Foto: Felipe Bianchi |
O Coletivo Futebol, Mídia e Democracia, fundado a partir do Centro de Estudos da Mídia Alternativa Barão de Itararé, promoveu um debate nesta terça-feira (11), em São Paulo, para marcar o lançamento de seu manifesto. A atividade contou com a presença do jornalista e blogueiro Luiz Carlos Azenha (Viomundo), da repórter Camila Mattoso (ESPN Brasil) e do ex-jogador Adauto, campeão brasileiro pelo Atlético/PR em 2001 e atualmente no Sport Club Atibaia.
Com a presença de torcedores, estudantes e ativistas sociais, os debatedores falaram sobre temas como a falta de democracia nas instituições que comandam o futebol brasileiro e a questão dos direitos de transmissão, monopolizados pela Rede Globo. Azenha também aproveitou a ocasião para lançar o livro 'O lado sujo do futebol' (Ed. Planeta), do qual é co-autor (veja a capa ao lado).
“Na investigação do livro”, explica o jornalista, “percebi como é central, no futebol brasileiro, a os direitos de transmissão”. Não é por acaso, segundo ele, que os escândalos recentes envolvendo a FIFA e a Confederação Brasileira de Futebol (CBF) são, em boa parte, em torno de contratos obscuros nessa área. “Para se ter noção da importância do tema, os direitos de transmissão representam cerca de 70% da receita dos clubes brasileiros”.
Para escancarar o grau de promiscuidade entre a entidade-chefe do futebol brasileiro e a Rede Globo, Azenha citou a resposta da CBF quando questionada pelo Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE) sobre o modelo de negociação dos direitos de forma individual com os clubes. “O CADE perguntou se a entidade considerava o modelo benéfico ou maléfico para o desenvolvimento de um campeonato competitivo. A resposta da CBF foi que os clubes é quem devem decidir qual a forma de negociação a ser adotada, e que em sua visão, o modelo vigente não causa nenhum impacto na competitividade do campeonato”.
Repórter de bastidores, Camila Mattoso avalia que a falta de organização dos clubes provocam brechas para a Globo impor seu monopólio. “A apuração diária permite constatar que os problemas só não só piores porque os clubes não sabem lidar com o grande volume de dinheiro que corre no meio”, opina. “A Globo tem culpa? Tem. Mas clubes também são responsáveis, pois assinam termos de contrato e se submetem às negociações impostas pela emissora e aos regulamentos da CBF”.
Como os clubes têm enorme dificuldade para sentar e discutir o problema de forma unitária, a Globo se aproveita e, por exemplo, adianta o dinheiro das cotas de transmissão, tornando gestões reféns de seu poder econômico. “O dirigente sabe que a Globo adiantou uma verba quando ele precisou, então como fazer jogo duro com eles?”, reflete.
De acordo com ela, a CBF atende a todos os interesses da emissora – o manifesto do Coletivo Futebol, Mídia e Democracia tem esse como um de seus pontos centrais. Pior que isso, a Globo utiliza intermediários para receber recursos públicos, sem ter de abrir suas contas, já que é uma entidade privada. “Se a CBF for receber dinheiro da Caixa, tem que abrir suas contas ao público. O que ela faz, então? Manda um intermediário, cuja empresa transmite, por exemplo, a Copa Verde e a Copa do Nordeste”.
A figura do intermediário, segundo Azenha, tem um papel bastante claro no futebol brasileiro: o pagamento de propinas. “Se você olhar para as grandes ligas esportivas dos Estados Unidos, por exemplo, não existem intermediários. Aqui, eles estão presentes em todos negócios da CBF. É um propinoduto, como aponta a investigação que fizemos no livro”, dispara.
Caminhos para um futebol democrático e desenvolvido
“O Brasil é pré-capitalista quando se trata de futebol”, afirma Azenha. “Cidades como Manaus e Cuiabá tem grandes estádios e nenhum clube, distorções causadas pelo fato de que a televisão, maior fonte de receita do esporte, discrimina clubes e regiões”. “Sem exposição”, acrescenta, “o clube tem mais dificuldade para vender patrocínio, vender produtos e atrair o interesse dos moradores de sua região”.
A experiência da Argentina, que rompeu com o monopólio do grupo Clarin, pode servir de inspiração para o Brasil, opina o jornalista. “São seis emissoras, além da TV Pública, que transmitem praticamente todos os jogos do campeonato”. Antes, o Clarin não apenas monopolizava a transmissão como passava apenas um jogo por rodada – e na TV paga, somente.
A tarefa inicial para reverter o sintomático placar de 7 a 1 sofrido na Copa do Mundo de 2014, em casa, contra a Alemanha, é disseminar informações e desconstruir a relação entre CBF e Rede Globo, avalia Azenha. “Minha sugestão ao Coletivo é trabalhar essas questões centrais, deixando claro onde estão os focos dos problemas a serem resolvidos para termos um futebol competitivo”.
Elogiosa ao Coletivo, Camila Mattoso acredita que iniciativas que partam da sociedade podem ajudar a pautar esse debate nos meios de comunicação. Jornalista da ESPN, ela exalta o fato de gozar de liberdade e independência em seu trabalho. “Quando jornalista fala de futebol, o público geralmente quer saber quem está no departamento médico, quem vai jogar, quem será contratado. Cobrir bastidores, muitas vezes, é ser tachado de 'mala'”, brinca. “A nossa luta é constante para mostrar que esses assuntos também podem dar audiência e retorno, pois são fundamentais para o esporte”.
Representante feminina na mesa, Mattoso aproveitou para falar sobre as dificuldades de ser mulher no jornalismo esportivo. “É difícil e exige cuidados, sim. Tem que ter alguns critérios específicos para não deixar nada mal-entendido”, comenta. O preconceito ainda existe, de acordo com ela. Para muitos – alguns até colegas de trabalho – se é mulher e conseguiu boas informações, é porque trapaceou e usou recursos antiprofissionais.
“Há um ambiente no Brasil de que o futebol não é terra de ninguém. Defender e discutir temas como homofobia, racismo e questões de gênero não é 'chatice'”, critica. “Chamar de 'macaco' ou de 'bicha' não se justifica 'só porque é futebol”, conclui.
Visão dentro das quatro linhas
Formando pelo Santo André, Adauto acumulou passagens por Ponte Preta, Atlético/PR, Santa Cruz, Nacional de Montevidéu e até por equipes da Alemanha, Eslováquia e República Checa. “O debate colocado pelo coletivo é fundamental”, diz. “Represento 95% de jogadores de futebol do país”, afirma, referindo-se aos atletas de divisões inferiores e clubes menores, que ganham pouco e sofrem bastante com as mazelas do esporte.
“O que vejo de ilegal é o monopólio da Globo”, opina Adauto. “Nessa classe dos 95% de jogadores, que estão fora da série A do Campeonato Brasileiro, sentimos bastante a discriminação que a Globo faz em relação aos nossos clubes e torneios”.
Segundo ele, clubes desorganizados, que “varrem a sujeira para debaixo do tapete”, contribuem para o quadro atual. “Um clube bem organizado pode brigar por mais recursos”, acredita. “Quitar dívidas com atletas e com o governo, manter salários em dia e fazer um trabalho profissional é um caminho para os clubes superarem esse desafio”.
Para Adauto, as mudanças urgentes das quais carece o futebol brasileiros só vão acontecer se partirem dos atletas marginalizados em relação à elite do esporte, de jornalistas como Luiz Carlos Azenha e Camila Mattoso, e de iniciativas como o Coletivo Futebol, Mídia e Democracia.
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