Por Umberto Martins, no site Vermelho:
As batalhas em torno do PL 4330 estão iluminando na arena da nossa história o conteúdo real, e principal, da luta de classes que é ainda hoje, malgrado opiniões e desejos em contrário, o fio condutor dos acontecimentos de nossa época, aqui e acolá. Luta que, no caso, opõe de um lado o capital e de outro o trabalho ou a burguesia frente ao proletariado, para usar uma linguagem mais clássica.
É de se esperar, nesses anos críticos, que os ânimos entre capitalistas e trabalhadores fiquem mais acirrados, até mesmo porque a burguesia parece convencida de que para superar as turbulências da época é preciso redobrar as apostas no neoliberalismo, cuja quintessência é uma feroz ofensiva contra os direitos e conquistas da classe trabalhadora.
Na Europa, onde a palavra de ordem da troika (FMI, BCE e UE) e dos governos é o desmantelamento do Estado de Bem Estar Social, isto é mais evidente. Mas não é menos verdade por aqui. O pano de fundo desta ofensiva capitalista reacionária, que está ressuscitando o espírito do nazi-fascismo em todo o globo, é a crise econômica e geopolítica que perturba as nações e tem por desdobramento lógico a radicalização da luta de classes.
Quem compreende com mais profundidade o marxismo (o que não é o caso do senso comum reinante mesmo entre muitos “marxistas”) sabe que a luta de classes não se restringe às batalhas entre capital e trabalho, englobando as divergências no interior das classes dominantes e praticamente todos os conflitos políticos relevantes que se verificam em nossa época, sob o imperialismo, nacionais e internacionais.
A este respeito convém reproduzir o que disse Engels no prefácio ao “18 Brumário” de Karl Marx:
- Foi precisamente Marx quem primeiro descobriu a grande lei do movimento da história, a lei segundo a qual todas as lutas históricas, quer se desenvolvam no terreno político, no religioso, no filosófico ou noutro terreno ideológico qualquer, não são, na realidade, mais do que a expressão mais ou menos clara de lutas de classes sociais (...) Foi também esta lei, que tem para a história o mesmo significado que a lei da transformação da energia para a Ciência da Natureza, que lhe deu aqui a chave para a compreensão da história da Segunda República francesa.
Luta de classes e luta nacional
Creio ser fundamental analisar, à luz dos fatos que se sucedem e tendo por guia a teoria classista (marxista) da história, as relações entre a luta da classe trabalhadora em defesa de seus interesses, que não são meramente corporativos, e a luta por um novo projeto de desenvolvimento do Brasil.
As questões relativas ao desenvolvimento nacional não são estranhas ao movimento sindical brasileiro. Em dezembro de 2007, no seu congresso de fundação, a CTB (Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil) indicou como eixo central de sua estratégia a luta por um novo projeto nacional de desenvolvimento fundado na soberania e valorização do trabalho.
Mais tarde, em 1º de junho de 2010, por influência da CTB a 2ª Conclat (Conferência Nacional da Classe Trabalhadora), assessorada pelo Dieese, elaborou a Agenda da Classe Trabalhadora por um Novo Projeto Nacional de Desenvolvimento. Projeto este que na opinião dos sindicalistas deve ser orientado por três valores fundamentais: soberania, democracia e valorização do trabalho.
O documento aprovado naquela conferência tem sido a principal referência para as reivindicações e movimentos unitários das centrais. A questão nacional está, portanto, no centro das preocupações e da luta do sindicalismo e, por extensão, da classe trabalhadora brasileira, ainda que as amplas massas, anestesiadas pela ideologia servida diuturnamente pela mídia burguesa, não tenham consciência disto, o que é outra conversa.
Nota-se neste caso o fenômeno que, em outra época e região, o líder da revolução chinesa, Mao Tse-tung, caracterizou como “identidade entre luta de classes e luta nacional”, ou seja, a luta nacional é também luta de classes. O entrelaçamento é óbvio. É conveniente lembrar que o partido da burguesia chinesa (Kuomintang), aliado ao imperialismo, foi derrotado pelos comunistas na revolução de 1949 e sua tropa fugiu para Taiwan, onde se instalou ancorada no poder militar dos EUA. Se ganhasse a guerra civil, a China, nas mãos da burguesia, continuaria vassala das grandes potências capitalistas e não seria o que é hoje.
Independência classista
As nações não existem à margem e nem acima das classes e suas contradições. As lutas políticas e os entrechoques de interesses de grupos e classes sociais ocorrem em geral nos marcos dos territórios nacionais, a não ser em caso de guerra ou ocupação estrangeira. Hoje em dia os interesses e as posições políticas das classes mais relevantes do capitalismo, a burguesia e o proletariado, divergem profundamente no que diz respeito à abordagem da questão nacional e especialmente em relação ao imperialismo.
No Brasil, como na Venezuela e em muitos outros países da Nossa América, a burguesia enquanto classe apoiou majoritariamente a Área de Livre Comércio da América (Alca) proposta pelos EUA e que, conforme denunciou Lula, não seria mais que uma anexação das economias da região pelo império. Os movimentos sociais, que representam trabalhadores, foram radicalmente contra desde que a ideia foi lançada em 1994 e a Alca só foi sepultada, em 2005, depois que políticos ligados à classe trabalhadora (como Chávez na Venezuela, Lula no Brasil e Morales na Bolívia) foram eleitos presidentes de seus respetivos países. Viúvas da Alca choram até hoje a sua morte e clamam pela sua ressureição, ao mesmo tempo em que amaldiçoam a Celac, a Unasul, a Alca, o Mercosul e o Brics.
Se a prática, conforme sugeriu Marx, é o critério da verdade, a verdade que se extrai deste e outros fatos é que a burguesia em nossa região há muito associou seus interesses aos do imperialismo e não mais lhe opõe resistência. Nem sempre foi assim.
Ao definir o seu projeto nacional a classe trabalhadora e as organizações que a representam devem resguardar, em primeiro lugar, a independência política e ideológica, sob pena de caminhar a reboque do inimigo de classe. “O projeto de desenvolvimento nacional defendido pelos representantes dos trabalhadores não pode ser o mesmo das classes dominantes, deve ter outro norte, concepções e caminhos”, propõe a CTB no documento em que justifica a bandeira do “desenvolvimento com valorização do trabalho” aprovado no seu primeiro congresso.
Interesses antagônicos
“É possível e desejável encontrar pontos de contato entre empresários e trabalhadores na defesa do crescimento, como é o caso da exigência de juros mais baixos”, pondera a central no mesmo texto (publicado em fevereiro de 2008 no livro “Desenvolvimento com valorização do trabalho”). “Todavia”, acrescenta, “são muitas as divergências antagônicas entre capital e trabalho”. É o que temos a oportunidade de ver na luta política e ideológica que se dá em torno do PL 4330. Mas não só aí.
Com sabedoria a Conclat associou o novo projeto nacional de desenvolvimento à democracia, soberania e valorização do trabalho. Já faz um tempão que a burguesia brasileira (a mesma que nas últimas eleições apoiou em massa o tucano Aécio Neves e em 1964 esteve por trás do golpe militar) não tem compromissos com a democracia, vendeu a alma e boa parte do corpo ao imperialismo em detrimento da soberania nacional e é visceralmente contra a valorização do trabalho.
Já se foi a época em que se podia falar de uma aliança entre capital e trabalho pelo desenvolvimento nacional. Os anos dourados do capitalismo não voltam mais, a era Vargas e o nacional-desenvolvimentismo de então ficaram definitivamente para trás, sofreram um golpe mortal em 1964 e desde os anos 90 do século passado o neoliberalismo (a ideologia do arrocho e da estagnação) tornou-se a bíblia da burguesia, aqui e em todo o mundo.
Não podemos abstrair da época miserável e do contexto histórico em que presentemente se desenvolve o drama humano. Vivemos um tempo de crise sistêmica do capitalismo e notório esgotamento da ordem internacional hegemonizada pelos EUA. Um tempo hostil ao reformismo e ao espírito de conciliação de classes e que cobra clareza, consciência e mobilização redobrada da classe trabalhadora na luta contra o retrocesso, por um novo projeto nacional de desenvolvimento e pelo socialismo. Tempestades bem maiores do que as que presenciamos no momento estão a caminho da história. Devemos nos preparar para enfrentá-las. A saída está na luta (e não na conciliação) de classes.
As batalhas em torno do PL 4330 estão iluminando na arena da nossa história o conteúdo real, e principal, da luta de classes que é ainda hoje, malgrado opiniões e desejos em contrário, o fio condutor dos acontecimentos de nossa época, aqui e acolá. Luta que, no caso, opõe de um lado o capital e de outro o trabalho ou a burguesia frente ao proletariado, para usar uma linguagem mais clássica.
É de se esperar, nesses anos críticos, que os ânimos entre capitalistas e trabalhadores fiquem mais acirrados, até mesmo porque a burguesia parece convencida de que para superar as turbulências da época é preciso redobrar as apostas no neoliberalismo, cuja quintessência é uma feroz ofensiva contra os direitos e conquistas da classe trabalhadora.
Na Europa, onde a palavra de ordem da troika (FMI, BCE e UE) e dos governos é o desmantelamento do Estado de Bem Estar Social, isto é mais evidente. Mas não é menos verdade por aqui. O pano de fundo desta ofensiva capitalista reacionária, que está ressuscitando o espírito do nazi-fascismo em todo o globo, é a crise econômica e geopolítica que perturba as nações e tem por desdobramento lógico a radicalização da luta de classes.
Quem compreende com mais profundidade o marxismo (o que não é o caso do senso comum reinante mesmo entre muitos “marxistas”) sabe que a luta de classes não se restringe às batalhas entre capital e trabalho, englobando as divergências no interior das classes dominantes e praticamente todos os conflitos políticos relevantes que se verificam em nossa época, sob o imperialismo, nacionais e internacionais.
A este respeito convém reproduzir o que disse Engels no prefácio ao “18 Brumário” de Karl Marx:
- Foi precisamente Marx quem primeiro descobriu a grande lei do movimento da história, a lei segundo a qual todas as lutas históricas, quer se desenvolvam no terreno político, no religioso, no filosófico ou noutro terreno ideológico qualquer, não são, na realidade, mais do que a expressão mais ou menos clara de lutas de classes sociais (...) Foi também esta lei, que tem para a história o mesmo significado que a lei da transformação da energia para a Ciência da Natureza, que lhe deu aqui a chave para a compreensão da história da Segunda República francesa.
Luta de classes e luta nacional
Creio ser fundamental analisar, à luz dos fatos que se sucedem e tendo por guia a teoria classista (marxista) da história, as relações entre a luta da classe trabalhadora em defesa de seus interesses, que não são meramente corporativos, e a luta por um novo projeto de desenvolvimento do Brasil.
As questões relativas ao desenvolvimento nacional não são estranhas ao movimento sindical brasileiro. Em dezembro de 2007, no seu congresso de fundação, a CTB (Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil) indicou como eixo central de sua estratégia a luta por um novo projeto nacional de desenvolvimento fundado na soberania e valorização do trabalho.
Mais tarde, em 1º de junho de 2010, por influência da CTB a 2ª Conclat (Conferência Nacional da Classe Trabalhadora), assessorada pelo Dieese, elaborou a Agenda da Classe Trabalhadora por um Novo Projeto Nacional de Desenvolvimento. Projeto este que na opinião dos sindicalistas deve ser orientado por três valores fundamentais: soberania, democracia e valorização do trabalho.
O documento aprovado naquela conferência tem sido a principal referência para as reivindicações e movimentos unitários das centrais. A questão nacional está, portanto, no centro das preocupações e da luta do sindicalismo e, por extensão, da classe trabalhadora brasileira, ainda que as amplas massas, anestesiadas pela ideologia servida diuturnamente pela mídia burguesa, não tenham consciência disto, o que é outra conversa.
Nota-se neste caso o fenômeno que, em outra época e região, o líder da revolução chinesa, Mao Tse-tung, caracterizou como “identidade entre luta de classes e luta nacional”, ou seja, a luta nacional é também luta de classes. O entrelaçamento é óbvio. É conveniente lembrar que o partido da burguesia chinesa (Kuomintang), aliado ao imperialismo, foi derrotado pelos comunistas na revolução de 1949 e sua tropa fugiu para Taiwan, onde se instalou ancorada no poder militar dos EUA. Se ganhasse a guerra civil, a China, nas mãos da burguesia, continuaria vassala das grandes potências capitalistas e não seria o que é hoje.
Independência classista
As nações não existem à margem e nem acima das classes e suas contradições. As lutas políticas e os entrechoques de interesses de grupos e classes sociais ocorrem em geral nos marcos dos territórios nacionais, a não ser em caso de guerra ou ocupação estrangeira. Hoje em dia os interesses e as posições políticas das classes mais relevantes do capitalismo, a burguesia e o proletariado, divergem profundamente no que diz respeito à abordagem da questão nacional e especialmente em relação ao imperialismo.
No Brasil, como na Venezuela e em muitos outros países da Nossa América, a burguesia enquanto classe apoiou majoritariamente a Área de Livre Comércio da América (Alca) proposta pelos EUA e que, conforme denunciou Lula, não seria mais que uma anexação das economias da região pelo império. Os movimentos sociais, que representam trabalhadores, foram radicalmente contra desde que a ideia foi lançada em 1994 e a Alca só foi sepultada, em 2005, depois que políticos ligados à classe trabalhadora (como Chávez na Venezuela, Lula no Brasil e Morales na Bolívia) foram eleitos presidentes de seus respetivos países. Viúvas da Alca choram até hoje a sua morte e clamam pela sua ressureição, ao mesmo tempo em que amaldiçoam a Celac, a Unasul, a Alca, o Mercosul e o Brics.
Se a prática, conforme sugeriu Marx, é o critério da verdade, a verdade que se extrai deste e outros fatos é que a burguesia em nossa região há muito associou seus interesses aos do imperialismo e não mais lhe opõe resistência. Nem sempre foi assim.
Ao definir o seu projeto nacional a classe trabalhadora e as organizações que a representam devem resguardar, em primeiro lugar, a independência política e ideológica, sob pena de caminhar a reboque do inimigo de classe. “O projeto de desenvolvimento nacional defendido pelos representantes dos trabalhadores não pode ser o mesmo das classes dominantes, deve ter outro norte, concepções e caminhos”, propõe a CTB no documento em que justifica a bandeira do “desenvolvimento com valorização do trabalho” aprovado no seu primeiro congresso.
Interesses antagônicos
“É possível e desejável encontrar pontos de contato entre empresários e trabalhadores na defesa do crescimento, como é o caso da exigência de juros mais baixos”, pondera a central no mesmo texto (publicado em fevereiro de 2008 no livro “Desenvolvimento com valorização do trabalho”). “Todavia”, acrescenta, “são muitas as divergências antagônicas entre capital e trabalho”. É o que temos a oportunidade de ver na luta política e ideológica que se dá em torno do PL 4330. Mas não só aí.
Com sabedoria a Conclat associou o novo projeto nacional de desenvolvimento à democracia, soberania e valorização do trabalho. Já faz um tempão que a burguesia brasileira (a mesma que nas últimas eleições apoiou em massa o tucano Aécio Neves e em 1964 esteve por trás do golpe militar) não tem compromissos com a democracia, vendeu a alma e boa parte do corpo ao imperialismo em detrimento da soberania nacional e é visceralmente contra a valorização do trabalho.
Já se foi a época em que se podia falar de uma aliança entre capital e trabalho pelo desenvolvimento nacional. Os anos dourados do capitalismo não voltam mais, a era Vargas e o nacional-desenvolvimentismo de então ficaram definitivamente para trás, sofreram um golpe mortal em 1964 e desde os anos 90 do século passado o neoliberalismo (a ideologia do arrocho e da estagnação) tornou-se a bíblia da burguesia, aqui e em todo o mundo.
Não podemos abstrair da época miserável e do contexto histórico em que presentemente se desenvolve o drama humano. Vivemos um tempo de crise sistêmica do capitalismo e notório esgotamento da ordem internacional hegemonizada pelos EUA. Um tempo hostil ao reformismo e ao espírito de conciliação de classes e que cobra clareza, consciência e mobilização redobrada da classe trabalhadora na luta contra o retrocesso, por um novo projeto nacional de desenvolvimento e pelo socialismo. Tempestades bem maiores do que as que presenciamos no momento estão a caminho da história. Devemos nos preparar para enfrentá-las. A saída está na luta (e não na conciliação) de classes.
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