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A edição nº 2.397, ano 47, de 23 de outubro de 2014 da revista Veja é estarrecedora. Este número deve entrar para a história do jornalismo brasileiro e certamente será estudada pelas gerações futuras como sendo o exemplo perfeito do péssimo jornalismo praticado neste início de século. Aliás, penso que nem sequer deverá ser vista como jornalismo, sendo mais apropriado que seja enquadrada como uma espécie deturpada de marketing político.
Em um período em que todas as publicações semanais atrasam o fechamento a espera do resultado da eleição presidencial que ocorre no domingo, a Veja adianta sua edição para quarta-feira. O motivo da mudança seria um “furo” de reportagem sobre o esquema de corrupção na Petrobras que envolveria a candidata a reeleição Dilma Roussef e o ex-presidente Lula, ambos do Partido dos Trabalhadores.
A “reportagem” é construída sobre uma declaração do doleiro Alberto Youssef, preso na operação Lava-Jato, juntamente com o ex-diretor da estatal Paulo Roberto Costa, dado a um delegado, um procurador e seu advogado (que não tem os nomes revelados no texto) onde afirma, segundo diálogo transcrito pela revista na página 61:
“Perguntado sobre o nível de comprometimento de autoridades no esquema de corrupção na Petrobras, o doleiro foi taxativo:
– O planalto sabia de tudo!
– Mas quem no Planalto? - perguntou o delegado. –Lula e Dilma - respondeu o doleiro.”
Não há mais nenhuma declaração em toda a matéria, nem do advogado, nem de autoridades, muito menos dos supostos acusados que não tiveram o direito de se defender, o que fere um dos princípios básicos do jornalismo que é o de ouvir os dois lados envolvidos em uma questão. Mas isto é apenas um detalhe, a própria revista admite “O doleiro não apresentou – e nem lhe foram pedidas – provas do que disse” (página 61).
É isto mesmo, caro leitor, tudo pode ser uma grande mentira dita em um depoimento que deveria ser sigiloso e cujo objetivo não é o de acusar ninguém, mas sim o de reunir, segundo palavras da própria revista em sua Carta ao Leitor, “revelações, indícios, provas e pistas úteis para a investigação”. Apesar do cinismo a dúvida paira sobre a redação que, talvez traída pelo subconsciente, se questiona; “É verdade tudo o que Costa e Youssef dizem?” para responder em seguida “Como beneficiários da delação premiada, eles não têm vantagem alguma em mentir”. Ou seja, admitem que tudo pode uma farsa. Mas, então, mesmo sabendo disto, por que a Editora Abril resolveu bancar esta aventura editorial?
A questão não está no jornalismo, mas na campanha eleitoral. O depoimento do jornalista Luiz Carlos Azenha, que cobriu a eleição de 2006 pela Rede Globo, é bastante esclarecedor;
“Percebi pessoalmente, então, como funcionava o esquema: a Veja apresentava as denúncias, o Jornal Nacional repercutia e os jornalões entravam no caso no fim-de-semana. Era uma forma de colocar a bola para rolar. Depois, se ficasse demonstrado que as denúncias não tinham cabimento, o estrago estava feito. Quando muito, saia uma notinha aqui ou ali. Nunca, obviamente, no Jornal Nacional ou com o mesmo alcance.” (leia AQUI)
Eis a resposta, era necessário armar o circo a tempo para que a denúncia pudesse ser usada no debate entre Aécio e Dilma na sexta-feira, organizado pela parceira Rede Globo, o que, aliás, aconteceu.
Vista por este ângulo, a situação é tão óbvia que acaba por incomodar a própria revista que veste a carapuça e tenta se explicar em dois momentos distintos: “VEJA publica essa reportagem às vésperas do turno decisivo das eleições presidenciais obedecendo unicamente ao dever jornalístico de informar” (página 12) e “VEJA não publica reportagens com a intenção de diminuir ou aumentar as chances de vitória deste ou daquele candidato, VEJA publica fatos com o objetivo de aumentar o grau de informação de seus leitores sobre eventos relevantes” (página 58).
Vista por este ângulo, a situação é tão óbvia que acaba por incomodar a própria revista que veste a carapuça e tenta se explicar em dois momentos distintos: “VEJA publica essa reportagem às vésperas do turno decisivo das eleições presidenciais obedecendo unicamente ao dever jornalístico de informar” (página 12) e “VEJA não publica reportagens com a intenção de diminuir ou aumentar as chances de vitória deste ou daquele candidato, VEJA publica fatos com o objetivo de aumentar o grau de informação de seus leitores sobre eventos relevantes” (página 58).
A saia justa também esta explícita no box da página 65 (Quem delata pode mentir?) que começa com o seguinte frase: “A delação premiada tem uma regra de ouro: quem a pleiteia não pode mentir”. Em outra situação estas palavras poderiam apenas trair a ingenuidade do repórter, mas, nas páginas desta edição é mais uma tentativa de afirmar como verdadeiro o que ainda não foi provado.
Desta vez o blefe da editora Abril foi muito alto e a direção editorial enviou um recado nada sutil ao poder judiciário. Temendo que a campanha de Dilma Roussef tentasse impedir a circulação da matéria apelando ao Tribunal Superior Eleitoral sob a alegação de que se trata de propaganda eleitoral, a revista publicou na mesma edição análise de André Petry onde o presidente do STF, ministro Dias Toffoli é chamado de “censor de toga” (página 75). Em outra situação estas palavras poderiam apenas significar uma tosca tentativa de intimidação, mas nesta edição trata-se de uma manobra para antecipar a defesa, caso fosse necessária. Imaginem o escândalo que seria feito se Tribunal tivesse acatado o pedido feito pela equipe do PT.
A cobertura tendenciosa e a manipulação de dados, por incrível que pareça, ainda é mais escancarada no texto Os 10 ataques que envenenaram a campanha (pagina 68), onde a abertura dá o tom do conteúdo “O PT distorceu fatos, falsificou a história e manipulou eleitoralmente a divulgação de informações, jogando o nível da disputa na lama”. Todos os ataques partem, obviamente, do PT, enquanto o PSDB mantém uma candura inabalável, pois, a acreditar na reportagem, Aécio Neves jamais teve uma atitude que merecesse ao menos uma crítica.
Em seu último programa eleitoral gratuito a candidata do PT desabafou "Sou defensora intransigente da liberdade de imprensa. Mas a consciência livre da nação não pode aceitar que, mais uma vez, se divulgue falsas denúncias no meio de um processo eleitoral em que o que está em jogo é o futuro do Brasil. Os brasileiros darão sua resposta à Veja e seus cúmplices nas urnas. E eu darei a minha resposta a eles na Justiça".
Mas a revista Veja ainda guarda um brinde surpresa, uma matéria especial de 20 páginas sobre a escassez de água onde há uma única menção à Sabesp ou ao governo de São Paulo, acusado por opositores de manipular dados para esconder o problema durante as eleições. “Apenas em 2012, 1 trilhão de litros de água foram perdidos em ligações clandestinas, os 'gatos', que afetam a infraestrutura da Sabesp, a companhia de saneamento de São Paulo” (página 95). É inacreditável, na opinião da Editora Abril a empresa não só não tem nada a ver com o problema da água como ainda é vítima da situação.
Por isso tudo é que digo que esta edição vai entrar para a história do jornalismo.
2 comentários:
É uma reportagem tendenciosa e rateira, mas em certo ponto serviu para a Abril. A edição se esgotou nas bancas já na sexta-feira. Hoje estava conversando um jornaleiro, e durante a conversa várias pessoas vieram procurar a revista, que segundo ele, foi disputada "a tapa".
O pior que esses leitores ainda se acham bem informados. São os mesmos que assistem a rede Globo, Globo news, e são manipulados impiedosamente, mas não se importam em serem manipulados.
Não sou a favor de nenhuma ditadura nem da violência, mas sinceramente se eu fosse a presidenta Dilma mandava fechar esta revista, pelo menos até que se provasse tudo, ficaria pois interditada.
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