Por Mino Carta, na revista CartaCapital:
A rapidez de raciocínio de Michel Temer pareceu-me demonstrada na quarta-feira 20. Disse ele que a história do golpe prejudica a imagem do Brasil no exterior. Observação impecável. Prejudica muito. Além da conta.
Mundo afora, ganha substância a percepção de que o paraquedista do impeachment, arguto professor, prepara-se para assumir o comando de um governo inexoravelmente ilegítimo. A despeito de sua sagacidade, permito-me formular uma pergunta aos meus céticos botões: será que percebe sua condição de títere do momento?
Lá está porque convém ter à mão quem se habilita a conferir uma aparência ao resultado contingente do golpe de Estado ao sabor de uma falsa, irrecorrível, indisfarçável ilegalidade. Nada o garante, contudo, na perspectiva do amanhã sombrio, a galopar ao seu encontro. Títeres são facilmente intercambiáveis e um vale tanto quanto o outro.
Como diz Massimo D’Alema na entrevista que me precede, o Brasil recua várias décadas. Recua, porém, em um mundo e um país bem diferentes daqueles de 40, 50, 60 anos atrás. É como se recuasse em outra dimensão. Cheguei em São Paulo há exatos 70 anos e a cidade onde vivo até hoje tinha 1,5 milhão de habitantes, civilizada e deliciosamente provinciana, prometia ser uma das mais importantes metrópoles do mundo e o Brasil era, com méritos, o país do futuro.
Começos dos anos 60. A população paulistana chegava aos 3 milhões. No entorno crescia um parque industrial digno da contemporaneidade, capaz de produzir, algum dia quem sabe próximo, um proletariado, ou, por outra, o eleitorado cativo e consciente de um partido de esquerda. Sonhava-se com as reformas de base, enquanto a sombra de Cuba se alastrava pela América Latina. Era o caldo de cultura ideal para o conluio da casa-grande com Tio Sam.
Hoje o enredo desenrolado em novo cenário nacional e internacional, e que no caso de São Paulo apresenta uma metrópole abnorme e doente, mantém empresários e comerciantes brasileiros nas costumeiras posturas reacionárias, mas, de saída, discrepa no silêncio dos banqueiros e no comportamento exemplar da Forças Armadas diante de um golpe de feitio inusitado.
Além da previsível tibieza da Suprema Corte, há de se registrar como novidades a contribuição decisiva de um juizeco de província e de iletrados promotores, a assombrosa conivência policial e a clamorosa parvoíce de um Congresso, habitado por hipócritas e canalhas, ou simplesmente canalhas hipócritas.
A mídia nativa merece uma observação especial. No Brasil atual ela não é quarto poder, mesmo porque os demais não existem, é o primeiro, na qualidade de instrumento mais eficaz da casa-grande.
Os barões midiáticos e seus sabujos, sem exclusão de quem nos informa a respeito do belo porte físico de Michel Temer, não praticam o jornalismo e sim a propaganda, como diz Massimo D’Alema. Dispensam os fatos e desconhecem por completo a ética profissional. Isso tudo produz um espetáculo único a bem do deboche mundial.
Na sua entrevista, o líder esquerdista pronuncia em italiano duas palavras intraduzíveis: cavillo e resipiscenza. Aquela significa o truque, o engano, o ardil, destinado a justificar uma ação escusa ou criminosa.
A outra indica a atitude de quem se dispõe a repensar na situação que criou, de revê-la para se habilitar à reparação do erro. A primeira é constatação. A segunda não chega a revelar uma esperança, pois D’Alema não acredita na resipiscenza dos golpistas.
A solução, recomendável a esta altura da crise, também para o entrevistado estaria na convocação de eleições gerais o mais breve possível, como meio de repor a situação nos eixos democráticos, com a possibilidade de reformar um Parlamento hoje inconfiável. Há tempo, tal é a tese de muitos, de CartaCapital inclusive. Talvez se trate, infelizmente, de uma saída sábia demais.
Outro aspecto a ressaltar, o fato de que ser oposição de um governo ilegítimo está longe de configurar “uma situação desprezível”, conforme D’Alema. Esta poderia ser a notável oportunidade de devolver o PT às consignas traídas e de reaglutinar as forças de esquerda do Oiapoque ao Chuí. Trabalho para Lula, está claro, e com dedicação total.
A rapidez de raciocínio de Michel Temer pareceu-me demonstrada na quarta-feira 20. Disse ele que a história do golpe prejudica a imagem do Brasil no exterior. Observação impecável. Prejudica muito. Além da conta.
Mundo afora, ganha substância a percepção de que o paraquedista do impeachment, arguto professor, prepara-se para assumir o comando de um governo inexoravelmente ilegítimo. A despeito de sua sagacidade, permito-me formular uma pergunta aos meus céticos botões: será que percebe sua condição de títere do momento?
Lá está porque convém ter à mão quem se habilita a conferir uma aparência ao resultado contingente do golpe de Estado ao sabor de uma falsa, irrecorrível, indisfarçável ilegalidade. Nada o garante, contudo, na perspectiva do amanhã sombrio, a galopar ao seu encontro. Títeres são facilmente intercambiáveis e um vale tanto quanto o outro.
Como diz Massimo D’Alema na entrevista que me precede, o Brasil recua várias décadas. Recua, porém, em um mundo e um país bem diferentes daqueles de 40, 50, 60 anos atrás. É como se recuasse em outra dimensão. Cheguei em São Paulo há exatos 70 anos e a cidade onde vivo até hoje tinha 1,5 milhão de habitantes, civilizada e deliciosamente provinciana, prometia ser uma das mais importantes metrópoles do mundo e o Brasil era, com méritos, o país do futuro.
Começos dos anos 60. A população paulistana chegava aos 3 milhões. No entorno crescia um parque industrial digno da contemporaneidade, capaz de produzir, algum dia quem sabe próximo, um proletariado, ou, por outra, o eleitorado cativo e consciente de um partido de esquerda. Sonhava-se com as reformas de base, enquanto a sombra de Cuba se alastrava pela América Latina. Era o caldo de cultura ideal para o conluio da casa-grande com Tio Sam.
Hoje o enredo desenrolado em novo cenário nacional e internacional, e que no caso de São Paulo apresenta uma metrópole abnorme e doente, mantém empresários e comerciantes brasileiros nas costumeiras posturas reacionárias, mas, de saída, discrepa no silêncio dos banqueiros e no comportamento exemplar da Forças Armadas diante de um golpe de feitio inusitado.
Além da previsível tibieza da Suprema Corte, há de se registrar como novidades a contribuição decisiva de um juizeco de província e de iletrados promotores, a assombrosa conivência policial e a clamorosa parvoíce de um Congresso, habitado por hipócritas e canalhas, ou simplesmente canalhas hipócritas.
A mídia nativa merece uma observação especial. No Brasil atual ela não é quarto poder, mesmo porque os demais não existem, é o primeiro, na qualidade de instrumento mais eficaz da casa-grande.
Os barões midiáticos e seus sabujos, sem exclusão de quem nos informa a respeito do belo porte físico de Michel Temer, não praticam o jornalismo e sim a propaganda, como diz Massimo D’Alema. Dispensam os fatos e desconhecem por completo a ética profissional. Isso tudo produz um espetáculo único a bem do deboche mundial.
Na sua entrevista, o líder esquerdista pronuncia em italiano duas palavras intraduzíveis: cavillo e resipiscenza. Aquela significa o truque, o engano, o ardil, destinado a justificar uma ação escusa ou criminosa.
A outra indica a atitude de quem se dispõe a repensar na situação que criou, de revê-la para se habilitar à reparação do erro. A primeira é constatação. A segunda não chega a revelar uma esperança, pois D’Alema não acredita na resipiscenza dos golpistas.
A solução, recomendável a esta altura da crise, também para o entrevistado estaria na convocação de eleições gerais o mais breve possível, como meio de repor a situação nos eixos democráticos, com a possibilidade de reformar um Parlamento hoje inconfiável. Há tempo, tal é a tese de muitos, de CartaCapital inclusive. Talvez se trate, infelizmente, de uma saída sábia demais.
Outro aspecto a ressaltar, o fato de que ser oposição de um governo ilegítimo está longe de configurar “uma situação desprezível”, conforme D’Alema. Esta poderia ser a notável oportunidade de devolver o PT às consignas traídas e de reaglutinar as forças de esquerda do Oiapoque ao Chuí. Trabalho para Lula, está claro, e com dedicação total.
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