Por Murilo Cleto, na revista Fórum:
No final de julho, o apresentador José Luiz Datena confirmou que pretende ser candidato a prefeito de São Paulo pelo Partido Progressista. Cortejado por PSDB e PSB, Datena fez o anúncio ao lado dos deputados Guilherme Mussi e Antonio Assunção de Olim, que tem tudo para ser seu vice, numa chapa “puro sangue”, expressão que utilizou para desconsiderar a montagem de uma coligação.
A notícia é sintomática por uma série de motivos. O primeiro deles, o mais óbvio, é que o PP de São Paulo reproduz uma prática autoritária que é predominante nos diretórios espalhados pelo país. Sem consulta a filiados ou qualquer debate interno, Datena foi lançado conforme a vontade dos caciques do partido num comunicado vertical. A escolha irritou Paulo Maluf, ainda hoje a maior referência da sigla, que já no dia seguinte afirmou apoiar Fernando Haddad novamente em 2016. Datena respondeu rápido dizendo que jamais apertaria a sua mão.
Mas não é só isso. Com a candidatura de Datena, o PP segue a tendência, anunciada há anos no Ocidente, de recrutar celebridades para o campo da política institucional. A primeira delas surgiu não por acaso na maior fábrica de celebridades do mundo, os EUA. Depois de estrelar em Hollywood por quase trinta anos, Ronald Reagan chegou à Casa Branca em 1981 já com a experiência de oito anos como governador da Califórnia, o mesmo estado que elegeu, quatro décadas depois, Arnold Schwarzenegger – o primeiro estrangeiro da história.
No Brasil, o “Dr. Hollywood”, como ficou conhecido Roberto Miguel Rey Júnior, não teve a mesma sorte. Candidato a deputado estadual pelo PSC de São Paulo, foi derrotado com 21.371 votos. Que não tenha conquistado a cadeira na Assembleia Legislativa, são mais de 20 mil apostas na sua candidatura, que esteve bem longe de ser uma das mais caras. Na capital paulista, o apresentador Celso Russomanno (PRB-SP) liderou todas as pesquisas até que, finalmente, ficou de fora do segundo turno em 2012. Dois anos depois, foi o deputado mais votado do país, com 1 milhão e meio de votos. Em Curitiba, Ratinho Jr. (PSC-PR) ficou em segundo lugar, com mais de 380 mil votos, e também foi eleito como deputado federal logo em seguida.
Reeleito em 2014, o palhaço Tiririca obteve 1,3 milhão de votos em 2010, a primeira vez que concorreu ao cargo de deputado federal. No mesmo ano, foram eleitos os ex-jogadores Bebeto (SD-RJ), Danrlei (PSD-RS) e Jardel (PSD-RS); o músico Sérgio Reis (PRB-SP); o cartola Andres Sanches (PT-SP); e o jornalista da RBS Lasier Martins (PDT-RS), que ficou nacionalmente conhecido depois que um vídeo em que toma choque viralizou na internet.
Isso sem contar, claro, aqueles que já se estabeleceram há algum tempo na política e criaram uma identidade outra além da que os alçou à fama. É o caso do ex-jogador Romário (PSB-RJ), do ex-BBB Jean Wyllys (PSOL-RJ) e da ex-sexóloga do TV Mulher, na Globo, Marta Suplicy.
Estas experiências estão muito distantes da primeira grande empreitada eleitoral de uma celebridade no país. Em 1989, o apresentador e dono do SBT Silvio Santos engatou candidatura no desconhecido Partido Municipalista Brasileiro. Junto a Lula e Collor, liderava as pesquisas e só não pôde concorrer porque, de última hora, teve a candidatura impugnada graças a um escorregão técnico da sigla.
Em Diluindo fronteiras: as novelas no cotidiano, a historiadora Esther Hamburger mostra como, antes de a TV começar a pautar costumes e posições políticas, como dita certa interpretação da sua relação com o espectador, foi ela própria, a TV, quem precisou entendê-lo para uma radical readequação da grade, até o fim dos anos 60 baseada numa erudição exótica de nenhum apelo popular que representou fracasso absoluto de audiência. Com trama, linguagem e espaço abissalmente distantes do sujeito comum, folhetins como Sheik de Agadir fizeram da TV um veículo para poucos.
Foi somente a partir de Beto Rockfeller, na TV Tupi em 1968, que o jogo começou a virar. Gírias e figurino populares tornaram-se uma excelente estratégia de aproximação com o público, até então um ilustre desconhecido. Em Irmãos Coragem, exibida em ano de Copa do Mundo, o Fla-Flu foi parar no centro da telinha, que passou a captar tendências num tenso diálogo que existe até hoje, seja sobre o drama de crianças desaparecidas e dos amores via internet em Explode Coração, a questão da terra emO Rei do Gado, o transplante de medula em Laços de Família ou, mais recentemente, relações homoafetivas em Amor à Vida e Babilônia.
Numa palavra, é possível dizer que a produção de celebridades ao longo da segunda metade do século XX esteve umbilicalmente ligada a uma relação de confiança do receptor com o polo emissor, que nunca estiveram totalmente separados. A celebridade é, antes de tudo, alguém em quem o espectador se reconhece. O primeiro grande apresentador alemão, Peter Frankenfeld, não se tornou uma delas por falar de modo rebuscado para parecer um gênio instalado em espaço privilegiado, mas por se dirigir às câmeras de maneira simples e modesta, como qualquer um do lado de cá.
No final de julho, o apresentador José Luiz Datena confirmou que pretende ser candidato a prefeito de São Paulo pelo Partido Progressista. Cortejado por PSDB e PSB, Datena fez o anúncio ao lado dos deputados Guilherme Mussi e Antonio Assunção de Olim, que tem tudo para ser seu vice, numa chapa “puro sangue”, expressão que utilizou para desconsiderar a montagem de uma coligação.
A notícia é sintomática por uma série de motivos. O primeiro deles, o mais óbvio, é que o PP de São Paulo reproduz uma prática autoritária que é predominante nos diretórios espalhados pelo país. Sem consulta a filiados ou qualquer debate interno, Datena foi lançado conforme a vontade dos caciques do partido num comunicado vertical. A escolha irritou Paulo Maluf, ainda hoje a maior referência da sigla, que já no dia seguinte afirmou apoiar Fernando Haddad novamente em 2016. Datena respondeu rápido dizendo que jamais apertaria a sua mão.
Mas não é só isso. Com a candidatura de Datena, o PP segue a tendência, anunciada há anos no Ocidente, de recrutar celebridades para o campo da política institucional. A primeira delas surgiu não por acaso na maior fábrica de celebridades do mundo, os EUA. Depois de estrelar em Hollywood por quase trinta anos, Ronald Reagan chegou à Casa Branca em 1981 já com a experiência de oito anos como governador da Califórnia, o mesmo estado que elegeu, quatro décadas depois, Arnold Schwarzenegger – o primeiro estrangeiro da história.
No Brasil, o “Dr. Hollywood”, como ficou conhecido Roberto Miguel Rey Júnior, não teve a mesma sorte. Candidato a deputado estadual pelo PSC de São Paulo, foi derrotado com 21.371 votos. Que não tenha conquistado a cadeira na Assembleia Legislativa, são mais de 20 mil apostas na sua candidatura, que esteve bem longe de ser uma das mais caras. Na capital paulista, o apresentador Celso Russomanno (PRB-SP) liderou todas as pesquisas até que, finalmente, ficou de fora do segundo turno em 2012. Dois anos depois, foi o deputado mais votado do país, com 1 milhão e meio de votos. Em Curitiba, Ratinho Jr. (PSC-PR) ficou em segundo lugar, com mais de 380 mil votos, e também foi eleito como deputado federal logo em seguida.
Reeleito em 2014, o palhaço Tiririca obteve 1,3 milhão de votos em 2010, a primeira vez que concorreu ao cargo de deputado federal. No mesmo ano, foram eleitos os ex-jogadores Bebeto (SD-RJ), Danrlei (PSD-RS) e Jardel (PSD-RS); o músico Sérgio Reis (PRB-SP); o cartola Andres Sanches (PT-SP); e o jornalista da RBS Lasier Martins (PDT-RS), que ficou nacionalmente conhecido depois que um vídeo em que toma choque viralizou na internet.
Isso sem contar, claro, aqueles que já se estabeleceram há algum tempo na política e criaram uma identidade outra além da que os alçou à fama. É o caso do ex-jogador Romário (PSB-RJ), do ex-BBB Jean Wyllys (PSOL-RJ) e da ex-sexóloga do TV Mulher, na Globo, Marta Suplicy.
Estas experiências estão muito distantes da primeira grande empreitada eleitoral de uma celebridade no país. Em 1989, o apresentador e dono do SBT Silvio Santos engatou candidatura no desconhecido Partido Municipalista Brasileiro. Junto a Lula e Collor, liderava as pesquisas e só não pôde concorrer porque, de última hora, teve a candidatura impugnada graças a um escorregão técnico da sigla.
Em Diluindo fronteiras: as novelas no cotidiano, a historiadora Esther Hamburger mostra como, antes de a TV começar a pautar costumes e posições políticas, como dita certa interpretação da sua relação com o espectador, foi ela própria, a TV, quem precisou entendê-lo para uma radical readequação da grade, até o fim dos anos 60 baseada numa erudição exótica de nenhum apelo popular que representou fracasso absoluto de audiência. Com trama, linguagem e espaço abissalmente distantes do sujeito comum, folhetins como Sheik de Agadir fizeram da TV um veículo para poucos.
Foi somente a partir de Beto Rockfeller, na TV Tupi em 1968, que o jogo começou a virar. Gírias e figurino populares tornaram-se uma excelente estratégia de aproximação com o público, até então um ilustre desconhecido. Em Irmãos Coragem, exibida em ano de Copa do Mundo, o Fla-Flu foi parar no centro da telinha, que passou a captar tendências num tenso diálogo que existe até hoje, seja sobre o drama de crianças desaparecidas e dos amores via internet em Explode Coração, a questão da terra emO Rei do Gado, o transplante de medula em Laços de Família ou, mais recentemente, relações homoafetivas em Amor à Vida e Babilônia.
Numa palavra, é possível dizer que a produção de celebridades ao longo da segunda metade do século XX esteve umbilicalmente ligada a uma relação de confiança do receptor com o polo emissor, que nunca estiveram totalmente separados. A celebridade é, antes de tudo, alguém em quem o espectador se reconhece. O primeiro grande apresentador alemão, Peter Frankenfeld, não se tornou uma delas por falar de modo rebuscado para parecer um gênio instalado em espaço privilegiado, mas por se dirigir às câmeras de maneira simples e modesta, como qualquer um do lado de cá.
Não é à toa que o futuro candidato do PP ostente hoje o salário de R$ 650 mil na Band. Que sejam os programas policiais uma verdadeira máquina de matar no Brasil contemporâneo, eles são também a realização de um imaginário médio que lincha e executa na periferia muito antes de a televisão existir. E, mais que isso, traduzem a predominante sensação de insegurança que serve de álibi para as mais diversas agressões cotidianas no país, em meio a uma profunda crise de representatividade política que parece não encontrar fim. Hoje, de acordo com a última pesquisa da OAB, os partidos políticos são as instituições menos confiáveis para os brasileiros, apenas 7%, no momento em que as Forças Armadas lideram o ranking com ampla vantagem. E o resultado desta equação já não é mais novidade para ninguém.
Reside nesta raiz a chave para a compreensão deste fenômeno que leva para os espaços consagrados do poder celebridades das mais diversas, depositando nelas uma confiança que já não existe mais nas siglas partidárias e na política institucional. Estivesse vivo para seguir o caminho trilhado por A Era do Capital, A Era das Revoluções, A Era dos Impérios e Era dos Extremos, quando traçou uma anatomia dos séculos XIX e XX, o historiador Eric Hobsbawm teria tudo para um possível e necessário A Era das Celebridades. Material é o que não falta.
Isso porque, ao que tudo indica, não haverá ruptura neste empreendimento lucrativo. Pelo contrário, a tendência é que a sociedade que converte tudo em espetáculo tenha cada vez mais a política como um dos seus palcos. Nos EUA, a celebridade política da vez é Donald Trump, grande aposta dos republicanos para voltar à Casa Branca, milionário que gosta de recorrer a frases de efeito e polêmicas que escancaram, na verdade, boa parte das intolerâncias americanas abafadas pelos pequenos avanços progressistas conduzidos por Barack Obama.
Já no Brasil, o instituto de pesquisas que causou euforia nos tucanos em 2014 apontou que o segundo turno em São Paulo será entre Russomanno e Datena. É ver para crer. Mas, para quem já viu até aqui, na era das celebridades, duvidar é também ser negligente consigo mesmo.
Reside nesta raiz a chave para a compreensão deste fenômeno que leva para os espaços consagrados do poder celebridades das mais diversas, depositando nelas uma confiança que já não existe mais nas siglas partidárias e na política institucional. Estivesse vivo para seguir o caminho trilhado por A Era do Capital, A Era das Revoluções, A Era dos Impérios e Era dos Extremos, quando traçou uma anatomia dos séculos XIX e XX, o historiador Eric Hobsbawm teria tudo para um possível e necessário A Era das Celebridades. Material é o que não falta.
Isso porque, ao que tudo indica, não haverá ruptura neste empreendimento lucrativo. Pelo contrário, a tendência é que a sociedade que converte tudo em espetáculo tenha cada vez mais a política como um dos seus palcos. Nos EUA, a celebridade política da vez é Donald Trump, grande aposta dos republicanos para voltar à Casa Branca, milionário que gosta de recorrer a frases de efeito e polêmicas que escancaram, na verdade, boa parte das intolerâncias americanas abafadas pelos pequenos avanços progressistas conduzidos por Barack Obama.
Já no Brasil, o instituto de pesquisas que causou euforia nos tucanos em 2014 apontou que o segundo turno em São Paulo será entre Russomanno e Datena. É ver para crer. Mas, para quem já viu até aqui, na era das celebridades, duvidar é também ser negligente consigo mesmo.
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