaína em um sítio no Espírito Santo, foi uma das raras exceções, com todos os jornais mineiros publicando o caso em suas primeiras páginas. O que se seguiu então foi uma volta à regra, de descontinuidade da cobertura do caso e silêncio a respeito. O porquê dessa situação pode variar: desde ideologia ou ligações de interesses. As teorias são muitas, mas o fato é que, usando as palavras recentes do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, parece que “a imprensa mineira é dócil com Aécio”.
Censura e “resistência”
Existem diversos níveis de censura. Se na ditadura militar de décadas atrás ela era descarada, com seus censores e prisões, hoje ela é mais perigosa em Minas, pois a pressão passa ser psicológica, levando os próprios jornalistas à autocensura – parodiando a frase de Upton Sinclair, “é difícil você exigir que alguém publique alguma coisa quando seu salário depende de sua não publicação”.
Um dos exemplos mais bizarros de censura explícita foi o que aconteceu neste ano na redação do jornal Hoje em Dia, quando uma matéria a respeito de um projeto que dava amplos benefícios, como 2/3 de adicional de férias, por exemplo, aos juízes do Tribunal de Justiça estava sendo rodada numa edição de domingo, quando a direção do jornal decidiu retirar a matéria que estava para ser publicada. Os pelos menos vinte mil exemplares já impressos foram jogados no lixo e o jornalista Deca Furtado, que era o chefe da redação naquele dia, acabou demitido sumariamente sem ter nada a ver com o caso.
A alegação para que a matéria “caísse” era de que não seria do interesse da população informações sobre benefícios e salários dos juízes do estado. De acordo com uma fonte que pediu anonimato, isso estaria ocorrendo por conta das centenas de ações que o jornal enfrenta na Justiça do Trabalho, sendo assim, seria de bom tom para a direção do jornal estar bem relacionada com os juízes.
Isso mostra como outros interesses também contam com a colaboração da imprensa local. Outro jornalista que pediu para não ser identificado, explicou como funcionaria a censura “silenciosa” dos principais jornais mineiros. As empresas estatais – e de capital aberto – como Cemig, Copasa e Codeming são os grandes patrocinadores da imprensa com publicidade, principalmente em cadernos especiais ou na promoção de eventos. Os nomes dos cadernos patrocinados pelo governo são: Prazer em Ajudar, do jornal Estado de Minas, e Eu Acredito, do jornal Hoje em Dia, que são mensais e tratam do terceiro setor, trabalho voluntário e ONGs. O rádio e as TVs sempre são também contempladas, mas com farta publicidade.
Para contornar a censura, ou a suposta autocensura como o governo de Minas já alegou, existe algo parecido a uma rede clandestina de informações, uma vez que inúmeras notícias publicadas nos “jornalões” de alcance nacional são vazadas pelos mineiros que sabem que suas pautas não serão publicadas – ao menos não como deveriam ser – em seus jornais. Pouca gente sabe, mas diversos “furos” que os jornais nacionais publicam em suas páginas deveriam ser creditados por esses “resistentes” da imprensa do estado. Em algumas das redações existe até um índex sobre pessoas que não devem ser mencionadas jamais em matérias. Alguns desses nomes seriam os dos deputados Rogério Correia (PT) e Sávio Souza Cruz (PMDB) – ironicamente, dois dos líderes do bloco parlamentar chamado Minas Sem Censura.
Os diversos jornalistas entrevistados preferiram não ser citados na matéria, mas a quantidade de “esqueletos no armário” que todos eles conhecem sobre a situação de sitio que os profissionais de comunicação sofrem no estado não deixa dúvidas de que, se eles tivessem a oportunidade, iriam expor que a liberdade de imprensa – conceito básico em um país democrático – é algo estranho para os poderes políticos e econômicos em Minas Gerais.
É como se tivesse sido necessário que Aécio Neves se expusesse ao resto do Brasil para que os próprios mineiros enxergassem seu ex-governador e senador. Quase como se a imprensa do resto do país finalmente refletisse aquilo que os jornalistas mineiros – ao menos os comprometidos com a responsabilidade de sua profissão – tanto lutaram para relatar.
“Jornalismo é publicar aquilo que alguém não quer que se publique. Todo o resto é publicidade” – George Orwell
Segunda-feira (4), 18h52. O portal R7 publica um artigo assinado por Helcio Zolini, diretor institucional da Rede Record de Minas Gerais, com o título “Agora essa: Aeroporto de Cláudio pode ter servido ao tráfico de drogas”. Menos de 24 horas depois, o artigo é retirado do ar. O que aconteceu no ínterim desses dois momentos é uma das mais perfeitas sínteses do relacionamento entre o governo do estado de Minas Gerais e a sua imprensa há mais de 10 anos: algumas ligações da assessoria do ex-governador, senador e agora presidenciável Aécio Neves para o alto escalão da rede de notícias e a matéria é excluída. Não que isso fizesse alguma diferença àquela altura, uma vez que o artigo tornou-se em pouco tempo um viral, com dezenas de milhares de visualizações e pelo menos 12 mil compartilhamentos nas redes sociais antes que os telefonemas acontecessem.
A truculência com que um artigo de alto interesse nacional foi simplesmente retirado do portal levanta sérias dúvidas quanto à real liberdade que os profissionais dos veículos de comunicação de Minas dispõem para realizar seu essencial trabalho de informar o público. Afinal, é um fato jornalístico por si só que o parente de um candidato à presidência do país é alvo de um processo da Polícia Federal e do Ministério Público estadual envolvendo tráfico de drogas. Mas, infelizmente para a população mineira – e nesse momento, a brasileira em geral – o que aconteceu não é uma exceção à regra. Muito pelo contrário, é a própria regra em ação.
Há muito tempo existe a polêmica sobre o cerceamento da mídia por parte do governo do estado de Minas. Em 2006, o então presidente do sindicato mineiro dos jornalistas, Aloísio Lopes, disse: “A imprensa mineira é totalmente favorável ao governador Aécio Neves [...] O governador está blindado na mídia. Ninguém fala mal. Tenho recebido de repórteres a informação de que há orientação para não se questionar o governo.” Dois anos antes, o sindicato já havia requerido ao Ministério Público Federal a apuração de suposta interferência do governo de Minas em veículos de comunicação, atribuindo o afastamento de alguns jornalistas a pedidos de Andrea Neves, irmã de Aécio e coordenadora de comunicação de seu governo.
Um vídeo-documentário chamado Liberdade, essa palavra, realizado como trabalho de conclusão do curso de Jornalismo da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) por Marcelo Baêta, abordava a relação de Aécio Neves com a imprensa no seu primeiro mandato como governador de Minas Gerais (2003-06). Os casos relatados incluem jornalistas da sucursal mineira da Rede Globo, Rede Bandeirantes, e da estatal Rede Minas e, em um dos casos mais kafkanianos da história do jornalismo, Ugo Braga, editor de economia do jornal Estado de Minas foi demitido após intensa pressão da assessoria do governo do estado, por publicar uma minúscula nota informando que, em setembro de 2003, a popularidade do governador Aécio Neves era a terceira pior do país, acima apenas dos governadores de Sergipe e Roraima.
Estes, no entanto, são apenas alguns dos casos que vieram a público sobre a retaliação que o governo estadual aplicava àqueles que produziam o tipo de jornalismo que não ia de acordo com a agenda do governador Aécio Neves. Aquilo que o deputado Durval Ângelo (PT-MG), classificou como um “total alinhamento da imprensa de Minas com o governo estadual”. Contando ainda com a complacência do Ministério Público de Minas Gerais.
Um dos trechos do discurso de posse do atual presidente do Sindicato dos Jornalistas de Minas Gerais, Kerison Lopes, dizia: “Hoje, são enormes os obstáculos que se opõem a um jornalismo de qualidade. O poder econômico e o poder político somam forças que constituem um poderoso impedimento ao livre exercício da profissão e um controle invisível, mas progressivamente letal, da nossa atividade. Trata-se de uma censura disfarçada e silenciosa, mas presente diuturnamente, destrutivo e venenoso, que impõe limites à divulgação correta dos fatos”.
Para alguém de fora, uma fala citando um “controle invisível” e uma “censura disfarçada e silenciosa” poderia soar inacreditável para um país que se livrou há menos de 30 anos de uma severa ditadura e ainda mais surreal por ocorrer dentro do estado do neto daquele que iria ser o primeiro presidente pós-ditadura, o falecido Tancredo Neves. Dessa maneira, não estaria muito longe da verdade considerar os jornalistas da imprensa de Minas Gerais como “heróis resistentes” que, mesmo tendo que trabalhar em uma espécie de estado de exceção informal dentro de uma democracia plena, ainda tentam cumprir seu papel para com a sociedade. Afinal, como o discurso de Lopes ainda disse: “Minas Gerais sempre foi um celeiro de bons jornalistas e compartilhou com o Brasil e com o mundo alguns dos melhores profissionais formados aqui – profissionais combativos, exigentes e mestres na qualidade da informação”.
“Deveríamos erguer uma estátua para o Lucas”
A frase acima foi dita em tom de brincadeira por uma jornalista sobre Lucas Ferraz, repórter que publicou pela Folha de S. Paulo a primeira matéria sobre o aeroporto de Cláudio em 20 de julho, abrindo as comportas para uma enxurrada de novas denúncias de irregularidades envolvendo o candidato tucano.
Bem, “novas” para os que estão de fora, pois assuntos como o aeroporto de Cláudio são velhos conhecidos dos jornalistas mineiros. Na segunda-feira seguinte à publicação, a notícia gerou repercussão nacional: noticiários televisivos, jornais, blogues e redes sociais – a polêmica sobre a conveniência de um aeroporto que praticamente ninguém utiliza, localizado a 6 quilômetros da fazenda de Aécio Neves – foi uma das mais discutidas durante toda a semana, mas na imprensa mineira as reverberações foram tímidas, para dizer o mínimo. Houve até mesmo jornais que, ao invés de reproduzir a denúncia, preferiram postar em seu portal online a defesa do candidato tucano, quase como uma assessoria de imprensa.
Mas paradoxalmente à “proteção” que envolve Aécio, o candidato deixou bem clara sua visão sobre os periódicos mineiros. “Desde que eu nasci ouço essa história de que a imprensa mineira é complacente. Isso é dito principalmente por quem não lê a imprensa mineira”, disse. “Os mineiros também são críticos e censura é uma lenda urbana”, prosseguiu, passando a analisar o comportamento dos três principais jornais do estado: “O Tempo me critica mais que a imprensa nacional; o Hoje em Dia nem conta porque é menorzinho; e o Estado de Minas sempre teve posição pró-governo pelo seu tipo de jornalismo, que não é um jornalismo de questionamento.” Isso sem contar ainda que Aécio move processos contra o Facebook e os buscadores Google, Yahoo e Bing.
O caso do helicóptero pertencente à empresa Limeira Agropecuária, da família do senador Zezé Perrella – aliado de Aécio Neves –, apreendido com 450 quilos de pasta de cocaína em um sítio no Espírito Santo, foi uma das raras exceções, com todos os jornais mineiros publicando o caso em suas primeiras páginas. O que se seguiu então foi uma volta à regra, de descontinuidade da cobertura do caso e silêncio a respeito. O porquê dessa situação pode variar: desde ideologia ou ligações de interesses. As teorias são muitas, mas o fato é que, usando as palavras recentes do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, parece que “a imprensa mineira é dócil com Aécio”.
Censura e “resistência”
Existem diversos níveis de censura. Se na ditadura militar de décadas atrás ela era descarada, com seus censores e prisões, hoje ela é mais perigosa em Minas, pois a pressão passa ser psicológica, levando os próprios jornalistas à autocensura – parodiando a frase de Upton Sinclair, “é difícil você exigir que alguém publique alguma coisa quando seu salário depende de sua não publicação”.
Um dos exemplos mais bizarros de censura explícita foi o que aconteceu neste ano na redação do jornal Hoje em Dia, quando uma matéria a respeito de um projeto que dava amplos benefícios, como 2/3 de adicional de férias, por exemplo, aos juízes do Tribunal de Justiça estava sendo rodada numa edição de domingo, quando a direção do jornal decidiu retirar a matéria que estava para ser publicada. Os pelos menos vinte mil exemplares já impressos foram jogados no lixo e o jornalista Deca Furtado, que era o chefe da redação naquele dia, acabou demitido sumariamente sem ter nada a ver com o caso.
A alegação para que a matéria “caísse” era de que não seria do interesse da população informações sobre benefícios e salários dos juízes do estado. De acordo com uma fonte que pediu anonimato, isso estaria ocorrendo por conta das centenas de ações que o jornal enfrenta na Justiça do Trabalho, sendo assim, seria de bom tom para a direção do jornal estar bem relacionada com os juízes.
Isso mostra como outros interesses também contam com a colaboração da imprensa local. Outro jornalista que pediu para não ser identificado, explicou como funcionaria a censura “silenciosa” dos principais jornais mineiros. As empresas estatais – e de capital aberto – como Cemig, Copasa e Codeming são os grandes patrocinadores da imprensa com publicidade, principalmente em cadernos especiais ou na promoção de eventos. Os nomes dos cadernos patrocinados pelo governo são: Prazer em Ajudar, do jornal Estado de Minas, e Eu Acredito, do jornal Hoje em Dia, que são mensais e tratam do terceiro setor, trabalho voluntário e ONGs. O rádio e as TVs sempre são também contempladas, mas com farta publicidade.
Para contornar a censura, ou a suposta autocensura como o governo de Minas já alegou, existe algo parecido a uma rede clandestina de informações, uma vez que inúmeras notícias publicadas nos “jornalões” de alcance nacional são vazadas pelos mineiros que sabem que suas pautas não serão publicadas – ao menos não como deveriam ser – em seus jornais. Pouca gente sabe, mas diversos “furos” que os jornais nacionais publicam em suas páginas deveriam ser creditados por esses “resistentes” da imprensa do estado. Em algumas das redações existe até um índex sobre pessoas que não devem ser mencionadas jamais em matérias. Alguns desses nomes seriam os dos deputados Rogério Correia (PT) e Sávio Souza Cruz (PMDB) – ironicamente, dois dos líderes do bloco parlamentar chamado Minas Sem Censura.
Os diversos jornalistas entrevistados preferiram não ser citados na matéria, mas a quantidade de “esqueletos no armário” que todos eles conhecem sobre a situação de sitio que os profissionais de comunicação sofrem no estado não deixa dúvidas de que, se eles tivessem a oportunidade, iriam expor que a liberdade de imprensa – conceito básico em um país democrático – é algo estranho para os poderes políticos e econômicos em Minas Gerais.
É como se tivesse sido necessário que Aécio Neves se expusesse ao resto do Brasil para que os próprios mineiros enxergassem seu ex-governador e senador. Quase como se a imprensa do resto do país finalmente refletisse aquilo que os jornalistas mineiros – ao menos os comprometidos com a responsabilidade de sua profissão – tanto lutaram para relatar.
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