Por Paulo Moreira Leite, em seu blog:
No ambiente tenso de Brasília, onde, na semana passada, o segundo escalão buscava seu lugar após a definição do ministério, Vicente Andreu tinha direito a uma situação diferente. Diretor-presidente da ANA (Agência Nacional das Águas), ele tem mandato assegurado até 2018.
Mas a tranquilidade na rotina de Andreu, 57 anos de idade, casado, pai de Lara, se encerra nesta segunda-feira, com seu retorno à Capital Federal após o descanso de fim-de-ano. Num país que enfrenta aquela que está se transformando na pior crise hídrica de sua história, afetando o consumo das famílias não apenas no Nordeste, mas também em São Paulo - sem falar nas usinas hidroelétricas, cada vez mais atingidas pela estiagem -. ele estará no centro de um debate que, a julgar pelos boletins metereológicos, não deve terminar tão cedo. Apesar das chuvas de dezembro, que tanto a ânimo despertaram em São Paulo, os números do sistema Cantareira seguem muito baixos - em janeiro de 2015, a marca de quinta-feira, 8, já era pior que a do mesmo período em janeiro de 2014.
Estatístico diplomado pela Universidade de Campinas, Unicamp, dirigente do Sindicato dos eletricitários de Campinas por oito anos, Andreu tem uma longa experiência na área do serviço público onde água e energia se encontram. Foi diretor e membro do conselho de administração da Companhia Paulista de Força e Luz. Presidiu a Sanasa, empresa de saneamento de Campinas, e ainda a termoeletrica Nova Piratininga, em São Paulo. Também foi Secretário Nacional de Recursos Hídricos do Ministério o Meio Ambiente. Alvo de muitas descargas elétricas e troca de acusações durante a campanha de 2014, a crise da água entra em banho-maria no ano administrativo de 2015, quando questões práticas e urgentes ganham prioridade sobre conflitos e desgastes. A entrevista:
As últimas chuvas trouxeram alguma esperança de melhora no abastecimento de água em São Paulo?
Na verdade, a situação tornou-se um pouco mais difíci e isso se reflete na acumulação de água no sistema Cantareira. Em termos de vazão, afluíram aos reservatórios em média 13 m3/s, contra um mínimo histórico em 84 anos de cerca de 20m3/s. Isto quer dizer que saiu mais agua do que entrou também em dezembro. Portanto, não houve nenhuma recuperação dos mananciais, apenas uma redução na velocidade da queda. Pelo lado otimista, a retomada das chuvas pode indicar um verão mais favorável para a recuperação dos reservatórios. Pelo lado mais realista, entramos em 2015 em uma situação ainda muito, muito pior do que o início de 2014. A comparação dos últimos 12 meses já está mostrando isso.
Como estará o abastecimento depois do verão?
No ambiente tenso de Brasília, onde, na semana passada, o segundo escalão buscava seu lugar após a definição do ministério, Vicente Andreu tinha direito a uma situação diferente. Diretor-presidente da ANA (Agência Nacional das Águas), ele tem mandato assegurado até 2018.
Mas a tranquilidade na rotina de Andreu, 57 anos de idade, casado, pai de Lara, se encerra nesta segunda-feira, com seu retorno à Capital Federal após o descanso de fim-de-ano. Num país que enfrenta aquela que está se transformando na pior crise hídrica de sua história, afetando o consumo das famílias não apenas no Nordeste, mas também em São Paulo - sem falar nas usinas hidroelétricas, cada vez mais atingidas pela estiagem -. ele estará no centro de um debate que, a julgar pelos boletins metereológicos, não deve terminar tão cedo. Apesar das chuvas de dezembro, que tanto a ânimo despertaram em São Paulo, os números do sistema Cantareira seguem muito baixos - em janeiro de 2015, a marca de quinta-feira, 8, já era pior que a do mesmo período em janeiro de 2014.
Estatístico diplomado pela Universidade de Campinas, Unicamp, dirigente do Sindicato dos eletricitários de Campinas por oito anos, Andreu tem uma longa experiência na área do serviço público onde água e energia se encontram. Foi diretor e membro do conselho de administração da Companhia Paulista de Força e Luz. Presidiu a Sanasa, empresa de saneamento de Campinas, e ainda a termoeletrica Nova Piratininga, em São Paulo. Também foi Secretário Nacional de Recursos Hídricos do Ministério o Meio Ambiente. Alvo de muitas descargas elétricas e troca de acusações durante a campanha de 2014, a crise da água entra em banho-maria no ano administrativo de 2015, quando questões práticas e urgentes ganham prioridade sobre conflitos e desgastes. A entrevista:
As últimas chuvas trouxeram alguma esperança de melhora no abastecimento de água em São Paulo?
Na verdade, a situação tornou-se um pouco mais difíci e isso se reflete na acumulação de água no sistema Cantareira. Em termos de vazão, afluíram aos reservatórios em média 13 m3/s, contra um mínimo histórico em 84 anos de cerca de 20m3/s. Isto quer dizer que saiu mais agua do que entrou também em dezembro. Portanto, não houve nenhuma recuperação dos mananciais, apenas uma redução na velocidade da queda. Pelo lado otimista, a retomada das chuvas pode indicar um verão mais favorável para a recuperação dos reservatórios. Pelo lado mais realista, entramos em 2015 em uma situação ainda muito, muito pior do que o início de 2014. A comparação dos últimos 12 meses já está mostrando isso.
Como estará o abastecimento depois do verão?
O sistema Cantareira abastece duas grandes regiões: a região metropolitana de São Paulo e a bacia dos rios Piracicaba, Capivari e Jundiaí, cuja maior cidade é Campinas. A região metropolitana de São Paulo tem outros mananciais, que respondem hoje por cerca de 60% da oferta de água. Já para quem capta no PCJ, não há outro manancial. Assim, a situação de abril de 2015 dependerá do que acontecer no Cantareira e nos demais reservatórios de São Paulo. Como não há alternativas de oferta de “nova água“ no curto prazo, tudo fica dependente exclusivamente das chuvas e de onde ocorrerão. A probabilidade de um 2015 dramático em termos de oferta de água não é pequena, em termos estatísticos. Na minha opinião, a questão central já não se encontra na hidrologia, mas na gestão de riscos. Como não há alternativas, a gestão da água disponível deveria ser feita com mais restrições. Para quem acredita que vai chover, essas restrições podem ser menores, e é o que vem ocorrendo.
Desde quando o senhor acredita que o racionamento seria a melhor alternativa?
Desde quando o senhor acredita que o racionamento seria a melhor alternativa?
O racionamento é uma medida que depende de vários fatores, como alternativas de sistemas de abastecimento, da rede de distribuição, da qualidade. Enfim, é uma decisão que compete ao operador de saneamento, que tem a responsabilidade legal para faze-lo. Não é uma competência da ANA; neste caso, depende da Sabesp. Questiono o fato de que a empresa deveria ter um plano de contingencias publico, com alternativas de abastecimento para diversas situações, inclusive para tomar medidas regulatórias. Não apresentou nenhum plano com estas características até hoje. Espero que agora o faça. As mudanças em curso em São Paulo me parecem positivas.
Como assim?
Jerson Kelman, o novo presidente da Sabesp, é um profissional preparado. Acho que foi uma excelente escolha, assim como a de Benedito Braga para a secretaria de recursos hídricos e saneamento. Acredito que serão necessários alguns dias para que o Kelman tenha conhecimento completo da “doutrina” que orientou a posição da Sabesp até aqui. Vi com entusiasmo a sua declaração de que a total transparência é vital neste processo. A transparência vai dar a dimensão real da crise. É aguardar.
Até aqui, aonde a Sabesp errou?
Como assim?
Jerson Kelman, o novo presidente da Sabesp, é um profissional preparado. Acho que foi uma excelente escolha, assim como a de Benedito Braga para a secretaria de recursos hídricos e saneamento. Acredito que serão necessários alguns dias para que o Kelman tenha conhecimento completo da “doutrina” que orientou a posição da Sabesp até aqui. Vi com entusiasmo a sua declaração de que a total transparência é vital neste processo. A transparência vai dar a dimensão real da crise. É aguardar.
Até aqui, aonde a Sabesp errou?
É bom esclarecer que não cabe à ANA avaliar a conduta da Sabesp, que responde ao DAEE, o órgão gestor do governo de São Paulo. Falando do ponto de vista técnico, a Sabesp adotou boas medidas. O governo de São Paulo anunciou obras importantes. O problema é de prazo. Tudo deveria ter sido feito antes: as obras não terão impacto algum sobre a crise 2014/15. Deveriam ter sido iniciadas há anos. Hoje, vai acontecer aquilo que ocorre em toda crise hídrica, a avaliação se dará pelas consequências: se chover, para a imensa maioria da população, tudo foi feito adequadamente; se não chover, a avaliação das responsabilidades na crise serão outras.
O senhor acha que a privatização da Sabesp contribuiu agravar os problemas gerados pela falta de chuvas?
O debate entre privatização e estatização é antigo e creio que hoje temos argumentos novos, que retiram muito do viés ideológico. Sou contra a privatização do saneamento por questões especificas do Brasil. Num país com uma imensa desigualdade como o nosso, uma grande parte da população só poderá ter acesso a água se receber subsídios. Acho no mínimo ingenuidade imaginar que uma empresa privada terá disposição de abrir mão de seus lucros para fornecer água a bom preço para as famílias que não podem pagar por ela.
E no caso da Sabesp?
Para não fugir do debate posto: não creio que os ADR’s da Sabesp (ações da empresa negociadas na Bolsa de Nova York) tenham tido algum efeito na ampliação da crise.
O que teve efeito, então?
O governo recebeu recursos da privatização, que poderiam ter sido usado nas obras de saneamento. Em vez disso, gastou esse dinheiro em outras coisas. Este foi o problema. Acredito que questões eleitorais – não apenas a eleição de 2014, mas as opções que foram tomadas ao longo de muitos anos nessa perspectiva política – tiveram e têm muito impacto. Colocar “privatização “ neste debate facilita alinhamentos, mas ajuda pouco para esclarecer a crise.
Desde quando era possível saber que São Paulo iria enfrentar a pior seca de sua história?
Desde quando era possível saber que São Paulo iria enfrentar a pior seca de sua história?
Em termos climatológicos, nenhum instituto previu a intensidade da seca de 2014. Então, não era possível saber. Mas, a partir de fevereiro as luzes passaram do verde para o vermelho. Nessa época, em vez de planos para enfrentar uma emergência que já se podia enxergar, o que se ouvia eram argumentos falsamente tranquilizadores. Dizia-se que se chovesse “apenas a média” não haveria problema algum. O problema é que nenhum mês sequer se aproximou da média, ficando muito abaixo dos mínimos históricos. Em números: a vazão afluente média de 2014 ao sistema Cantareira foi de 8,70 m3/s, quando o mínimo que já havia sido registrado foi de 21,81 m3/s. Claro que a seca está sendo inédita, mas as medidas de gestão não estão adequadas a esta realidade.
É possível prever um retorno a normalidade?
É possível prever um retorno a normalidade?
Há uma enorme anomalia ainda em curso. As previsões meteorológicas e climáticas têm baixa confiabilidade no médio prazo. Há, portanto, grande incerteza em relação às chuvas do futuro. Ocorre que isso é absolutamente corriqueiro. Sempre há essas incertezas. O que há de diferente é que estamos muito mais frágeis para enfrentar essas incertezas.
O senhor acredita num cenário de pesadelo, que pode obrigar as pessoas a deixar a cidade, como tantas vezes ocorria, no passado, em regiões do Nordeste?
O senhor acredita num cenário de pesadelo, que pode obrigar as pessoas a deixar a cidade, como tantas vezes ocorria, no passado, em regiões do Nordeste?
Não creio nessa possibilidade. Caso a crise se acentue, haverá ajustes na oferta de agua em razão da situação dos reservatórios, da vazões afluentes, da chuva verificada. Isso porque os impactos sociais, econômicos e ambientais tendem a ser muito significativos, e não só para São Paulo. Daí a necessidade de trabalhar mais com gerenciamento de risco do que com séries estatísticas, que podem levar a um discurso de acomodação.
Também temos uma seca no nordeste. Por que ali o drama parece menos grave?
Há várias diferenças entre as secas do semiárido e a do sudeste, começando pelas culturais, da convivência das pessoas com o fenômeno. E isto não é pouca coisa. No semi-árido, a maioria das pessoas nasceu, cresceu e se educou para enfrentar um ambiente de pouca água. Outra diferença são as escalas envolvidas, o tamanho das cidades, os impactos econômicos. A seca impacta diferentemente também as áreas rurais dessas regiões, que são muito distintas. As alternativas de abastecimento de emergência são impossíveis de comparar, uma vez que é inimaginável atender São Paulo por caminhões-pipa, por exemplo.
E do ponto de vista político?
Também temos uma seca no nordeste. Por que ali o drama parece menos grave?
Há várias diferenças entre as secas do semiárido e a do sudeste, começando pelas culturais, da convivência das pessoas com o fenômeno. E isto não é pouca coisa. No semi-árido, a maioria das pessoas nasceu, cresceu e se educou para enfrentar um ambiente de pouca água. Outra diferença são as escalas envolvidas, o tamanho das cidades, os impactos econômicos. A seca impacta diferentemente também as áreas rurais dessas regiões, que são muito distintas. As alternativas de abastecimento de emergência são impossíveis de comparar, uma vez que é inimaginável atender São Paulo por caminhões-pipa, por exemplo.
E do ponto de vista político?
Nos lugares onde a seca é uma realidade com a qual há que se conviver, seu enfrentamento se dá também com uma significativa redução no consumo, de forma permanente. Nos lugares onde se acredita que a estiagem é apenas um “acontecimento imprevisível e passageiro”, nada se faz com antecedência. O papel do governo federal acaba também se diferenciando, pois enquanto no semiárido sua presença é necessária e exigida, financiando obras e estruturando as ações mitigatórias, que tem conseguido dar uma resposta econômica e social ao problema, no caso de São Paulo resume-se a apoiar financeiramente obras indicadas pelo próprio governo estadual. Há ainda questões regulatórias, derivadas da dominialidade das águas superficiais. No semiárido a maior parte da água acumulada em reservatórios é de domínio da União, enquanto que no Cantareira há uma confusa uma superposição de domínios federal e estadual, que tem o potencial de intensificar as dificuldades.
O senhor acredita que está ocorrendo uma mudança climática importante, que irá alterar o modo de vida do planeta no futuro?
O senhor acredita que está ocorrendo uma mudança climática importante, que irá alterar o modo de vida do planeta no futuro?
Não sou um estudioso de mudanças climáticas. É evidente que temos poucas “amostras”, que estatisticamente poderiam servir como estudo. Muitas pessoas da minha área, em especial aqueles formados em geologia, têm uma visão cética a respeito. Acreditam que a Terra já esquentou, já esfriou e que não há nenhuma mudança além daquela que é produzida pela natureza. Particularmente eu acredito que o clima está mudando sim. Em 2010, o Cantareira verteu , ou seja, ficou completamente cheio. Isso nunca havia ocorrido em 30 anos. Menos de 4 anos depois, entramos nessa crise, que nem é especifica do Cantareira, mas que tem nesses reservatórios a sua maior expressão, até agora. Extremos dessa natureza dão mais convicção nas mudanças climáticas do que os argumentos contrários, quase sempre formais. E acho que ao menos em parte essas mudanças refletem a atividade humana.
É possível considerar que em 2014 a seca foi um fator neutro nas eleições? Não afetou a vitória de Geraldo Alckmin nem de vários governadores do Nordeste, onde a calamidade pública foi decretada em vários Estados. Por que?
É possível considerar que em 2014 a seca foi um fator neutro nas eleições? Não afetou a vitória de Geraldo Alckmin nem de vários governadores do Nordeste, onde a calamidade pública foi decretada em vários Estados. Por que?
Penso que os eleitores estão atentos à crise hídrica no nordeste, em São Paulo, em todos os locais onde ela ocorre. Ninguém precisa iludir-se. Se a seca se acentuar, os cidadãos irão cobrar responsabilidade de quem venceu as eleições. O que me parece é que outros elementos foram decisivos na definição do voto. Pesou a distribuição de renda, o emprego, a valorização do salário mínimo. A crise da água ainda não se encerrou. Para o eleitor, não há uma “narrativa completa” da crise, da sua dimensão, que permita saber quem acertou, quem errou. O que me deixa triste, como cidadão, é que os políticos não tenham colocado no debate a crise da água na sua real dimensão, seja como um fenômeno da natureza, seja como é possível antecipar-se e conviver com esses acontecimentos.
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