Por David Brooks, no site Carta Maior:
A festa do demônio acontecerá nesta semana, e terá sede em Cleveland, onde se congregarão alguns dos representantes mais extremos da política do ódio, os mais anti mulher, anti gay, anti imigrantes, anti direitos civis. Ou seja, será um anti festejo do pior que o país tem para oferecer. A festa terá como anfitrião e homenageado aquele que é mais fascista entre as figuras conhecidas da historia moderna do país.
A Convenção Nacional Republicana, tanto dentro quanto fora da arena, será um carnaval grotesco recheado do sentimento que direita tem cultivado nos Estados Unidos – e que os liberais, de certa forma, têm permitido –, durante as últimas três décadas. Será um circo perverso, protagonizado pelos elefantes – o símbolo dos republicanos.
A palavra “fascismo” antes se aplicava de forma um tanto descuidada, e quase sempre se referia a fenômenos históricos em outros países. Mas agora está aqui, no Brasil. Até mesmo os comentaristas e analistas do establishment utilizam a palavra com F para descrever o fenômeno conhecido como Donald Trump.
O empresário disse, na semana passada, que concorda com a ideia de que está na hora de declarar uma guerra mundial contra as forças terroristas. Reiterou que os imigrantes e refugiados poderiam ser um cavalo de Troia, e propôs uma revisão da situação de cada muçulmano que vive no país, como resposta à tragédia de Niza. Além disso, insistiu em sua ideia de construir um muro na fronteira com o México e promover a expulsão massiva de indocumentados. Com isso, ele segue cultivando a histeria que nasce de um setor estadunidense bastante assustado pelo que acontece no mundo.
Trump apoia explicitamente o uso da tortura contra os suspeitos de terrorismo, a vigilância das mesquitas e as operações massivas para prender e interrogar estadunidenses e imigrantes que cultivem alguma “fé suspeita”, entre outras propostas que violam as normas legais do país e o direito internacional. E agora, ele está a ponto de ser coroado por um dos dois grandes partidos nacionais. Os que não esqueceram as características claramente fascistas do lema “Deus, pátria e ordem” (e algumas versões que não aparecem necessariamente nessa ordem) entenderão o que significa o fato de Trump apresentar como seu candidato à vice-presidência o cristão fundamentalista Mike Pence, quem proclamou a seguinte definição: “somos os candidatos da lei e da ordem, somos o partido da lei e da ordem”.
Seu discurso se tornará a expressão oficial de uma das maiores instituições políticas do país esta semana. Ou seja, a nação enfrenta uma ameaça fascista que poderia tomar o poder em novembro.
“Chamá-lo de fascista de qualquer tipo seria usar uma etiqueta histórica adequada… a essência do fascismo é não ter uma só forma estabelecida… sua forma de nacionalismo… naturalmente toma as cores e práticas de cada nação que infecta”, descreve Adam Gopnick, em artigo para a revista The New Yorker, em edição desta semana. Ele agrega que na Itália foi diferente, que na Espanha e na Alemanha, ou nas expressões que teve em outros países, também havia características bastante peculiares. Não é surpreendente que a cara estadunidense do fascismo tomasse as formas de uma celebridade de televisão, já que faz parte, de alguma forma, da cena simbólica e das recreações nostálgicas dos esplendores romanos.
Gopnick explica: “o que todas as formas de fascismo têm em comum é a glorificação da nação: a exageração de suas humilhações, a violência prometida contra seus inimigos, tanto os caseiros quanto os forasteiros, o culto ao poder onde seja que apareça e para quem o possui, o desdém para com o império da lei e da razão, o emprego desavergonhado de mentiras repetidas como estratégia retórica, uma promessa de vingança para aqueles que se sentem marginados pela história. E adverte: aqueles que acreditam que as instituições fundamentais do governo estadunidense estão imunizados contra isso falham, e não entendem a História. Todas as vezes que os Estados Unidos viu um líder como Trump chegar ao poder, as salvaguardas formais colapsaram.
Esta ameaça ao país também é, em parte, uma sentença às forças liberais do país, que deixaram a porta aberta para este fenômeno, sobretudo o Partido Democrata e sua cúpula, as quais, junto com a cúpula republicana, impulsaram o consenso neoliberal durante três décadas. Por agora, a candidata democrata e sua campanha não oferecem uma alternativa real e aceitável para um amplo setor, sobretudo os brancos, desamparados, assustados e raivosos, que pensa que alguém está roubando não só o seu sonho americano, senão o seu país. Por isso é tão atrativa a mensagem de “voltar a fazer a América grande” – lema da campanha de Donald Trump.
Mas vale destacar também que o circo em Cleveland não representa todo o país. Existe uma maioria que rejeita o que Trump representa. Ele é visto de forma desfavorável por mais de 60% do país, segundo a média das pesquisas difundidas no país. Contudo, não é nada reconfortante saber que 35,5% da população o vê de maneira favorável.
Também vale a pena lembrar que o fenômeno de Bernie Sanders é igualmente surpreendente e significativo, e revelou que milhões de estadunidenses apoiam o discurso do autoproclamado socialista democrático, por uma revolução política em favor das grandes maiorias e contra o consenso neoliberal. Isso também é parte da cara dos Estados Unidos de hoje e – por ter sido o mais apoiado pelos jovens – um bom presságio para o futuro, e um contraste com a ameaça ultrarreacionária que desfilará esta semana em Cleveland.
Cornel West, filósofo, político e intelectual afro estadunidense, escreveu recentemente que os eleitores estão presos a uma conjuntura que os obriga a optar entre a catástrofe neofascista de Trump e o desastre neoliberal de Hillary Clinton. Ele agrega que “o império estadunidense está vivendo um profundo declínio espiritual e cultural, o que gera um certo desespero. Mas acredita que os movimentos de jovens, como o Black Lives Matter e outros, mostram um despertar moral e espiritual, e nos oferecem uma esperança democrática. Não se trata de ter esperança, e sim de ser a esperança.
Esta semana, ao avançar rumo ao inferno, se verá que nas ruas de Cleveland também haverá convites à esperança por outro caminho.
* Publicado originalmente no jornal mexicano La Jornada. Tradução de Victor Farinelli.
A festa do demônio acontecerá nesta semana, e terá sede em Cleveland, onde se congregarão alguns dos representantes mais extremos da política do ódio, os mais anti mulher, anti gay, anti imigrantes, anti direitos civis. Ou seja, será um anti festejo do pior que o país tem para oferecer. A festa terá como anfitrião e homenageado aquele que é mais fascista entre as figuras conhecidas da historia moderna do país.
A Convenção Nacional Republicana, tanto dentro quanto fora da arena, será um carnaval grotesco recheado do sentimento que direita tem cultivado nos Estados Unidos – e que os liberais, de certa forma, têm permitido –, durante as últimas três décadas. Será um circo perverso, protagonizado pelos elefantes – o símbolo dos republicanos.
A palavra “fascismo” antes se aplicava de forma um tanto descuidada, e quase sempre se referia a fenômenos históricos em outros países. Mas agora está aqui, no Brasil. Até mesmo os comentaristas e analistas do establishment utilizam a palavra com F para descrever o fenômeno conhecido como Donald Trump.
O empresário disse, na semana passada, que concorda com a ideia de que está na hora de declarar uma guerra mundial contra as forças terroristas. Reiterou que os imigrantes e refugiados poderiam ser um cavalo de Troia, e propôs uma revisão da situação de cada muçulmano que vive no país, como resposta à tragédia de Niza. Além disso, insistiu em sua ideia de construir um muro na fronteira com o México e promover a expulsão massiva de indocumentados. Com isso, ele segue cultivando a histeria que nasce de um setor estadunidense bastante assustado pelo que acontece no mundo.
Trump apoia explicitamente o uso da tortura contra os suspeitos de terrorismo, a vigilância das mesquitas e as operações massivas para prender e interrogar estadunidenses e imigrantes que cultivem alguma “fé suspeita”, entre outras propostas que violam as normas legais do país e o direito internacional. E agora, ele está a ponto de ser coroado por um dos dois grandes partidos nacionais. Os que não esqueceram as características claramente fascistas do lema “Deus, pátria e ordem” (e algumas versões que não aparecem necessariamente nessa ordem) entenderão o que significa o fato de Trump apresentar como seu candidato à vice-presidência o cristão fundamentalista Mike Pence, quem proclamou a seguinte definição: “somos os candidatos da lei e da ordem, somos o partido da lei e da ordem”.
Seu discurso se tornará a expressão oficial de uma das maiores instituições políticas do país esta semana. Ou seja, a nação enfrenta uma ameaça fascista que poderia tomar o poder em novembro.
“Chamá-lo de fascista de qualquer tipo seria usar uma etiqueta histórica adequada… a essência do fascismo é não ter uma só forma estabelecida… sua forma de nacionalismo… naturalmente toma as cores e práticas de cada nação que infecta”, descreve Adam Gopnick, em artigo para a revista The New Yorker, em edição desta semana. Ele agrega que na Itália foi diferente, que na Espanha e na Alemanha, ou nas expressões que teve em outros países, também havia características bastante peculiares. Não é surpreendente que a cara estadunidense do fascismo tomasse as formas de uma celebridade de televisão, já que faz parte, de alguma forma, da cena simbólica e das recreações nostálgicas dos esplendores romanos.
Gopnick explica: “o que todas as formas de fascismo têm em comum é a glorificação da nação: a exageração de suas humilhações, a violência prometida contra seus inimigos, tanto os caseiros quanto os forasteiros, o culto ao poder onde seja que apareça e para quem o possui, o desdém para com o império da lei e da razão, o emprego desavergonhado de mentiras repetidas como estratégia retórica, uma promessa de vingança para aqueles que se sentem marginados pela história. E adverte: aqueles que acreditam que as instituições fundamentais do governo estadunidense estão imunizados contra isso falham, e não entendem a História. Todas as vezes que os Estados Unidos viu um líder como Trump chegar ao poder, as salvaguardas formais colapsaram.
Esta ameaça ao país também é, em parte, uma sentença às forças liberais do país, que deixaram a porta aberta para este fenômeno, sobretudo o Partido Democrata e sua cúpula, as quais, junto com a cúpula republicana, impulsaram o consenso neoliberal durante três décadas. Por agora, a candidata democrata e sua campanha não oferecem uma alternativa real e aceitável para um amplo setor, sobretudo os brancos, desamparados, assustados e raivosos, que pensa que alguém está roubando não só o seu sonho americano, senão o seu país. Por isso é tão atrativa a mensagem de “voltar a fazer a América grande” – lema da campanha de Donald Trump.
Mas vale destacar também que o circo em Cleveland não representa todo o país. Existe uma maioria que rejeita o que Trump representa. Ele é visto de forma desfavorável por mais de 60% do país, segundo a média das pesquisas difundidas no país. Contudo, não é nada reconfortante saber que 35,5% da população o vê de maneira favorável.
Também vale a pena lembrar que o fenômeno de Bernie Sanders é igualmente surpreendente e significativo, e revelou que milhões de estadunidenses apoiam o discurso do autoproclamado socialista democrático, por uma revolução política em favor das grandes maiorias e contra o consenso neoliberal. Isso também é parte da cara dos Estados Unidos de hoje e – por ter sido o mais apoiado pelos jovens – um bom presságio para o futuro, e um contraste com a ameaça ultrarreacionária que desfilará esta semana em Cleveland.
Cornel West, filósofo, político e intelectual afro estadunidense, escreveu recentemente que os eleitores estão presos a uma conjuntura que os obriga a optar entre a catástrofe neofascista de Trump e o desastre neoliberal de Hillary Clinton. Ele agrega que “o império estadunidense está vivendo um profundo declínio espiritual e cultural, o que gera um certo desespero. Mas acredita que os movimentos de jovens, como o Black Lives Matter e outros, mostram um despertar moral e espiritual, e nos oferecem uma esperança democrática. Não se trata de ter esperança, e sim de ser a esperança.
Esta semana, ao avançar rumo ao inferno, se verá que nas ruas de Cleveland também haverá convites à esperança por outro caminho.
* Publicado originalmente no jornal mexicano La Jornada. Tradução de Victor Farinelli.
3 comentários:
Trump e os EUA rumo ao inferno. Com a vitória dos republicanos, os EUA, fossem, realmente, para o inferno torceria por Trump
A pergunta é qual os "eua" irá para o inferno
Eu gostaria da vitória de Trump só por um aspecto. Esse bando de coxinhas idiotas, que adoram ir para miami seriam chutados de lá como cachorros, como vira latas que são!
Postar um comentário