Por Luciano Martins Costa, no Observatório da Imprensa:
Com alguns anos de atraso, a imprensa latino-americana começa a entender a natureza do ambiente hipermediado criado pela internet – pelo menos a se considerar o que foi destacado na Conferência SIP Connect 2015, que se realiza em Miami, na Flórida.
O discurso de abertura do evento, a cargo de Alberto Ibargüen, presidente da Fundação Knight e membro da Academia de Artes e Ciências dos Estados Unidos, foi destacado na edição de quinta-feira (25/6) do Estado de S. Paulo, o jornal brasileiro que sempre teve mais protagonismo da Sociedade Interamericana de Imprensa.
E o que disse o conferencista, que mereça uma menção nos debates sobre o futuro da mídia tradicional? Afirmou que o maior desafio para a sobrevivência dos meios de comunicação na era digital “é a mudança de mentalidade”. Ele usou a criatividade artística como modelo de inovação e audácia para propor “uma nova forma de pensar” ao jornalismo moderno. Como metáfora, citou a obra do pintor Piet Mondrián, que segundo entende, “promoveu a reconciliação entre o individual e o coletivo”.
O objetivo de uma possível mudança de mentalidade na imprensa, na sua opinião, é produzir uma “filantropia informativa”. Para entender o que o conferencista pretendia dizer com essa expressão é preciso observar que ele citou como exemplos dessa “generosidade” as empresas Facebook e Google, porque concedem “poder e serviços a seus usuários, que em troca, regressam aos montes”.
Esse seria o modelo a ser seguido pelas mídias tradicionais, dando prioridade ao engajamento com suas audiências, fazendo-as participantes não apenas do conteúdo, mas da própria produção jornalística.
A Fundação Knight, criada em 1950, colabora com empresas americanas na criação de plataformas para melhorar a capacidade da imprensa de captar de forma organizada e confiável o debate público gerado no ambiente digital.
A julgar pela recepção dos jornais brasileiros, a proposta não parece animar os gestores da nossa imprensa. Captar e repercutir o pensamento da sociedade, por aqui, é uma prática que funciona exclusivamente quando os institutos de pesquisa confirmam a opinião dos editoriais. Além disso, essa suposta “generosidade” do Google e do Facebook cobra um preço alto: a privacidade do indivíduo.
Piada de mau gosto
Os debates na conferência da SIP vão se estender até sexta-feira (26), e devem incluir temas como o potencial de uso, no jornalismo, dos aparelhos móveis de comunicação, em especial telefones de múltipla utilidade. Na quinta-feira, a agenda dos participantes inclui a integração entre celulares e aplicativos de informação jornalística e a necessidade de inovação nas relações entre a mídia e as redes sociais. Ou seja: corre-se atrás da tecnologia.
Quais são as chances de a Sociedade Interamericana de Imprensa produzir um evento realmente transformador e capaz de reverter o cenário de crise que assombra as empresas tradicionais de jornalismo desde o advento da internet?
Este observador arrisca afirmar que essa possibilidade está próxima de zero, justamente porque imprensa e inovação se tornaram dois conceitos quase antagônicos nas duas últimas décadas.
Considerando-se a natureza do sistema da mídia tradicional, centralizadora e controladora por definição, a tese de Alberto Ibagüen é uma contradição em termos, uma vez que o papel de mediação, de filtragem das informações numa sociedade, cumprido classicamente pela imprensa, implica impor ao público certas escolhas – o que se contrapõe à ideia de generosidade ou “filantropia informativa” proposta pelo presidente da Fundação Knight.
Esse conceito pode até ser eventualmente considerado, nos Estados Unidos, onde a diversidade de títulos e a oferta de novos meios pulveriza a influência da mídia. Mas, na América Latina e, em especial, no Brasil, onde a propriedade dos meios é extremamente concentrada, a possibilidade dos grupos dominantes no setor de comunicação virem a adotar uma estratégia de compartilhamento é de uma candura comovedora.
Haja vista o debate sobre a questão da democratização da mídia. As empresas hegemônicas tendem a considerar uma ameaça qualquer menção a normas sobre sua atividade. Defensores do status quo chegam a produzir teses surrealistas: por exemplo, o jurista Regis de Oliveira, em artigo publicado na Folha de S. Paulo em 18/6 (ver aqui), compara a proposta de democratização da mídia às ideias de Adolf Hitler. A contestação (ver aqui) é feita na quinta-feira (25) pelo deputado estadual José Américo Dias (PT-SP).
Falar em “mudança de mentalidade” na imprensa brasileira é uma anedota de mau gosto.
O discurso de abertura do evento, a cargo de Alberto Ibargüen, presidente da Fundação Knight e membro da Academia de Artes e Ciências dos Estados Unidos, foi destacado na edição de quinta-feira (25/6) do Estado de S. Paulo, o jornal brasileiro que sempre teve mais protagonismo da Sociedade Interamericana de Imprensa.
E o que disse o conferencista, que mereça uma menção nos debates sobre o futuro da mídia tradicional? Afirmou que o maior desafio para a sobrevivência dos meios de comunicação na era digital “é a mudança de mentalidade”. Ele usou a criatividade artística como modelo de inovação e audácia para propor “uma nova forma de pensar” ao jornalismo moderno. Como metáfora, citou a obra do pintor Piet Mondrián, que segundo entende, “promoveu a reconciliação entre o individual e o coletivo”.
O objetivo de uma possível mudança de mentalidade na imprensa, na sua opinião, é produzir uma “filantropia informativa”. Para entender o que o conferencista pretendia dizer com essa expressão é preciso observar que ele citou como exemplos dessa “generosidade” as empresas Facebook e Google, porque concedem “poder e serviços a seus usuários, que em troca, regressam aos montes”.
Esse seria o modelo a ser seguido pelas mídias tradicionais, dando prioridade ao engajamento com suas audiências, fazendo-as participantes não apenas do conteúdo, mas da própria produção jornalística.
A Fundação Knight, criada em 1950, colabora com empresas americanas na criação de plataformas para melhorar a capacidade da imprensa de captar de forma organizada e confiável o debate público gerado no ambiente digital.
A julgar pela recepção dos jornais brasileiros, a proposta não parece animar os gestores da nossa imprensa. Captar e repercutir o pensamento da sociedade, por aqui, é uma prática que funciona exclusivamente quando os institutos de pesquisa confirmam a opinião dos editoriais. Além disso, essa suposta “generosidade” do Google e do Facebook cobra um preço alto: a privacidade do indivíduo.
Piada de mau gosto
Os debates na conferência da SIP vão se estender até sexta-feira (26), e devem incluir temas como o potencial de uso, no jornalismo, dos aparelhos móveis de comunicação, em especial telefones de múltipla utilidade. Na quinta-feira, a agenda dos participantes inclui a integração entre celulares e aplicativos de informação jornalística e a necessidade de inovação nas relações entre a mídia e as redes sociais. Ou seja: corre-se atrás da tecnologia.
Quais são as chances de a Sociedade Interamericana de Imprensa produzir um evento realmente transformador e capaz de reverter o cenário de crise que assombra as empresas tradicionais de jornalismo desde o advento da internet?
Este observador arrisca afirmar que essa possibilidade está próxima de zero, justamente porque imprensa e inovação se tornaram dois conceitos quase antagônicos nas duas últimas décadas.
Considerando-se a natureza do sistema da mídia tradicional, centralizadora e controladora por definição, a tese de Alberto Ibagüen é uma contradição em termos, uma vez que o papel de mediação, de filtragem das informações numa sociedade, cumprido classicamente pela imprensa, implica impor ao público certas escolhas – o que se contrapõe à ideia de generosidade ou “filantropia informativa” proposta pelo presidente da Fundação Knight.
Esse conceito pode até ser eventualmente considerado, nos Estados Unidos, onde a diversidade de títulos e a oferta de novos meios pulveriza a influência da mídia. Mas, na América Latina e, em especial, no Brasil, onde a propriedade dos meios é extremamente concentrada, a possibilidade dos grupos dominantes no setor de comunicação virem a adotar uma estratégia de compartilhamento é de uma candura comovedora.
Haja vista o debate sobre a questão da democratização da mídia. As empresas hegemônicas tendem a considerar uma ameaça qualquer menção a normas sobre sua atividade. Defensores do status quo chegam a produzir teses surrealistas: por exemplo, o jurista Regis de Oliveira, em artigo publicado na Folha de S. Paulo em 18/6 (ver aqui), compara a proposta de democratização da mídia às ideias de Adolf Hitler. A contestação (ver aqui) é feita na quinta-feira (25) pelo deputado estadual José Américo Dias (PT-SP).
Falar em “mudança de mentalidade” na imprensa brasileira é uma anedota de mau gosto.
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