Por Jean Wyllys, na revista CartaCapital:
O fundamentalismo religioso e o fascismo estão atingindo níveis realmente assustadores. No município de Nova Iguaçu (RJ), a Câmara Municipal aprovou uma lei absolutamente inconstitucional que proíbe a divulgação, exposição e distribuição de livros (sim, livros!), cartazes, filmes, faixas ou materiais didáticos que contenham informações sobre diversidade sexual, combate à homofobia e direitos dos homossexuais, entre outros temas, nas escolas da rede municipal.
Você deve estar se perguntando se eu acabei de inventar isso ou se é notícia do site de humor Sensacionalista. Não, infelizmente, não. A "lei" foi sancionada pelo prefeito e publicada no Diário Oficial.
Enquanto isso, no Recife, o vereador Carlos Gueiros, do PSB (o partido do falecido Eduardo Campos), propôs a realização de uma queima de livros (vou repetir: queima de livros!) que tratem da diversidade sexual.
Tudo isso acontece pouco depois de, no Rio de Janeiro, um secretário de Direitos Humanos (já felizmente exonerado do cargo) ter feito declarações anticientíficas e discriminatórias sobre a homossexualidade; e de diversas câmaras de vereadores e prefeituras terem sofrido a pressão da ala reacionária da Igreja Católica e das igrejas neopentecostais para eliminar toda referência a gênero nos planos municipais de educação.
Até mesmo a palavra "transversalidade" – um conceito usado para fazer referência a uma prática pedagógica que nada tem a ver com a sexualidade – foi banida em algumas cidades porque vereadores ignorantes (a maioria ligada a igrejas evangélicas fundamentalistas) achavam que o prefixo "trans" se referia a travestis é transexuais.
Resta alguma dúvida de vivermos a ascensão do império da estupidez motivada?
Todo relato anterior não passaria de uma piada (afinal, qual é o valor dessas leis absurdas? Será que se eu for lançar meu último livro, Tempo bom, tempo ruim, em uma escola de Nova Iguaçu, o prefeito vai mandar a Guarda Municipal me prender?) se não houvesse a legitimação institucional e política do discurso de ódio, que tem como consequência última o aumento da violência.
Cada vez que uma barbaridade dessas acontece nas casas legislativas estaduais, municipais e federal, novos casos de violência dura contra pessoas LGBT se sucedem. É só repassar as notícias diárias para constatar o que afirmo.
Apenas nesta semana, tivemos dois casos terríveis. Em Itanhaém (SP), Priscila da Costa, de 25 anos, foi assassinada a tiros na frente da namorada após reagir aos insultos homofóbicos num bar; em São José dos Campos (SP), um estudante do segundo ano do ensino médio foi agredido com pauladas, socos e chutes por outros estudantes na porta da escola.
O recrudescimento da violência homofóbica (termo que já ganhou textualidade social e se refere a mais do que seu sentido técnico estrito, incluindo as violências contra os membros da comunidade LGBT como um todo, sendo, óbvio, as travestis e mulheres e homens trans pobres os mais vulneráveis) se reproduz num contexto de excessiva polarização política, reacionarismo no poder Legislativo (não só no Congresso Nacional, mas nas assembleias legislativas e câmaras de vereadores), demonização da agenda política progressista e humanista, ataques às liberdades civis, crescimento do fundamentalismo religioso e do fascismo – todo esse obscurantismo associado ao crescente acesso de pessoas às novas tecnologias da comunicação, que, apesar dos benefícios que nos trazem, também favorecem a desinformação, o declínio do bom senso e a difamação de pessoas.
É óbvio que, num contexto assombroso desses (agravado pela crise econômica mundial e pelo fim da festa do consumo e da "fartura" promovida pelos anos do lulo-petismo), as primeiras e preferenciais vítimas são sempre os grupos historicamente odiados e difamados por conta de preconceitos profundamente arraigados na alma de uma maioria que nunca teve acesso, de fato, a uma educação de qualidade nem às artes vivas, porque o sistema político nunca permitiu.
E se é verdade que a identidade de classe e/ou étnica (o fato de uma pessoa ser pobre e/ou negra de pele preta) amplia a vulnerabilidade do sujeito LGBT (uma mulher negra lésbica e pobre é mais vulnerável que um homem gay branco e pobre), não é menos verdadeiro que a homofobia se expressa em todas as classes sociais e que o fato de uma pessoa ser negra e pobre – logo, vítima de discriminações negativas por conta dessas identificações – não a torna automaticamente solidária ou empática em relação aos homossexuais e transexuais (são frequentes os relatos de violência homofóbica, inclusive doméstica em bairros de periferias, favelas e bolsões de miséria).
A homofobia é um problema seríssimo. Os organismos internacionais de Direitos Humanos há anos cobram, do Estado brasileiro, uma resposta eficaz contra esse mal em todas as suas nuances.
Se a era FHC foi absolutamente negligente em relação a essa questão, a era Lula-Dilma foi pouco além dos discursos bem-intencionados e, para nosso mal, acabou por empoderar os inimigos dessa agenda.
Ao fim e ao cabo, a situação pouco mudou para nós. Aqueles que prometiam uma mudança que incluiria a todos e todas, que garantiria direitos, que valorizaria a diversidade e dignificaria a vida dos sempre oprimidos pouco fizeram de fato e acabaram, em função da governabilidade, aliando-se aos algozes daqueles que continuam sendo humilhados e morrendo, cada vez com mais violência.
As pessoas heterossexuais de bom-senso e não contaminadas pela estupidez motivada nem fascismo galopante precisam se dar conta de que este não é só um problema da comunidade LGBT.
Já sabemos aonde foram parar os queimadores de livros na Alemanha nazista, também enfrentando crise econômica à época. Lá também suas vítimas primeiras e preferenciais foram os judeus, os homossexuais e os comunistas, mas hoje sabemos que toda a sociedade europeia pagou um preço alto por ter, a princípio, quando as vítimas do nazismo eram tão somente os grupos difamados, feito vistas grossas à ascensão da burrice que mata.
O fundamentalismo religioso e o fascismo estão atingindo níveis realmente assustadores. No município de Nova Iguaçu (RJ), a Câmara Municipal aprovou uma lei absolutamente inconstitucional que proíbe a divulgação, exposição e distribuição de livros (sim, livros!), cartazes, filmes, faixas ou materiais didáticos que contenham informações sobre diversidade sexual, combate à homofobia e direitos dos homossexuais, entre outros temas, nas escolas da rede municipal.
Você deve estar se perguntando se eu acabei de inventar isso ou se é notícia do site de humor Sensacionalista. Não, infelizmente, não. A "lei" foi sancionada pelo prefeito e publicada no Diário Oficial.
Enquanto isso, no Recife, o vereador Carlos Gueiros, do PSB (o partido do falecido Eduardo Campos), propôs a realização de uma queima de livros (vou repetir: queima de livros!) que tratem da diversidade sexual.
Tudo isso acontece pouco depois de, no Rio de Janeiro, um secretário de Direitos Humanos (já felizmente exonerado do cargo) ter feito declarações anticientíficas e discriminatórias sobre a homossexualidade; e de diversas câmaras de vereadores e prefeituras terem sofrido a pressão da ala reacionária da Igreja Católica e das igrejas neopentecostais para eliminar toda referência a gênero nos planos municipais de educação.
Até mesmo a palavra "transversalidade" – um conceito usado para fazer referência a uma prática pedagógica que nada tem a ver com a sexualidade – foi banida em algumas cidades porque vereadores ignorantes (a maioria ligada a igrejas evangélicas fundamentalistas) achavam que o prefixo "trans" se referia a travestis é transexuais.
Resta alguma dúvida de vivermos a ascensão do império da estupidez motivada?
Todo relato anterior não passaria de uma piada (afinal, qual é o valor dessas leis absurdas? Será que se eu for lançar meu último livro, Tempo bom, tempo ruim, em uma escola de Nova Iguaçu, o prefeito vai mandar a Guarda Municipal me prender?) se não houvesse a legitimação institucional e política do discurso de ódio, que tem como consequência última o aumento da violência.
Cada vez que uma barbaridade dessas acontece nas casas legislativas estaduais, municipais e federal, novos casos de violência dura contra pessoas LGBT se sucedem. É só repassar as notícias diárias para constatar o que afirmo.
Apenas nesta semana, tivemos dois casos terríveis. Em Itanhaém (SP), Priscila da Costa, de 25 anos, foi assassinada a tiros na frente da namorada após reagir aos insultos homofóbicos num bar; em São José dos Campos (SP), um estudante do segundo ano do ensino médio foi agredido com pauladas, socos e chutes por outros estudantes na porta da escola.
O recrudescimento da violência homofóbica (termo que já ganhou textualidade social e se refere a mais do que seu sentido técnico estrito, incluindo as violências contra os membros da comunidade LGBT como um todo, sendo, óbvio, as travestis e mulheres e homens trans pobres os mais vulneráveis) se reproduz num contexto de excessiva polarização política, reacionarismo no poder Legislativo (não só no Congresso Nacional, mas nas assembleias legislativas e câmaras de vereadores), demonização da agenda política progressista e humanista, ataques às liberdades civis, crescimento do fundamentalismo religioso e do fascismo – todo esse obscurantismo associado ao crescente acesso de pessoas às novas tecnologias da comunicação, que, apesar dos benefícios que nos trazem, também favorecem a desinformação, o declínio do bom senso e a difamação de pessoas.
É óbvio que, num contexto assombroso desses (agravado pela crise econômica mundial e pelo fim da festa do consumo e da "fartura" promovida pelos anos do lulo-petismo), as primeiras e preferenciais vítimas são sempre os grupos historicamente odiados e difamados por conta de preconceitos profundamente arraigados na alma de uma maioria que nunca teve acesso, de fato, a uma educação de qualidade nem às artes vivas, porque o sistema político nunca permitiu.
E se é verdade que a identidade de classe e/ou étnica (o fato de uma pessoa ser pobre e/ou negra de pele preta) amplia a vulnerabilidade do sujeito LGBT (uma mulher negra lésbica e pobre é mais vulnerável que um homem gay branco e pobre), não é menos verdadeiro que a homofobia se expressa em todas as classes sociais e que o fato de uma pessoa ser negra e pobre – logo, vítima de discriminações negativas por conta dessas identificações – não a torna automaticamente solidária ou empática em relação aos homossexuais e transexuais (são frequentes os relatos de violência homofóbica, inclusive doméstica em bairros de periferias, favelas e bolsões de miséria).
A homofobia é um problema seríssimo. Os organismos internacionais de Direitos Humanos há anos cobram, do Estado brasileiro, uma resposta eficaz contra esse mal em todas as suas nuances.
Se a era FHC foi absolutamente negligente em relação a essa questão, a era Lula-Dilma foi pouco além dos discursos bem-intencionados e, para nosso mal, acabou por empoderar os inimigos dessa agenda.
Ao fim e ao cabo, a situação pouco mudou para nós. Aqueles que prometiam uma mudança que incluiria a todos e todas, que garantiria direitos, que valorizaria a diversidade e dignificaria a vida dos sempre oprimidos pouco fizeram de fato e acabaram, em função da governabilidade, aliando-se aos algozes daqueles que continuam sendo humilhados e morrendo, cada vez com mais violência.
As pessoas heterossexuais de bom-senso e não contaminadas pela estupidez motivada nem fascismo galopante precisam se dar conta de que este não é só um problema da comunidade LGBT.
Já sabemos aonde foram parar os queimadores de livros na Alemanha nazista, também enfrentando crise econômica à época. Lá também suas vítimas primeiras e preferenciais foram os judeus, os homossexuais e os comunistas, mas hoje sabemos que toda a sociedade europeia pagou um preço alto por ter, a princípio, quando as vítimas do nazismo eram tão somente os grupos difamados, feito vistas grossas à ascensão da burrice que mata.
1 comentários:
Sabe o que eu acho? No dia em que esses caras tipo o Azevedo e o Feliciano assumirem, melhora tudo.
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