Por Najla Passos, no site Carta Maior:
A pauta conservadora que tramita no Congresso Nacional e o uso excessivo da força policial para coibir manifestações democráticas foram algumas das violações contra os direitos humanos no Brasil apontadas pelo relatório anual da ONG Anistia Internacional, lançado esta semana simultaneamente em todo o mundo. "Os direitos humanos no país nunca correram um risco tão grande, desde a redemocratização", afirmou diretor-executivo da Anistia Internacional no Brasil. Átila Roque, em entrevista à imprensa.
De acordo com ele, isso aconteceu, em grande parte, devido ao vazio de lideranças mais comprometidas com a democracia, o que acabou abrindo espaço para diferentes matizes de conservadorismos. Para o diretor-executivo, sob a liderança do presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), os conservadors aproveitaram o vácuo para desengavetar projetos que visam desmontar a estrutura de defesa dos direitos humanos no país. "Hoje estamos enfrentando uma frente organizada para colocar abaixo essa arquitetura", denunciou Roque.
Segundo o relatório, a segurança pública e o alto número de homicídios de jovens negros continuaram entre as maiores preocupações. O estudo destaca que o relatório do Fórum Brasileiro de Segurança Pública referente a 2014 demonstra que mais de 58 mil pessoas foram vítimas de homicídios no país. Ainda conforme o estudo, o número de policiais mortos foi de 398, uma pequena queda de 2,5% com relação ao ano anterior. Já o número de pessoas mortas pela Polícia superou as 3 mil, um aumento de aproximadamente 37% com relação a 2013.
Para agravar o quadro, o relatório aponta a impunidade dos policiais envolvidos nestes crimes. “Os homicídios cometidos por policiais em serviço raramente foram investigados, e os relatos de que os agentes envolvidos tentavam alterar a cena do crime e criminalizar as vítimas eram frequentes. Policiais muitas vezes tentavam justificar as mortes como atos de legítima defesa, alegando que as vítimas teriam resistido à prisão”, justifica o texto. Como exemplo, cita o caso do Rio de Janeiro: dos 220 casos de homicídios cometidos por policiais até 2015, há somente um caso em que um policial foi indiciado. Em abril de 2015, 183 dessas investigações continuavam abertas.
Neste caso, como em vários outros, o relatório aponta a atuação do legislativo como preocupante. Segundo a ONG, embora duas Comissões Parlamentares de Inquérito (CPIs) tenham sido instaladas para investigar a morte de jovens, negros e pobres – uma na Câmara e outra no Senado -, uma lei que altera o atual Estatuto do Desarmamento para permitir maior acesso às armas de fogo ganhou impulso no Congresso. Além disso, o Brasil não ratificou o Tratado sobre o Comércio de Armas.
A superlotação extrema e as condições degradantes do sistema prisional brasileiro também são criticadas no relatório, que afirma que o governo não tomou nenhuma medida concreta para reverter o quadro. O texto destaca que, apesar do sistema prisional juvenil também apresentar superlotação, em agosto, a Câmara aprovou uma emenda à Constituição que reduz a maioridade penal de 18 para 16 anos. A anistia afirma que, caso seja aprovada também pelo Senado e sancionada pela presidenta Dilma Rousseff, a emenda violará diversas obrigações do Brasil diante da legislação internacional de direitos humanos relativa à proteção dos direitos da criança e do adolescente.
O relatório aponta o direto à liberdade de manifestação como outro frequentemente infringido no Brasil. Como exemplo, cita a forma como a polícia o Paraná tratou os professores que se manifestaram contra mudanças nas regras da previdência em 29 de fevereiro de 2015. “Os policiais usaram gás lacrimogêneo e balas de borracha para dispersar os manifestantes. Mais de 200 pessoas ficaram feridas e pelo menos sete foram detidas temporariamente”, registrou.
O documento da Anistia Internacional destacou também o perigo representando pela Lei Antiterrorismo, que acabou sendo aprovada pela Câmara na última quarta (24). Conforme a análise da organização, a legislação poderá ser usada para criminalizar ainda mais os movimentos sociais brasileiros. Na última quinta (25), a organização publicou uma nota criticando a decisão do parlamento brasileiro. “A Anistia Internacional lamenta profundamente a aprovação no dia do ontem (24/02) do projeto de lei 2016/15 que tipifica o crime de terrorismo e vê com preocupação as consequências da aprovação desta lei para a garantia do direito à manifestação e as ações dos movimentos sociais em geral”, diz.
A violação do direito à moradia também está expressa no relatório, que aponta a realização dos jogos olímpicos no Rio de Janeiro como razão para que milhares de pessoas tenham sido removidas das suas casas. “Muitas famílias não receberam a devida notificação, nem indenizações suficientes ou reassentamento adequado. A maioria das 600 famílias da comunidade de Vila Autódromo, próxima ao futuro Parque Olímpico, foi removida pela Prefeitura”, observou.
O documento tece duras críticas ao Programa Nacional de Proteção aos Defensores dos Direitos Humanos (PPDDH), que não foi capaz de oferecer a proteção prometida em suas disposições, principalmente devido à falta de recursos. O relatório aponta que os conflitos por terra e posse de recursos naturais continuaram a gerar dezenas de mortes de sindicalistas e lideranças. O rompimento da barragem da Samarco em Mariana (MG) - que deixou um rastro de mortos, feridos, desalojados e violações ambientais - também está registrado.
As ameaças contra os direitos dos povos indígenas também mereceram preocupação especial da organização. A Proposta de Emenda Constitucional 215, que transfere a prerrogativa de demarcar novas terras indígenas do executivo para o Congresso, foi objeto de severas críticas. “Caso aprovada, impactará de forma bastante negativa o acesso à terra para os povos indígenas”, ressaltou o texto.
A pauta conservadora em tramitação no Congresso é alvo de críticas também quando o relatório discute a situação dos direitos sexuais e reprodutivos das mulheres. “No fim do ano, tramitavam no Congresso Nacional alguns projetos de lei, como o Estatuto do Nascituro, que propunham criminalizar o aborto em todas as circunstâncias. Outra proposta visava impedir o acesso a abortos seguros e legais no sistema público de saúde, mesmo nos casos atualmente permitidos pela legislação brasileira, como quando a vida da mulher corre risco ou a gravidez resulta de estupro. Caso aprovada, a medida também impediria a assistência de emergência para vítimas de estupro”, alertou.
Contexto mundial
O relatório da Anistia Internacional relata as ameaças aos direitos humanos identificadas em todo o mundo. Como problema central, apresenta a questão dos refugiados. “Existem hoje mais pessoas desalojadas e em busca de refúgio em todo o mundo do que em qualquer momento desde a Segunda Guerra”, justifica o o secretário-geral da ONG, Salil Shetty, na abertura do documento.
Segundo ele, a principal causa é, de fato, a guerra na Síria. Mas o relatório também acrescenta que os problemas continuam em outras regiões do mundo. “A violência continuou a subverter os direitos humanos e as instituições em países como Brasil, México e Venezuela”, exemplifica.
A Anistia Internacional documentou quantos governos desrespeitaram a legislação internacional em 2015 nos seus contextos nacionais: mais de 98 Estados realizaram torturas ou maus-tratos e 30 ou mais países obrigaram refugiados a retornarem a países onde estariam em perigo. Em pelo menos 18 países, os governos ou grupos armados cometeram crimes de guerra e outras violações das “leis da guerra”.
A pauta conservadora que tramita no Congresso Nacional e o uso excessivo da força policial para coibir manifestações democráticas foram algumas das violações contra os direitos humanos no Brasil apontadas pelo relatório anual da ONG Anistia Internacional, lançado esta semana simultaneamente em todo o mundo. "Os direitos humanos no país nunca correram um risco tão grande, desde a redemocratização", afirmou diretor-executivo da Anistia Internacional no Brasil. Átila Roque, em entrevista à imprensa.
De acordo com ele, isso aconteceu, em grande parte, devido ao vazio de lideranças mais comprometidas com a democracia, o que acabou abrindo espaço para diferentes matizes de conservadorismos. Para o diretor-executivo, sob a liderança do presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), os conservadors aproveitaram o vácuo para desengavetar projetos que visam desmontar a estrutura de defesa dos direitos humanos no país. "Hoje estamos enfrentando uma frente organizada para colocar abaixo essa arquitetura", denunciou Roque.
Segundo o relatório, a segurança pública e o alto número de homicídios de jovens negros continuaram entre as maiores preocupações. O estudo destaca que o relatório do Fórum Brasileiro de Segurança Pública referente a 2014 demonstra que mais de 58 mil pessoas foram vítimas de homicídios no país. Ainda conforme o estudo, o número de policiais mortos foi de 398, uma pequena queda de 2,5% com relação ao ano anterior. Já o número de pessoas mortas pela Polícia superou as 3 mil, um aumento de aproximadamente 37% com relação a 2013.
Para agravar o quadro, o relatório aponta a impunidade dos policiais envolvidos nestes crimes. “Os homicídios cometidos por policiais em serviço raramente foram investigados, e os relatos de que os agentes envolvidos tentavam alterar a cena do crime e criminalizar as vítimas eram frequentes. Policiais muitas vezes tentavam justificar as mortes como atos de legítima defesa, alegando que as vítimas teriam resistido à prisão”, justifica o texto. Como exemplo, cita o caso do Rio de Janeiro: dos 220 casos de homicídios cometidos por policiais até 2015, há somente um caso em que um policial foi indiciado. Em abril de 2015, 183 dessas investigações continuavam abertas.
Neste caso, como em vários outros, o relatório aponta a atuação do legislativo como preocupante. Segundo a ONG, embora duas Comissões Parlamentares de Inquérito (CPIs) tenham sido instaladas para investigar a morte de jovens, negros e pobres – uma na Câmara e outra no Senado -, uma lei que altera o atual Estatuto do Desarmamento para permitir maior acesso às armas de fogo ganhou impulso no Congresso. Além disso, o Brasil não ratificou o Tratado sobre o Comércio de Armas.
A superlotação extrema e as condições degradantes do sistema prisional brasileiro também são criticadas no relatório, que afirma que o governo não tomou nenhuma medida concreta para reverter o quadro. O texto destaca que, apesar do sistema prisional juvenil também apresentar superlotação, em agosto, a Câmara aprovou uma emenda à Constituição que reduz a maioridade penal de 18 para 16 anos. A anistia afirma que, caso seja aprovada também pelo Senado e sancionada pela presidenta Dilma Rousseff, a emenda violará diversas obrigações do Brasil diante da legislação internacional de direitos humanos relativa à proteção dos direitos da criança e do adolescente.
O relatório aponta o direto à liberdade de manifestação como outro frequentemente infringido no Brasil. Como exemplo, cita a forma como a polícia o Paraná tratou os professores que se manifestaram contra mudanças nas regras da previdência em 29 de fevereiro de 2015. “Os policiais usaram gás lacrimogêneo e balas de borracha para dispersar os manifestantes. Mais de 200 pessoas ficaram feridas e pelo menos sete foram detidas temporariamente”, registrou.
O documento da Anistia Internacional destacou também o perigo representando pela Lei Antiterrorismo, que acabou sendo aprovada pela Câmara na última quarta (24). Conforme a análise da organização, a legislação poderá ser usada para criminalizar ainda mais os movimentos sociais brasileiros. Na última quinta (25), a organização publicou uma nota criticando a decisão do parlamento brasileiro. “A Anistia Internacional lamenta profundamente a aprovação no dia do ontem (24/02) do projeto de lei 2016/15 que tipifica o crime de terrorismo e vê com preocupação as consequências da aprovação desta lei para a garantia do direito à manifestação e as ações dos movimentos sociais em geral”, diz.
A violação do direito à moradia também está expressa no relatório, que aponta a realização dos jogos olímpicos no Rio de Janeiro como razão para que milhares de pessoas tenham sido removidas das suas casas. “Muitas famílias não receberam a devida notificação, nem indenizações suficientes ou reassentamento adequado. A maioria das 600 famílias da comunidade de Vila Autódromo, próxima ao futuro Parque Olímpico, foi removida pela Prefeitura”, observou.
O documento tece duras críticas ao Programa Nacional de Proteção aos Defensores dos Direitos Humanos (PPDDH), que não foi capaz de oferecer a proteção prometida em suas disposições, principalmente devido à falta de recursos. O relatório aponta que os conflitos por terra e posse de recursos naturais continuaram a gerar dezenas de mortes de sindicalistas e lideranças. O rompimento da barragem da Samarco em Mariana (MG) - que deixou um rastro de mortos, feridos, desalojados e violações ambientais - também está registrado.
As ameaças contra os direitos dos povos indígenas também mereceram preocupação especial da organização. A Proposta de Emenda Constitucional 215, que transfere a prerrogativa de demarcar novas terras indígenas do executivo para o Congresso, foi objeto de severas críticas. “Caso aprovada, impactará de forma bastante negativa o acesso à terra para os povos indígenas”, ressaltou o texto.
A pauta conservadora em tramitação no Congresso é alvo de críticas também quando o relatório discute a situação dos direitos sexuais e reprodutivos das mulheres. “No fim do ano, tramitavam no Congresso Nacional alguns projetos de lei, como o Estatuto do Nascituro, que propunham criminalizar o aborto em todas as circunstâncias. Outra proposta visava impedir o acesso a abortos seguros e legais no sistema público de saúde, mesmo nos casos atualmente permitidos pela legislação brasileira, como quando a vida da mulher corre risco ou a gravidez resulta de estupro. Caso aprovada, a medida também impediria a assistência de emergência para vítimas de estupro”, alertou.
Contexto mundial
O relatório da Anistia Internacional relata as ameaças aos direitos humanos identificadas em todo o mundo. Como problema central, apresenta a questão dos refugiados. “Existem hoje mais pessoas desalojadas e em busca de refúgio em todo o mundo do que em qualquer momento desde a Segunda Guerra”, justifica o o secretário-geral da ONG, Salil Shetty, na abertura do documento.
Segundo ele, a principal causa é, de fato, a guerra na Síria. Mas o relatório também acrescenta que os problemas continuam em outras regiões do mundo. “A violência continuou a subverter os direitos humanos e as instituições em países como Brasil, México e Venezuela”, exemplifica.
A Anistia Internacional documentou quantos governos desrespeitaram a legislação internacional em 2015 nos seus contextos nacionais: mais de 98 Estados realizaram torturas ou maus-tratos e 30 ou mais países obrigaram refugiados a retornarem a países onde estariam em perigo. Em pelo menos 18 países, os governos ou grupos armados cometeram crimes de guerra e outras violações das “leis da guerra”.
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