Por Alceu Luís Castilho, no site Outras Palavras:
A frase de Júlio César a Brutus provavelmente nunca foi dita: “Até tu, meu filho?” Hoje, na cena brasileira, seria impensável. Pois a presidente traída precisa comunicar à imprensa a reação ao vice-presidente traidor, que, por sua vez, terá exposto pela imprensa a própria traição. Sem diálogo direto entre os protagonistas. Vivemos em tempos de traição mediada, onde os meios de comunicação são utilizados como instrumento político. A própria mídia, que gosta de se apresentar como defensora da democracia, aparece como Judas central dessa história.
Michel Temer faz parte de uma tradição – palavra que tem a mesma origem latina de traição – de personagens melífluos e ardilosos. Ainda que sem a mesma capacidade de fingimento que a literatura ou o cinema costumam atribuir aos conspiradores. Seu esboço inacabado de sorriso dificilmente convidaria a uma confiança absoluta. Mas foi colocado lá, na vice-presidência, num sistema político onde o exercício da traição já foi assimilado como linguagem, entre tapinhas nas costas e vazamentos para jornalistas que julgam estar dando furos na mesma medida em que participam da trama.
William Shakespeare retratou a história de Júlio Cesar, mas consagrou o tema da traição com Iago. Mas quem imaginaria hoje a credulidade de Otelo? Incorporada ao jogo político, com sua ética peculiar, a traição faz parte tão intrínseca dessa paisagem que um sujeito mais sincero, como o ex-senador Eduardo Suplicy, costuma ser apresentado – não por acaso, pela mesma imprensa venenosa – como um personagem “ingênuo”, “bobo”, de qualquer forma um peixe fora d’água. É como se todos torcessem pela perfídia.
A traição move montanhas de democracia. O golpe de 1964 teve no general Amaury Kruel um desses personagens infames. E vejam só que outro personagem aparece nessa história: “Fiesp subornou general para trair Jango, diz coronel à Comissão da Verdade de SP“. Ué, a Fiesp subornando o ministro da Guerra de João Goulartc om US$ 1,2 milhão, em pleno 31 de março de 1964? De fato, o Brasil não é para amadores – e a capacidade de traição é vista como condição para esse “profissionalismo” de empresários e políticos.
Este país que assiste a um bolão do impeachment e a uma romaria à casa do traidor já teve dezenas de outros personagens infames. Qualquer semelhança de Temer com o Amigo da Onça, de Péricles, não será mera coincidência. Mas podemos nos lembrar também de Calabar, o senhor de engenho pernambucano que se aliou aos holandeses. O nome da peça de Chico Buarque e Ruy Guerra (de 1973, liberada somente em 1979) é sintomático: “Calabar, o elogio da traição”. O perfil imaginário de um Calabar bem intencionado era apenas um pretexto para se refletir sobre censura e veracidade da imprensa – uma peça muito atual, portanto.
A frase de Júlio César a Brutus provavelmente nunca foi dita: “Até tu, meu filho?” Hoje, na cena brasileira, seria impensável. Pois a presidente traída precisa comunicar à imprensa a reação ao vice-presidente traidor, que, por sua vez, terá exposto pela imprensa a própria traição. Sem diálogo direto entre os protagonistas. Vivemos em tempos de traição mediada, onde os meios de comunicação são utilizados como instrumento político. A própria mídia, que gosta de se apresentar como defensora da democracia, aparece como Judas central dessa história.
Michel Temer faz parte de uma tradição – palavra que tem a mesma origem latina de traição – de personagens melífluos e ardilosos. Ainda que sem a mesma capacidade de fingimento que a literatura ou o cinema costumam atribuir aos conspiradores. Seu esboço inacabado de sorriso dificilmente convidaria a uma confiança absoluta. Mas foi colocado lá, na vice-presidência, num sistema político onde o exercício da traição já foi assimilado como linguagem, entre tapinhas nas costas e vazamentos para jornalistas que julgam estar dando furos na mesma medida em que participam da trama.
William Shakespeare retratou a história de Júlio Cesar, mas consagrou o tema da traição com Iago. Mas quem imaginaria hoje a credulidade de Otelo? Incorporada ao jogo político, com sua ética peculiar, a traição faz parte tão intrínseca dessa paisagem que um sujeito mais sincero, como o ex-senador Eduardo Suplicy, costuma ser apresentado – não por acaso, pela mesma imprensa venenosa – como um personagem “ingênuo”, “bobo”, de qualquer forma um peixe fora d’água. É como se todos torcessem pela perfídia.
A traição move montanhas de democracia. O golpe de 1964 teve no general Amaury Kruel um desses personagens infames. E vejam só que outro personagem aparece nessa história: “Fiesp subornou general para trair Jango, diz coronel à Comissão da Verdade de SP“. Ué, a Fiesp subornando o ministro da Guerra de João Goulartc om US$ 1,2 milhão, em pleno 31 de março de 1964? De fato, o Brasil não é para amadores – e a capacidade de traição é vista como condição para esse “profissionalismo” de empresários e políticos.
Este país que assiste a um bolão do impeachment e a uma romaria à casa do traidor já teve dezenas de outros personagens infames. Qualquer semelhança de Temer com o Amigo da Onça, de Péricles, não será mera coincidência. Mas podemos nos lembrar também de Calabar, o senhor de engenho pernambucano que se aliou aos holandeses. O nome da peça de Chico Buarque e Ruy Guerra (de 1973, liberada somente em 1979) é sintomático: “Calabar, o elogio da traição”. O perfil imaginário de um Calabar bem intencionado era apenas um pretexto para se refletir sobre censura e veracidade da imprensa – uma peça muito atual, portanto.
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