Por Mino Carta, na revista CartaCapital:
Esta é a edição do 20º aniversário de CartaCapital. A ocasião oferece óbvios motivos de satisfação a quem a publica e aos seus leitores. Mas a fatalidade interfere com indiferença feroz na vida do País e lança uma sombra de profunda tristeza sobre nossa celebração.
Estamos envolvidos no pesar da nação, golpeada pelo desaparecimento de Eduardo Campos, o jovem líder pernambucano herdeiro de notáveis tradições, candidato à Presidência da República nas próximas eleições, já intérprete de um papel importante e certamente destinado a um futuro decisivo na política brasileira.
Tratava-se de um amigo verdadeiro de CartaCapital, de cujos debates capitais participou mais de uma vez, a última em março passado, ao lado de Paul Krugman e Delfim Netto, entre outros. Saiu-se com brilho. Falava com fluência e clareza, tinha ideias e ideais. Almoçamos lado a lado no intervalo do evento, como se dera, anos atrás, no Recife, no encantador Leite no centro da cidade. Grande e forte, cavalheiro cortês, os olhos o traíam, de certa forma, mostravam energia irresistível, impulso avassalador. Assim dele me lembrarei.
Entristeceu-me, no começo oficial da campanha eleitoral, quando CartaCapital definiu seu apoio à reeleição de Dilma Rousseff, o dissabor que Eduardo fez chegar aos meus ouvidos, na crença de ter sido apontado como candidato da direita. Entendera mal. Entre os motivos de nossa escolha estava a percepção de que ele, a despeito de suas crenças sinceras, acabaria tragado pela virulenta campanha anti-Dilma, anti-Lula, anti-PT, desfechada desde sempre pela mídia nativa, de sorte a trazer para o lado da reação quem se opusesse aos alvos do seu ódio. Não tive a oportunidade, infelizmente, de explicar as nossas razões.
A vida, bem sabemos, é um átimo imensurável, a não ser, talvez, pelos pés alados de Hermes. Sobra a memória, caminhada para trás nem sempre feliz. Mesmo as boas lembranças carregam a saudade de nós mesmos. E então me vem à mente uma reunião de junho de 1994 na sala de estar da minha casa. Lá estavam Nelson Letaif, George Duque Estrada, Bob Fernandes, Wagner Carelli. Falava-se do projeto de uma revista ainda sem nome. Tomávamos vinho branco.
Vínhamos de experiências comuns em épocas diversas, sedimentadas por Bob, Nelson e Wagner na redação de IstoÉ, da qual havíamos saído em turvas circunstânciais. Outra figura da turma, a minha fiel secretária Mara Lúcia da Silva, para quem telefonei no dia seguinte. “Mantenha-se de prontidão – avisei –, a revista vai sair.” Telefonei também para os eternos amigos fraternos, Luiz Gonzaga Belluzzo e Raymundo Faoro para comunicar o que me parecia ser boa-nova. Por mais de duas décadas, contávamos com eles como conselheiros e colaboradores.
Mensal, a publicação, que os recursos não permitiam voos mais amplos. Nascia de uma ideia inicial de Andrea Carta, meu sobrinho, então diretor da Carta Editorial, fundada por meu irmão em agosto de 1976. Andrea imaginava uma revista de Economia e Negócios, disse a ele que esta eu não saberia fazer. Propus uma publicação para fiscalizar o poder onde quer que se manifestasse, na política, na economia e na cultura. Concordou. Muitas mudanças se deram ao longo do caminho, porque a revista ganhou corpo e fôlego. O que nunca mudou foi a linha editorial.
Mensal, de meados de agosto de 1994 a março de 1996. Quinzenal até agosto de 2001. Enfim semanal de uma nova editora batizada Confiança, ousada aventura, estranhamente confiante, conduzida por dois cidadãos desprovidos de qualquer vocação empresarial. Felizmente, contamos com a competência comercial e administrativa da equipe comandada por Manuela Carta e, anos depois, também por Luís Moraes. E, enfim, com a entrada em cena de um novo sócio sabedor das coisas, Eduardo da Rocha Azevedo.
Nem todos os fundadores estão aqui hoje. Outros jornalistas vieram, afinados com o projeto capaz de se opor ao pensamento único para defender o seu, insólito no panorama. Ou, por outra, a denunciar a permanência insuportável, a resistência implacável da casa-grande e da senzala, a precipitar um desequilíbrio social monstruoso. Se houve melhoras com os governos Lula e Dilma, e as houve, não foram suficientes. E, como a mídia nativa se empenha em demonstrar diariamente, a mentalidade dos senhores fica intocada, infensa ao mais tímido exame de consciência.
De todo modo, mantenho viva a convicção de que a atual CartaCapital é a melhor entre as publicações que tive a honra e o prazer de dirigir. Obra coletiva de uma redação impecável, encabeçada pelo redator-chefe Sergio Lirio.
O tempo é invenção do homem, e se sujeita a adquirir dimensões diferentes. Quanto valem 20 anos de vida de uma revista que nada contra a corrente, obviamente incompreendida por muitos leitores dos jornalões e dos semanalões, constantemente alvejada pelos escribas dos donos da casa-grande e hostilizada pelos sabujos que chamam o patrão de colega? Creio que valham mais do que quantos foram vividos por escribas e sabujos, e seus patrões.
Este é um dia feliz. Mas é também muito triste, Eduardo Campos vai fazer falta. Ao acima assinado, por exemplo. E ao Brasil.
Estamos envolvidos no pesar da nação, golpeada pelo desaparecimento de Eduardo Campos, o jovem líder pernambucano herdeiro de notáveis tradições, candidato à Presidência da República nas próximas eleições, já intérprete de um papel importante e certamente destinado a um futuro decisivo na política brasileira.
Tratava-se de um amigo verdadeiro de CartaCapital, de cujos debates capitais participou mais de uma vez, a última em março passado, ao lado de Paul Krugman e Delfim Netto, entre outros. Saiu-se com brilho. Falava com fluência e clareza, tinha ideias e ideais. Almoçamos lado a lado no intervalo do evento, como se dera, anos atrás, no Recife, no encantador Leite no centro da cidade. Grande e forte, cavalheiro cortês, os olhos o traíam, de certa forma, mostravam energia irresistível, impulso avassalador. Assim dele me lembrarei.
Entristeceu-me, no começo oficial da campanha eleitoral, quando CartaCapital definiu seu apoio à reeleição de Dilma Rousseff, o dissabor que Eduardo fez chegar aos meus ouvidos, na crença de ter sido apontado como candidato da direita. Entendera mal. Entre os motivos de nossa escolha estava a percepção de que ele, a despeito de suas crenças sinceras, acabaria tragado pela virulenta campanha anti-Dilma, anti-Lula, anti-PT, desfechada desde sempre pela mídia nativa, de sorte a trazer para o lado da reação quem se opusesse aos alvos do seu ódio. Não tive a oportunidade, infelizmente, de explicar as nossas razões.
A vida, bem sabemos, é um átimo imensurável, a não ser, talvez, pelos pés alados de Hermes. Sobra a memória, caminhada para trás nem sempre feliz. Mesmo as boas lembranças carregam a saudade de nós mesmos. E então me vem à mente uma reunião de junho de 1994 na sala de estar da minha casa. Lá estavam Nelson Letaif, George Duque Estrada, Bob Fernandes, Wagner Carelli. Falava-se do projeto de uma revista ainda sem nome. Tomávamos vinho branco.
Vínhamos de experiências comuns em épocas diversas, sedimentadas por Bob, Nelson e Wagner na redação de IstoÉ, da qual havíamos saído em turvas circunstânciais. Outra figura da turma, a minha fiel secretária Mara Lúcia da Silva, para quem telefonei no dia seguinte. “Mantenha-se de prontidão – avisei –, a revista vai sair.” Telefonei também para os eternos amigos fraternos, Luiz Gonzaga Belluzzo e Raymundo Faoro para comunicar o que me parecia ser boa-nova. Por mais de duas décadas, contávamos com eles como conselheiros e colaboradores.
Mensal, a publicação, que os recursos não permitiam voos mais amplos. Nascia de uma ideia inicial de Andrea Carta, meu sobrinho, então diretor da Carta Editorial, fundada por meu irmão em agosto de 1976. Andrea imaginava uma revista de Economia e Negócios, disse a ele que esta eu não saberia fazer. Propus uma publicação para fiscalizar o poder onde quer que se manifestasse, na política, na economia e na cultura. Concordou. Muitas mudanças se deram ao longo do caminho, porque a revista ganhou corpo e fôlego. O que nunca mudou foi a linha editorial.
Mensal, de meados de agosto de 1994 a março de 1996. Quinzenal até agosto de 2001. Enfim semanal de uma nova editora batizada Confiança, ousada aventura, estranhamente confiante, conduzida por dois cidadãos desprovidos de qualquer vocação empresarial. Felizmente, contamos com a competência comercial e administrativa da equipe comandada por Manuela Carta e, anos depois, também por Luís Moraes. E, enfim, com a entrada em cena de um novo sócio sabedor das coisas, Eduardo da Rocha Azevedo.
Nem todos os fundadores estão aqui hoje. Outros jornalistas vieram, afinados com o projeto capaz de se opor ao pensamento único para defender o seu, insólito no panorama. Ou, por outra, a denunciar a permanência insuportável, a resistência implacável da casa-grande e da senzala, a precipitar um desequilíbrio social monstruoso. Se houve melhoras com os governos Lula e Dilma, e as houve, não foram suficientes. E, como a mídia nativa se empenha em demonstrar diariamente, a mentalidade dos senhores fica intocada, infensa ao mais tímido exame de consciência.
De todo modo, mantenho viva a convicção de que a atual CartaCapital é a melhor entre as publicações que tive a honra e o prazer de dirigir. Obra coletiva de uma redação impecável, encabeçada pelo redator-chefe Sergio Lirio.
O tempo é invenção do homem, e se sujeita a adquirir dimensões diferentes. Quanto valem 20 anos de vida de uma revista que nada contra a corrente, obviamente incompreendida por muitos leitores dos jornalões e dos semanalões, constantemente alvejada pelos escribas dos donos da casa-grande e hostilizada pelos sabujos que chamam o patrão de colega? Creio que valham mais do que quantos foram vividos por escribas e sabujos, e seus patrões.
Este é um dia feliz. Mas é também muito triste, Eduardo Campos vai fazer falta. Ao acima assinado, por exemplo. E ao Brasil.
1 comentários:
Gostei. Realmente Carta Capital areja nossas mentes e corações.
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