Por Vilma Bokany, na revista Teoria e Debate:
A Fundação Perseu Abramo realizou pesquisas nas manifestações a favor e contra o impeachment da presidenta Dilma Rousseff na Avenida Paulista, em São Paulo, respectivamente nos dias 13 e 18 de março de 2016, com o objetivo de mapear o perfil e as opiniões dos participantes, assim como fizera em março do ano anterior (no dia 13 o ato foi em defesa do governo e no dia 15, contra), o que possibilita uma análise comparativa.
Neste ano, os manifestantes pró-impeachment, com renda média em torno de 10 salários mínimos (R$ 8.823) e escolaridade superior (76%; na população apenas 11% possuem ensino superior), estão longe de representar a sociedade brasileira. Aqueles que foram às ruas no dia 18 em defesa da democracia também apresentam escolaridade e renda acima da média, 70% têm curso superior e renda familiar média de 7 salários mínimos (R$ 6.530), ainda que inferiores aos primeiros. Na faixa de renda abaixo de 2 salários mínimos, na qual estão 71% da população brasileira, segundo o Censo do IBGE, houve apenas 7% de representantes na manifestação do dia 13 e 16% no dia 18.
Assim, quem esteve nas ruas contra ou a favor do impeachment, ao menos em São Paulo, é a classe média, com acesso a melhor padrão de renda e escolaridade. Diferenciam-se, entretanto, quanto a faixa etária e raça. Com representação mais adequada das características da população brasileira, participantes do ato em defesa da democracia apresentam 4 anos a menos que a média etária entre os manifestantes pró-impeachment, do dia 13 de março (45 anos). Nesta, a juventude, que é um terço da população brasileira (36%), foi sub-representada, com metade da participação do ano anterior (14% até 29 anos, perante 28% em 2015), enquanto no dia 18 a juventude (16 a 29 anos) foi responsável por 30% da participação no ato.
Do ponto de vista da raça, os manifestantes presentes na Av. Paulista no último dia 18, contra o impeachment, 50% brancos e 40% não brancos, representam de maneira mais similar a composição racial do país (48% brancos e 51% não brancos). Já entre o público presente na manifestação do dia 13, pró-impeachment, verificou-se uma predominância de indivíduos que se declararam brancos (70% brancos e 30% não brancos).
Idade
Raça
Razões da manifestação
Como em 2015, o principal motivo alegado por 58% dos manifestantes que foram às ruas no dia 13 de março deste ano foi a corrupção, pouco mais de um terço (39%) foi pedir o impeachment e se manifestar contra o governo, e 22% foram reivindicar mudança na política. Já entre os que foram às ruas no último dia 18, dois terços o fizeram em defesa do governo Dilma (64%) e mais da metade declarou estar nas ruas em defesa da democracia (54%).
Em ambas as manifestações, as pautas tradicionais relativas a direitos sociais estiveram em segundo plano, com baixíssima menção. A grande disputa das ruas está em torno do impeachment do atual governo, acusando-o de corrupto, contra a pauta de defesa da democracia e da legitimidade do governo eleito.
Se é verdade que os que vão às ruas pedir o impeachment protestam contra a corrupção, é bem verdade que essa corrupção é seletiva, o “Fora PT” e a prisão de Lula figuram como pautas importantes, com 21% e 6% de menções. No entanto, não se observa menções a políticos ligados a outros partidos, e mesmo ao presidente da Câmara Eduardo Cunha, cujo processo de cassação se estende no Conselho de Ética da Câmara, com fartas denúncias de corrupção.
De outro lado, o enfrentamento em defesa do governo Dilma traz consigo o apoio ao PT e a Lula (ambos com 11% de menções). A polarização é clara e torna esse momento um dos mais tensos vividos em nossa recente democracia.
Motivações que levaram a comparecer à manifestação (estimulada, %):
Pergunta: Porque você veio a esse ato? O que você busca atingir com esse ato? Qual o objetivo para você?
Quase a totalidade dos que foram à manifestação do dia 13 considera que tanto Dilma quanto Lula estão envolvidos em esquemas de corrupção denunciados pela Operação Lava Jato (93% e 98%, respectivamente). Entre os que foram à manifestação no dia 18 de março, a maioria (79%) acredita que Dilma não está envolvida em denúncias da Lava-Jato (taxa que cresceu 9 pontos percentuais em relação ao ano passado) e cerca de dois terços têm a mesma opinião sobre o ex-presidente Lula.
A despeito da ausência de provas e do modo obscuro e parcial como o juiz Sérgio Moro, responsável pela Operação Lava Jato, tem atuado no caso, a grande maioria (91%) dos manifestantes do dia 13 considerou justa a condução coercitiva de Lula à Polícia Federal. Esse fato foi o que possivelmente motivou a manifestação mais massiva do dia 18, na qual 54% consideraram a ação exagerada, e 35%, injusta (totalizando 89% de reprovação).
Predomina entre os manifestantes pró-impeachment a ideia de que hoje aparecem mais denúncias porque, de fato, a corrupção aumentou desde o governo Lula (78%, 10 pontos percentuais a mais em relação ao ano passado) e 17% consideram que sempre houve muita corrupção, até mais em outros governos. Já entre quase dois terços (61%) dos manifestantes contra o impeachment hoje aparecem mais denúncias porque o governo Dilma combate mais a corrupção e 34% ponderam que sempre houve muita corrupção, até mais em outros governos.
Para ambos os públicos predomina a ideia de que a corrupção é o principal problema do Brasil, apontado por 66% dos manifestantes do dia 13 e 23% dos manifestantes do dia 18 e superando de longe, no primeiro grupo, problemas como educação (7%), inflação e saúde (4%, ambos). Entre os que defendem a democracia e são contra o impeachment, embora a corrupção lidere, os demais problemas apontados, como educação (14%) e a desigualdade social (10%) ganham maior relevância.
Crise política ou econômica
A visão que os dois grupos têm do país na última década também é ponto de divergência. Entre os que apoiam o impeachment, 85% consideram que hoje o país está pior do que há dez anos, enquanto os que são contra são mais otimistas (76%) ao dizer que o país melhorou nesse período.
Ainda que o negativismo prevaleça entre os primeiros, quando avaliam sua condição pessoal, a percepção de que sua vida piorou no mesmo período cai para 48%, enquanto para 29% a vida pessoal melhorou e 21% não observaram mudanças. Entre os manifestantes que apoiam o governo Dilma, a percepção de que a vida melhorou nos últimos 10 anos é majoritária (78%), enquanto 13% não observam mudanças e apenas 7% a consideram pior no último período.
Em relação às expectativas econômicas, a maior parte dos manifestantes do dia 13 (77%) acredita que a inflação vai aumentar daqui para frente, assim como 86% avaliam que o desemprego também crescerá. Entre os que são contra o impeachment, atualmente prevalece a ideia de que a inflação deve diminuir daqui para a frente (39%), embora 24% consideram que deve ficar como está e 22% acreditam que vai aumentar; entre esses, pouco mais de um terço acredita que o desemprego vai diminuir, 24% consideram que vai ficar como está e 26% apostam no aumento do desemprego.
Apesar de a crise econômica se revelar menos intensa que a política, 86% dos manifestantes pró-impeachment consideram que o atual governo não tem condições de resolver os problemas econômicos do país, enquanto 72% dos que foram às ruas contra o impeachment acreditam que esse governo tem capacidade para resolver esses problemas, mas precisa de mais tempo, e 13% avaliam que nenhum governo é capaz de resolver, opinião com a qual 7% dos pró-impeachment compartilham.
Na opinião de metade dos manifestantes pró-impeachment (48%), a responsabilidade pela crise política e econômica atual cabe a todos os membros do governo, 19% atribuem a culpa da crise unicamente à presidenta Dilma Rousseff e 18% a Lula. Já os que foram às ruas contra o impeachment dividem a atribuição da responsabilidade pela crise entre o Congresso Nacional (34%) e a oposição (33%), enquanto 17% atribuem a todos os membros do governo.
Questionados, perante a atual crise, sobre qual seria a melhor solução para o país, cerca de dois terços (66%) dos manifestantes do dia 13 acham que a presidenta Dilma Rousseff deve sofrer impeachment, com novas eleições ainda neste ano. Somente 7% pensam que o melhor é que Dilma sofra o impeachment e seu vice presidente Michel Temer assuma o governo até o final de 2018 e 8% acham que ela deveria renunciar em favor do vice. A solução prevista pelo impeachment, qual seja, cassação do mandato da presidenta eleita e posse do vice não é a mais adequada, mesmo entre aqueles que a reclamam nas ruas.
Posicionamento sobre o impeachment (estimulada, %):
Pergunta: Nesse momento, o que você acha que seria o melhor para o país?
Entre os manifestantes do dia 18, a grande maioria (93%) pondera que Dilma não deve sofrer impeachment. No entanto, a expectativa de que venha de fato a ocorrer aumentou significativamente entre os dois tipos de manifestantes: em 2015, 40% dos que foram às ruas protestar contra o governo acreditavam de fato nessa hipótese, e hoje 70% apostam que haverá o impeachment. Entre os que apoiam o governo, 10% acreditavam no ano passado na possibilidade do impeachment, e hoje 18% consideram esse desfecho possível, mas 71% desses ainda são otimistas quanto a não haver impeachment.
Quanto a quem poderia solucionar a crise atual, um em cada quatro manifestantes pró-impeachment não sabe, 21% pensam que o Congresso Nacional teria essa competência, enquanto 16% acreditam que a oposição pode resolver e 12% apostam em Aécio Neves. Já entre os manifestantes que apoiam o governo, Lula divide a expectativa de solução da crise (26%), com todos os membros do governo (25%), seguidos pela própria presidenta Dilma (19%).
Crise política - principal responsável (estimulada, %):
Pergunta: O Brasil está vivendo uma crise política. Na sua opinião, quem é o principal responsável por esta crise política pela qual o Brasil está vivendo?
Crise Política - quem pode solucionar (estimulada, %):
Pergunta: E na sua opinião, quem pode solucionar a crise política que o Brasil está vivendo?
Polarização política
Metade (51%) dos manifestantes pró-impeachment não declara preferência por nenhum partido político, percentual que aumentou 8 pontos em relação ao ano passado. O PSDB é o partido que lidera, com 27% da preferência partidária desse grupo. Entre os manifestantes contra o impeachment, ao contrário, metade (52%) declara preferência pelo PT e 25% pelo PSOL, partido que mais ampliou sua participação nas manifestações contra o impeachment em 2016 (10% de participação em março de 2015), e 13% dentre esses manifestantes não têm preferência por nenhum partido político.
A conotação e polarização política das manifestações é evidente: entre os manifestantes pró-impeachment, 62% votaram em Aécio no primeiro turno das eleições de 2014 e 11% em Marina. Já no segundo turno, expressiva maioria (76%) votou em Aécio. Entre os manifestantes contra o impeachment, Dilma recebeu 69% dos votos do primeiro turno da eleição de 2014 e Luciana Genro 14%; no segundo turno 87% dos manifestantes declaram votar em Dilma.
Ainda que Aécio tenha obtido cerca de dois terços dos votos em primeiro turno do pleito passado, entre os manifestantes pró-impeachment, se houvesse novas eleições, hoje, obteria apenas 32%. Portanto, teria perdido 30% de seu eleitorado da eleição passada, possivelmente para Jair Bolsonaro seu principal concorrente, que recebeu 27% das intenções de voto entre esses manifestantes. De outro lado, entre os manifestantes do dia 18, se houvesse novas eleições hoje, uma vez que Dilma não poderia candidatar-se, perante as opções apresentadas – Lula, Aécio Neves, Marina Silva, Jair Bolsonaro e Ciro Gomes –, 68% votariam em Lula para presidente e 10% em Ciro Gomes.
Quanto ao posicionamento no espectro político, numa escala de 1 a 7, em que 1 significa extrema esquerda e 7 extrema direita, a maior parte dos manifestantes pró-impeachment se autodeclarou de direita (44%) ou centro (40%), enquanto entre os manifestantes contra o impeachment 83% se autodeclararam de esquerda.
Auto-posicionamento no espectro esquerda/direita (estimulada e única; %):
Perguntas: Quando o assunto é política, muita gente fala em atitudes ou ideias de esquerda e de direita. Onde você se colocaria, considerando as suas próprias ideias? (2015 e 2016)
Manifestantes de ambos os encontros defendem que a democracia é sempre melhor do que qualquer outra forma de governo (85% e 93%, respectivamente nos dias 13 e 18), porém 11% dos manifestantes pró-impeachment admitem que em certas situações é melhor uma ditadura do que um regime democrático, ideia que 3% dos contra o impeachment admitem. De alguma maneira, 24% dos manifestantes pró-impeachment são favoráveis que em certas situações é melhor uma ditadura do que um regime democrático enquanto apenas 7% dos contra o impeachment se posiciona total ou parcialmente favorável a essa afirmação. E, ainda, 79% dos manifestantes pró-impeachment concordam que em situações de muita desordem os militares devem ser chamados a intervir (19% discordam), afirmação com que dois terços (64%) dos que não apoiam o impeachment discordam e 30% concordam.
É consenso entre os dois públicos que todo governo deve tentar reduzir as diferenças sociais (94% dos pró-impeachment e 99% dos contra concordam com essa afirmação), porém se opõem radicalmente quanto às formas de fazê-lo. Entre os que defendem o impeachment, 81% concordam que pessoas que recebem programas sociais, como o Bolsa Família, ficam preguiçosas, enquanto 84% dos que se manifestaram contra o impeachment discordam; 91% dos pró-impeachment acreditam que o PT fez um grande mal para o Brasil, com o que 88% dos contra discordam; uma vez que 95% desses dizem que o governo Lula trouxe muitos benefícios para o Brasil, afirmação com que 67% dos pró-impeachment discordam.
Por fim, os protestos pró-impeachment estão longe de buscar saneamento e moralização geral da política. A oposição à corrupção que emana das ruas parece ter como único alvo a destituição do atual governo, o fim do PT como partido político e do projeto desenvolvido ao longo dos dois governos Lula e no primeiro Dilma, que priorizou a redução da desigualdade social. O que alguns chamam de impeachment, sem provas ou crimes que o caracterizem como tal, nada mais é, que um golpe contra um governo legitimamente eleito e a democracia.
***
Tipo de pesquisa: Quantitativa, realizada face a face, com aplicação de questionário estruturado, de cerca de 20 minutos de duração, composto por questões fechadas.
Universo: Público presente nas manifestações dos dias 13 e 15 de março de 2015 e 13 e 18 de março de 2016, na Av. Paulista, em São Paulo.
Amostra: Nas manifestações pró-impeachment foram realizadas 534 entrevistas em 15-03-2015 e 435 entrevistas em 13-03-2016. Nas manifestações contra impeachment, 305 entrevistas em 13-03-2015 e 409 entrevistas em 18-03-2016.
Margem de erro: A margem de erro para a amostra de 15 de março de 2015 é de 4,13 e em 13 de março de 2016 é de 4,7 pontos percentuais para mais ou para menos, com intervalo de confiança de 95%. A margem de erro de 13 de março de 2015 é 5,4% e em 18 de março de 2016, 4,84%. Intervalo de confiança de 95%.
Data de campo: 13 e 15 de março de 2015 e 13 e 18 de março de 2016.
Realização: Núcleo de Estudos de Opinião Pública da Fundação Perseu Abramo.
* Vilma Bokany é socióloga.
A Fundação Perseu Abramo realizou pesquisas nas manifestações a favor e contra o impeachment da presidenta Dilma Rousseff na Avenida Paulista, em São Paulo, respectivamente nos dias 13 e 18 de março de 2016, com o objetivo de mapear o perfil e as opiniões dos participantes, assim como fizera em março do ano anterior (no dia 13 o ato foi em defesa do governo e no dia 15, contra), o que possibilita uma análise comparativa.
Neste ano, os manifestantes pró-impeachment, com renda média em torno de 10 salários mínimos (R$ 8.823) e escolaridade superior (76%; na população apenas 11% possuem ensino superior), estão longe de representar a sociedade brasileira. Aqueles que foram às ruas no dia 18 em defesa da democracia também apresentam escolaridade e renda acima da média, 70% têm curso superior e renda familiar média de 7 salários mínimos (R$ 6.530), ainda que inferiores aos primeiros. Na faixa de renda abaixo de 2 salários mínimos, na qual estão 71% da população brasileira, segundo o Censo do IBGE, houve apenas 7% de representantes na manifestação do dia 13 e 16% no dia 18.
Assim, quem esteve nas ruas contra ou a favor do impeachment, ao menos em São Paulo, é a classe média, com acesso a melhor padrão de renda e escolaridade. Diferenciam-se, entretanto, quanto a faixa etária e raça. Com representação mais adequada das características da população brasileira, participantes do ato em defesa da democracia apresentam 4 anos a menos que a média etária entre os manifestantes pró-impeachment, do dia 13 de março (45 anos). Nesta, a juventude, que é um terço da população brasileira (36%), foi sub-representada, com metade da participação do ano anterior (14% até 29 anos, perante 28% em 2015), enquanto no dia 18 a juventude (16 a 29 anos) foi responsável por 30% da participação no ato.
Do ponto de vista da raça, os manifestantes presentes na Av. Paulista no último dia 18, contra o impeachment, 50% brancos e 40% não brancos, representam de maneira mais similar a composição racial do país (48% brancos e 51% não brancos). Já entre o público presente na manifestação do dia 13, pró-impeachment, verificou-se uma predominância de indivíduos que se declararam brancos (70% brancos e 30% não brancos).
Idade
Raça
Razões da manifestação
Como em 2015, o principal motivo alegado por 58% dos manifestantes que foram às ruas no dia 13 de março deste ano foi a corrupção, pouco mais de um terço (39%) foi pedir o impeachment e se manifestar contra o governo, e 22% foram reivindicar mudança na política. Já entre os que foram às ruas no último dia 18, dois terços o fizeram em defesa do governo Dilma (64%) e mais da metade declarou estar nas ruas em defesa da democracia (54%).
Em ambas as manifestações, as pautas tradicionais relativas a direitos sociais estiveram em segundo plano, com baixíssima menção. A grande disputa das ruas está em torno do impeachment do atual governo, acusando-o de corrupto, contra a pauta de defesa da democracia e da legitimidade do governo eleito.
Se é verdade que os que vão às ruas pedir o impeachment protestam contra a corrupção, é bem verdade que essa corrupção é seletiva, o “Fora PT” e a prisão de Lula figuram como pautas importantes, com 21% e 6% de menções. No entanto, não se observa menções a políticos ligados a outros partidos, e mesmo ao presidente da Câmara Eduardo Cunha, cujo processo de cassação se estende no Conselho de Ética da Câmara, com fartas denúncias de corrupção.
De outro lado, o enfrentamento em defesa do governo Dilma traz consigo o apoio ao PT e a Lula (ambos com 11% de menções). A polarização é clara e torna esse momento um dos mais tensos vividos em nossa recente democracia.
Motivações que levaram a comparecer à manifestação (estimulada, %):
Pergunta: Porque você veio a esse ato? O que você busca atingir com esse ato? Qual o objetivo para você?
Quase a totalidade dos que foram à manifestação do dia 13 considera que tanto Dilma quanto Lula estão envolvidos em esquemas de corrupção denunciados pela Operação Lava Jato (93% e 98%, respectivamente). Entre os que foram à manifestação no dia 18 de março, a maioria (79%) acredita que Dilma não está envolvida em denúncias da Lava-Jato (taxa que cresceu 9 pontos percentuais em relação ao ano passado) e cerca de dois terços têm a mesma opinião sobre o ex-presidente Lula.
A despeito da ausência de provas e do modo obscuro e parcial como o juiz Sérgio Moro, responsável pela Operação Lava Jato, tem atuado no caso, a grande maioria (91%) dos manifestantes do dia 13 considerou justa a condução coercitiva de Lula à Polícia Federal. Esse fato foi o que possivelmente motivou a manifestação mais massiva do dia 18, na qual 54% consideraram a ação exagerada, e 35%, injusta (totalizando 89% de reprovação).
Predomina entre os manifestantes pró-impeachment a ideia de que hoje aparecem mais denúncias porque, de fato, a corrupção aumentou desde o governo Lula (78%, 10 pontos percentuais a mais em relação ao ano passado) e 17% consideram que sempre houve muita corrupção, até mais em outros governos. Já entre quase dois terços (61%) dos manifestantes contra o impeachment hoje aparecem mais denúncias porque o governo Dilma combate mais a corrupção e 34% ponderam que sempre houve muita corrupção, até mais em outros governos.
Para ambos os públicos predomina a ideia de que a corrupção é o principal problema do Brasil, apontado por 66% dos manifestantes do dia 13 e 23% dos manifestantes do dia 18 e superando de longe, no primeiro grupo, problemas como educação (7%), inflação e saúde (4%, ambos). Entre os que defendem a democracia e são contra o impeachment, embora a corrupção lidere, os demais problemas apontados, como educação (14%) e a desigualdade social (10%) ganham maior relevância.
Crise política ou econômica
A visão que os dois grupos têm do país na última década também é ponto de divergência. Entre os que apoiam o impeachment, 85% consideram que hoje o país está pior do que há dez anos, enquanto os que são contra são mais otimistas (76%) ao dizer que o país melhorou nesse período.
Ainda que o negativismo prevaleça entre os primeiros, quando avaliam sua condição pessoal, a percepção de que sua vida piorou no mesmo período cai para 48%, enquanto para 29% a vida pessoal melhorou e 21% não observaram mudanças. Entre os manifestantes que apoiam o governo Dilma, a percepção de que a vida melhorou nos últimos 10 anos é majoritária (78%), enquanto 13% não observam mudanças e apenas 7% a consideram pior no último período.
Em relação às expectativas econômicas, a maior parte dos manifestantes do dia 13 (77%) acredita que a inflação vai aumentar daqui para frente, assim como 86% avaliam que o desemprego também crescerá. Entre os que são contra o impeachment, atualmente prevalece a ideia de que a inflação deve diminuir daqui para a frente (39%), embora 24% consideram que deve ficar como está e 22% acreditam que vai aumentar; entre esses, pouco mais de um terço acredita que o desemprego vai diminuir, 24% consideram que vai ficar como está e 26% apostam no aumento do desemprego.
Apesar de a crise econômica se revelar menos intensa que a política, 86% dos manifestantes pró-impeachment consideram que o atual governo não tem condições de resolver os problemas econômicos do país, enquanto 72% dos que foram às ruas contra o impeachment acreditam que esse governo tem capacidade para resolver esses problemas, mas precisa de mais tempo, e 13% avaliam que nenhum governo é capaz de resolver, opinião com a qual 7% dos pró-impeachment compartilham.
Na opinião de metade dos manifestantes pró-impeachment (48%), a responsabilidade pela crise política e econômica atual cabe a todos os membros do governo, 19% atribuem a culpa da crise unicamente à presidenta Dilma Rousseff e 18% a Lula. Já os que foram às ruas contra o impeachment dividem a atribuição da responsabilidade pela crise entre o Congresso Nacional (34%) e a oposição (33%), enquanto 17% atribuem a todos os membros do governo.
Questionados, perante a atual crise, sobre qual seria a melhor solução para o país, cerca de dois terços (66%) dos manifestantes do dia 13 acham que a presidenta Dilma Rousseff deve sofrer impeachment, com novas eleições ainda neste ano. Somente 7% pensam que o melhor é que Dilma sofra o impeachment e seu vice presidente Michel Temer assuma o governo até o final de 2018 e 8% acham que ela deveria renunciar em favor do vice. A solução prevista pelo impeachment, qual seja, cassação do mandato da presidenta eleita e posse do vice não é a mais adequada, mesmo entre aqueles que a reclamam nas ruas.
Posicionamento sobre o impeachment (estimulada, %):
Pergunta: Nesse momento, o que você acha que seria o melhor para o país?
Entre os manifestantes do dia 18, a grande maioria (93%) pondera que Dilma não deve sofrer impeachment. No entanto, a expectativa de que venha de fato a ocorrer aumentou significativamente entre os dois tipos de manifestantes: em 2015, 40% dos que foram às ruas protestar contra o governo acreditavam de fato nessa hipótese, e hoje 70% apostam que haverá o impeachment. Entre os que apoiam o governo, 10% acreditavam no ano passado na possibilidade do impeachment, e hoje 18% consideram esse desfecho possível, mas 71% desses ainda são otimistas quanto a não haver impeachment.
Quanto a quem poderia solucionar a crise atual, um em cada quatro manifestantes pró-impeachment não sabe, 21% pensam que o Congresso Nacional teria essa competência, enquanto 16% acreditam que a oposição pode resolver e 12% apostam em Aécio Neves. Já entre os manifestantes que apoiam o governo, Lula divide a expectativa de solução da crise (26%), com todos os membros do governo (25%), seguidos pela própria presidenta Dilma (19%).
Crise política - principal responsável (estimulada, %):
Pergunta: O Brasil está vivendo uma crise política. Na sua opinião, quem é o principal responsável por esta crise política pela qual o Brasil está vivendo?
Crise Política - quem pode solucionar (estimulada, %):
Pergunta: E na sua opinião, quem pode solucionar a crise política que o Brasil está vivendo?
Polarização política
Metade (51%) dos manifestantes pró-impeachment não declara preferência por nenhum partido político, percentual que aumentou 8 pontos em relação ao ano passado. O PSDB é o partido que lidera, com 27% da preferência partidária desse grupo. Entre os manifestantes contra o impeachment, ao contrário, metade (52%) declara preferência pelo PT e 25% pelo PSOL, partido que mais ampliou sua participação nas manifestações contra o impeachment em 2016 (10% de participação em março de 2015), e 13% dentre esses manifestantes não têm preferência por nenhum partido político.
A conotação e polarização política das manifestações é evidente: entre os manifestantes pró-impeachment, 62% votaram em Aécio no primeiro turno das eleições de 2014 e 11% em Marina. Já no segundo turno, expressiva maioria (76%) votou em Aécio. Entre os manifestantes contra o impeachment, Dilma recebeu 69% dos votos do primeiro turno da eleição de 2014 e Luciana Genro 14%; no segundo turno 87% dos manifestantes declaram votar em Dilma.
Ainda que Aécio tenha obtido cerca de dois terços dos votos em primeiro turno do pleito passado, entre os manifestantes pró-impeachment, se houvesse novas eleições, hoje, obteria apenas 32%. Portanto, teria perdido 30% de seu eleitorado da eleição passada, possivelmente para Jair Bolsonaro seu principal concorrente, que recebeu 27% das intenções de voto entre esses manifestantes. De outro lado, entre os manifestantes do dia 18, se houvesse novas eleições hoje, uma vez que Dilma não poderia candidatar-se, perante as opções apresentadas – Lula, Aécio Neves, Marina Silva, Jair Bolsonaro e Ciro Gomes –, 68% votariam em Lula para presidente e 10% em Ciro Gomes.
Quanto ao posicionamento no espectro político, numa escala de 1 a 7, em que 1 significa extrema esquerda e 7 extrema direita, a maior parte dos manifestantes pró-impeachment se autodeclarou de direita (44%) ou centro (40%), enquanto entre os manifestantes contra o impeachment 83% se autodeclararam de esquerda.
Auto-posicionamento no espectro esquerda/direita (estimulada e única; %):
Perguntas: Quando o assunto é política, muita gente fala em atitudes ou ideias de esquerda e de direita. Onde você se colocaria, considerando as suas próprias ideias? (2015 e 2016)
Manifestantes de ambos os encontros defendem que a democracia é sempre melhor do que qualquer outra forma de governo (85% e 93%, respectivamente nos dias 13 e 18), porém 11% dos manifestantes pró-impeachment admitem que em certas situações é melhor uma ditadura do que um regime democrático, ideia que 3% dos contra o impeachment admitem. De alguma maneira, 24% dos manifestantes pró-impeachment são favoráveis que em certas situações é melhor uma ditadura do que um regime democrático enquanto apenas 7% dos contra o impeachment se posiciona total ou parcialmente favorável a essa afirmação. E, ainda, 79% dos manifestantes pró-impeachment concordam que em situações de muita desordem os militares devem ser chamados a intervir (19% discordam), afirmação com que dois terços (64%) dos que não apoiam o impeachment discordam e 30% concordam.
É consenso entre os dois públicos que todo governo deve tentar reduzir as diferenças sociais (94% dos pró-impeachment e 99% dos contra concordam com essa afirmação), porém se opõem radicalmente quanto às formas de fazê-lo. Entre os que defendem o impeachment, 81% concordam que pessoas que recebem programas sociais, como o Bolsa Família, ficam preguiçosas, enquanto 84% dos que se manifestaram contra o impeachment discordam; 91% dos pró-impeachment acreditam que o PT fez um grande mal para o Brasil, com o que 88% dos contra discordam; uma vez que 95% desses dizem que o governo Lula trouxe muitos benefícios para o Brasil, afirmação com que 67% dos pró-impeachment discordam.
Por fim, os protestos pró-impeachment estão longe de buscar saneamento e moralização geral da política. A oposição à corrupção que emana das ruas parece ter como único alvo a destituição do atual governo, o fim do PT como partido político e do projeto desenvolvido ao longo dos dois governos Lula e no primeiro Dilma, que priorizou a redução da desigualdade social. O que alguns chamam de impeachment, sem provas ou crimes que o caracterizem como tal, nada mais é, que um golpe contra um governo legitimamente eleito e a democracia.
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Tipo de pesquisa: Quantitativa, realizada face a face, com aplicação de questionário estruturado, de cerca de 20 minutos de duração, composto por questões fechadas.
Universo: Público presente nas manifestações dos dias 13 e 15 de março de 2015 e 13 e 18 de março de 2016, na Av. Paulista, em São Paulo.
Amostra: Nas manifestações pró-impeachment foram realizadas 534 entrevistas em 15-03-2015 e 435 entrevistas em 13-03-2016. Nas manifestações contra impeachment, 305 entrevistas em 13-03-2015 e 409 entrevistas em 18-03-2016.
Margem de erro: A margem de erro para a amostra de 15 de março de 2015 é de 4,13 e em 13 de março de 2016 é de 4,7 pontos percentuais para mais ou para menos, com intervalo de confiança de 95%. A margem de erro de 13 de março de 2015 é 5,4% e em 18 de março de 2016, 4,84%. Intervalo de confiança de 95%.
Data de campo: 13 e 15 de março de 2015 e 13 e 18 de março de 2016.
Realização: Núcleo de Estudos de Opinião Pública da Fundação Perseu Abramo.
* Vilma Bokany é socióloga.
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