Por Antonio Luiz M. C. Costa, na revista CartaCapital:
Boris Johnson, líder da campanha pelo Brexit entre os conservadores, desistiu de concorrer pela chefia do partido e do governo. No UKIP, o líder Nigel Farage e o presidente Steve Crowther deixaram seus cargos: “Quero minha vida de volta”, diz o primeiro.
Quem sucedeu David Cameron como premier do Reino Unido é a ex-ministra do Interior Theresa May, partidária da permanência que promete acatar o resultado do referendo, mas não quer fazer o pedido formal de retirada da União Europeia antes de 2017, nem convocar eleições antes de 2020.
Não é que a vitória tenha sido roubada aos xenófobos e ditos soberanistas: eles lhe deram as costas e correram, sem saber lidar com a granada cujo pino arrancaram quase sem querer. Para muitas das lideranças, a campanha foi um pretexto para se promoverem.
Para muitos dos eleitores, foi um voto de protesto contra o desemprego, a deterioração dos serviços sociais, as mudanças culturais, a frustração das promessas da globalização e a imigração. Os primeiros esperavam de uma votação substancial pelo Brexit mais prestígio para seus nomes e bandeiras; os segundos mais atenção e respeito para com seu inconformismo, mas poucos acreditaram na vitória e menos ainda fizeram planos para essa contingência.
Poucos eleitores parecem, porém, arrependidos de seu voto. Menos ainda se vê qualquer recuo nas tendências favoráveis ao nacionalismo, à xenofobia e a um suposto retorno ao passado representadas por partidos de direita populista na Europa e por Donald Trump nos Estados Unidos.
A diferença nas pesquisas entre este e Hillary Clinton tem diminuído e o matemático Nate Silver lhe atribui, a três meses da eleição, 22% de chances de vitória, probabilidade maior do que aquela atribuída ao Brexit pelas casas de apostas quando as urnas se fechavam.
O Movimento 5 Estrelas, contrário ao euro, acaba de vencer importantes eleições municipais na Itália. A Justiça austríaca anulou a eleição presidencial de abril, na qual a ultradireita de Norbert Hofer foi derrotada por pequena margem e com isso lhe deu nova chance em outubro.
O presidente húngaro János Áder anunciou, para o mesmo mês, um referendo na Hungria sobre o “direito” da União Europeia a obrigá-la a aceitar uma cota de refugiados e seu colega tcheco Milos Zeman propôs um referendo ainda sem data sobre a permanência de seu país na União Europeia e na Otan, embora se diga favorável a ambas.
Esses movimentos terão planos mais claros que seus similares britânicos? Têm ideias claras sobre como conduzir seus povos após o colapso do euro, da União Europeia e dos atuais acordos internacionais? Seus eleitores pensam que sim.
Trump lhes pede sua confiança e a maioria dos eleitores republicanos o atende, apesar do caráter vago e contraditório de suas promessas. Com os nacionalistas europeus não é muito diferente. Uns e outros preferem a expressão estética à teórica e apresentam-se como pragmáticos e “contra as ideologias” como os fascistas de antes da Guerra, talvez até mais. Uma possível exceção é o teórico neofascista russo Aleksandr Dugin, mas suaQuarta Teoria Política tem pouca influência fora de seu país.
É preciso perguntar, porém, para qual tipo de mundo essas políticas apontam, pois seu avanço é inegável e o discurso liberal, demasiado ancorado no desdém pelo Estado e pelo debate político e no “Não Há Alternativa” de Margaret Thatcher, perdeu o hábito de articular respostas convincentes.
Idem quanto às esquerdas, condicionadas por décadas de hegemonia neoliberal a se limitar a propostas para moderar seus efeitos sem conseguir pensar fora da caixa e apontar um caminho viável para um horizonte alternativo, mesmo quando se intitulam radicais (caso do Syriza, como se viu em 2015).
É a economia, estúpido? Sim e não. O voto no Brexit, assim como nos populismos de direita em geral, tem causas econômicas: é um protesto de regiões, camadas e setores deprimidos, que necessitam de ajuda de Londres e mesmo de Bruxelas, situação da qual, segundo a ideologia neoliberal, deveriam se envergonhar e na qual, segundo Angela Merkel e seu próprio governo, devem renunciar à dignidade e abrir mão de decidir sua vida e seu destino.
Ao mesmo tempo, é um voto contra o totalitarismo das prioridades econômicas e financeiras definidas pelo “pensamento único” e em favor de retomar, por meio da política e do Estado, certo grau de controle sobre seu destino coletivo, a tal da “soberania”.
Ironicamente, vão entregá-la ao mesmo Partido Conservador de Margaret Thatcher, do qual Bruxelas aprendeu tudo que sabe sobre austeridade e desigualdade e de cujo neoliberalismo o “ordoliberalismo” de Merkel é uma versão mitigada e mais organizada.
Longe de reforçar a saúde pública com recursos supostamente poupados à União Europeia, o ministro da Fazenda britânico propõe a redução do imposto de renda empresarial de 20% para menos de 15%, para combater a fuga de capitais e isso certamente exigirá mais cortes de gastos sociais.
O conservador Centro de Estudos Políticos (CPS) propõe aproveitar a “oportunidade única para uma revolução na escala dos anos 1980 e remover ônus regulatórios desnecessários sobre as empresas, tais como os relacionados às diretrizes climáticas e fundos de investimento”.
Assim como em outras épocas e nações, o populismo de direita captura a revolta contra “eles”, imigrantes humildes ou elites cosmopolitas liberais, em favor de uma elite nacional simbolicamente parte de “nós”.
Em política internacional, o foco é fechar fronteiras a imigrantes (mas não a capitais estrangeiros), privilegiar os nacionais de velha cepa e tentar arrancar vantagens para o próprio país por meio de ameaças comerciais, políticas ou militares em prejuízo da reciprocidade, do direito internacional e dos direitos humanos. Internamente, está em combater o “multiculturalismo”, impor a uniformidade de valores e costumes e punir ou expulsar os desviantes.
Onde essas forças chegaram ao poder e as condições políticas permitem, como na Hungria, Polônia, Turquia, Rússia e Israel, veem-se a centralização do poder, o enquadramento da mídia e do Judiciário, a perseguição a dissidentes e a instituição de um autoritarismo nacionalista, sem se chegar (até agora) à ditadura explícita.
Distinguem-se entre eles as seguintes tendências:
1. Nacional-conservadores: partidos de direita que no Europarlamento se alinham a conservadores tradicionais como Angela Merkel e David Cameron e têm boas relações com as elites, mas caminham para o nacionalismo autoritário sem serem contidos por seus aliados. Estão nessa categoria os partidos governantes da Hungria, Fidesz, e Polônia, Lei e Justiça. Assemelham-se ao AKP de Recep Erdogan, a Rússia Unida de Vladimir Putin, ao Likud de Benjamin Netanyahu e à vertente trumpiana dos republicanos dos EUA.
2. Nacionalistas moderados, que contestam as elites, a União Europeia e a globalização e flertam com a xenofobia, mas tentam (nem sempre com sucesso) caracterizar-se como liberais. Incluem o UKIP e os conservadores eurocéticos britânicos, o Movimento 5 Estrelas italiano e a Alternativa para a Alemanha (AfD), todos em rápida ascensão.
3. Nacionalistas radicais, com mais ênfase na “guerra cultural” e no chauvinismo explícito, mas ainda com uma fachada de normalidade, como a Frente Nacional francesa, a Liga Norte italiana e os Partidos da Liberdade austríaco e holandês.
4. Neofascistas no sentido estrito do termo, como o húngaro Jobbik, o grego Aurora Dourada e o alemão NPD, todos com representação no Europarlamento, além de legendas menores como o Partido Nacional Britânico (BNP) e a Chama Tricolor italiana.
Faltam, exceto no sionismo radical e nos representantes mais extremos do último grupo, propostas declaradas de expansão imperial comparáveis ao Mein Kampf de Adolf Hitler. Mesmo a anexação da Crimeia foi uma decisão pontual e contingente para proteger uma base naval estratégica, não conquista de “espaço vital”.
Mas os estragos mútuos da busca por vantagens comerciais e políticas unilaterais e do desdém pela lei internacional e pela necessidade de conter a mudança climática podem iniciar uma escalada de retaliações da qual é fácil perder o controle, principalmente se alianças militares forem rompidas e houver uma nova corrida armamentista, inclusive nuclear.
Como reagirão Moscou e Pequim se países como Japão, Coreia do Sul e Ucrânia quiserem suas próprias armas atômicas, como quer Trump?
As dificuldades que certamente se seguirão das rupturas imprevistas (já sentidas nos setores financeiros britânico e europeu) serão pretexto para mais acusações aos suspeitos de sempre e para a radicalização do discurso populista, enquanto os protegidos da nova ordem desfrutam de um “capitalismo de catástrofe” e põem a seu serviço o desespero e o medo criados por desastres sociais para lucrar com a reconstrução e reconfigurar a sociedade e a economia em seu proveito.
Em troca de segurança e soberania ilusórias e da preservação de mesquinhos privilégios ante estrangeiros e divergentes, pode-se obter um mundo ainda mais injusto e com muito menos liberdade de movimento e pensamento.
Boris Johnson, líder da campanha pelo Brexit entre os conservadores, desistiu de concorrer pela chefia do partido e do governo. No UKIP, o líder Nigel Farage e o presidente Steve Crowther deixaram seus cargos: “Quero minha vida de volta”, diz o primeiro.
Quem sucedeu David Cameron como premier do Reino Unido é a ex-ministra do Interior Theresa May, partidária da permanência que promete acatar o resultado do referendo, mas não quer fazer o pedido formal de retirada da União Europeia antes de 2017, nem convocar eleições antes de 2020.
Não é que a vitória tenha sido roubada aos xenófobos e ditos soberanistas: eles lhe deram as costas e correram, sem saber lidar com a granada cujo pino arrancaram quase sem querer. Para muitas das lideranças, a campanha foi um pretexto para se promoverem.
Para muitos dos eleitores, foi um voto de protesto contra o desemprego, a deterioração dos serviços sociais, as mudanças culturais, a frustração das promessas da globalização e a imigração. Os primeiros esperavam de uma votação substancial pelo Brexit mais prestígio para seus nomes e bandeiras; os segundos mais atenção e respeito para com seu inconformismo, mas poucos acreditaram na vitória e menos ainda fizeram planos para essa contingência.
Poucos eleitores parecem, porém, arrependidos de seu voto. Menos ainda se vê qualquer recuo nas tendências favoráveis ao nacionalismo, à xenofobia e a um suposto retorno ao passado representadas por partidos de direita populista na Europa e por Donald Trump nos Estados Unidos.
A diferença nas pesquisas entre este e Hillary Clinton tem diminuído e o matemático Nate Silver lhe atribui, a três meses da eleição, 22% de chances de vitória, probabilidade maior do que aquela atribuída ao Brexit pelas casas de apostas quando as urnas se fechavam.
O Movimento 5 Estrelas, contrário ao euro, acaba de vencer importantes eleições municipais na Itália. A Justiça austríaca anulou a eleição presidencial de abril, na qual a ultradireita de Norbert Hofer foi derrotada por pequena margem e com isso lhe deu nova chance em outubro.
O presidente húngaro János Áder anunciou, para o mesmo mês, um referendo na Hungria sobre o “direito” da União Europeia a obrigá-la a aceitar uma cota de refugiados e seu colega tcheco Milos Zeman propôs um referendo ainda sem data sobre a permanência de seu país na União Europeia e na Otan, embora se diga favorável a ambas.
Esses movimentos terão planos mais claros que seus similares britânicos? Têm ideias claras sobre como conduzir seus povos após o colapso do euro, da União Europeia e dos atuais acordos internacionais? Seus eleitores pensam que sim.
Trump lhes pede sua confiança e a maioria dos eleitores republicanos o atende, apesar do caráter vago e contraditório de suas promessas. Com os nacionalistas europeus não é muito diferente. Uns e outros preferem a expressão estética à teórica e apresentam-se como pragmáticos e “contra as ideologias” como os fascistas de antes da Guerra, talvez até mais. Uma possível exceção é o teórico neofascista russo Aleksandr Dugin, mas suaQuarta Teoria Política tem pouca influência fora de seu país.
É preciso perguntar, porém, para qual tipo de mundo essas políticas apontam, pois seu avanço é inegável e o discurso liberal, demasiado ancorado no desdém pelo Estado e pelo debate político e no “Não Há Alternativa” de Margaret Thatcher, perdeu o hábito de articular respostas convincentes.
Idem quanto às esquerdas, condicionadas por décadas de hegemonia neoliberal a se limitar a propostas para moderar seus efeitos sem conseguir pensar fora da caixa e apontar um caminho viável para um horizonte alternativo, mesmo quando se intitulam radicais (caso do Syriza, como se viu em 2015).
É a economia, estúpido? Sim e não. O voto no Brexit, assim como nos populismos de direita em geral, tem causas econômicas: é um protesto de regiões, camadas e setores deprimidos, que necessitam de ajuda de Londres e mesmo de Bruxelas, situação da qual, segundo a ideologia neoliberal, deveriam se envergonhar e na qual, segundo Angela Merkel e seu próprio governo, devem renunciar à dignidade e abrir mão de decidir sua vida e seu destino.
Ao mesmo tempo, é um voto contra o totalitarismo das prioridades econômicas e financeiras definidas pelo “pensamento único” e em favor de retomar, por meio da política e do Estado, certo grau de controle sobre seu destino coletivo, a tal da “soberania”.
Ironicamente, vão entregá-la ao mesmo Partido Conservador de Margaret Thatcher, do qual Bruxelas aprendeu tudo que sabe sobre austeridade e desigualdade e de cujo neoliberalismo o “ordoliberalismo” de Merkel é uma versão mitigada e mais organizada.
Longe de reforçar a saúde pública com recursos supostamente poupados à União Europeia, o ministro da Fazenda britânico propõe a redução do imposto de renda empresarial de 20% para menos de 15%, para combater a fuga de capitais e isso certamente exigirá mais cortes de gastos sociais.
O conservador Centro de Estudos Políticos (CPS) propõe aproveitar a “oportunidade única para uma revolução na escala dos anos 1980 e remover ônus regulatórios desnecessários sobre as empresas, tais como os relacionados às diretrizes climáticas e fundos de investimento”.
Assim como em outras épocas e nações, o populismo de direita captura a revolta contra “eles”, imigrantes humildes ou elites cosmopolitas liberais, em favor de uma elite nacional simbolicamente parte de “nós”.
Em política internacional, o foco é fechar fronteiras a imigrantes (mas não a capitais estrangeiros), privilegiar os nacionais de velha cepa e tentar arrancar vantagens para o próprio país por meio de ameaças comerciais, políticas ou militares em prejuízo da reciprocidade, do direito internacional e dos direitos humanos. Internamente, está em combater o “multiculturalismo”, impor a uniformidade de valores e costumes e punir ou expulsar os desviantes.
Onde essas forças chegaram ao poder e as condições políticas permitem, como na Hungria, Polônia, Turquia, Rússia e Israel, veem-se a centralização do poder, o enquadramento da mídia e do Judiciário, a perseguição a dissidentes e a instituição de um autoritarismo nacionalista, sem se chegar (até agora) à ditadura explícita.
Distinguem-se entre eles as seguintes tendências:
1. Nacional-conservadores: partidos de direita que no Europarlamento se alinham a conservadores tradicionais como Angela Merkel e David Cameron e têm boas relações com as elites, mas caminham para o nacionalismo autoritário sem serem contidos por seus aliados. Estão nessa categoria os partidos governantes da Hungria, Fidesz, e Polônia, Lei e Justiça. Assemelham-se ao AKP de Recep Erdogan, a Rússia Unida de Vladimir Putin, ao Likud de Benjamin Netanyahu e à vertente trumpiana dos republicanos dos EUA.
2. Nacionalistas moderados, que contestam as elites, a União Europeia e a globalização e flertam com a xenofobia, mas tentam (nem sempre com sucesso) caracterizar-se como liberais. Incluem o UKIP e os conservadores eurocéticos britânicos, o Movimento 5 Estrelas italiano e a Alternativa para a Alemanha (AfD), todos em rápida ascensão.
3. Nacionalistas radicais, com mais ênfase na “guerra cultural” e no chauvinismo explícito, mas ainda com uma fachada de normalidade, como a Frente Nacional francesa, a Liga Norte italiana e os Partidos da Liberdade austríaco e holandês.
4. Neofascistas no sentido estrito do termo, como o húngaro Jobbik, o grego Aurora Dourada e o alemão NPD, todos com representação no Europarlamento, além de legendas menores como o Partido Nacional Britânico (BNP) e a Chama Tricolor italiana.
Faltam, exceto no sionismo radical e nos representantes mais extremos do último grupo, propostas declaradas de expansão imperial comparáveis ao Mein Kampf de Adolf Hitler. Mesmo a anexação da Crimeia foi uma decisão pontual e contingente para proteger uma base naval estratégica, não conquista de “espaço vital”.
Mas os estragos mútuos da busca por vantagens comerciais e políticas unilaterais e do desdém pela lei internacional e pela necessidade de conter a mudança climática podem iniciar uma escalada de retaliações da qual é fácil perder o controle, principalmente se alianças militares forem rompidas e houver uma nova corrida armamentista, inclusive nuclear.
Como reagirão Moscou e Pequim se países como Japão, Coreia do Sul e Ucrânia quiserem suas próprias armas atômicas, como quer Trump?
As dificuldades que certamente se seguirão das rupturas imprevistas (já sentidas nos setores financeiros britânico e europeu) serão pretexto para mais acusações aos suspeitos de sempre e para a radicalização do discurso populista, enquanto os protegidos da nova ordem desfrutam de um “capitalismo de catástrofe” e põem a seu serviço o desespero e o medo criados por desastres sociais para lucrar com a reconstrução e reconfigurar a sociedade e a economia em seu proveito.
Em troca de segurança e soberania ilusórias e da preservação de mesquinhos privilégios ante estrangeiros e divergentes, pode-se obter um mundo ainda mais injusto e com muito menos liberdade de movimento e pensamento.
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