Por André Barrocal, na revista CartaCapital:
Michel Temer foi à abertura da Olimpíada no Maracanã sob um esquema preparado para protegê-lo de um vexame global. Uma semana antes, o governo demitira o chefe do cerimonial da Rio-2016, Fernando Igreja, episódio a alimentar rumores entre diplomatas de que o embaixador foi espionado pelo aparelho de segurança de Temer e punido por “dilmismo”.
Na cerimônia, o nome do presidente interino não seria anunciado antes de ele declarar o início dos Jogos, seu discurso seria relâmpago e logo em seguida o volume de uma música subiria ao máximo. Tudo para impedir ou abafar vaias ao peemedebista diante das autoridades presentes e das bilhões de pessoas a assistir pela tevê. Em vão. Ele levou uma estrepitosa vaia.
Terá mais sorte em outra “operação blindagem”? Se assumir a Presidência de forma plena com a aprovação final do impeachment, desfecho para o qual atua com paixão, escapará de ser investigado em tramas suspeitas.
Histórias como a cobrança de dinheiro para campanhas do PMDB feita por Temer ao empreiteiro Marcelo Odebrecht e ao ex-presidente da Transpetro Sérgio Machado, conforme contaram ambos em delações premiadas na Operação Lava Jato, podem até aborrecer o interino no noticiário e no Congresso, mas sem consequências judiciais. Idem para desconfianças sobre seu envolvimento em propina no Porto de Santos e no favorecimento a uma empresa devedora do porto e financiadora de sua eleição em 2014.
A busca pela blindagem ajuda a entender por que o peemedebista e seus articuladores políticos querem liquidar o impeachment no Senado logo, até o fim de agosto. Nada de esperar o mês da primavera, quando devem ocorrer a homologação judicial da delação de Odebrecht e a votação da cassação de Eduardo Cunha, homem-bomba a assombrar o presidente, embora notícias recentes indiquem que ambas - delação e cassação - podem ser postergadas sabe-se lá para quando.
Não é uma estrada tranquila e sem espinhos, porém, apesar do inegável desejo parlamentar de degolar Dilma Rousseff, visto mais uma vez no Senado. O interino sofre pressões do tipo “faca no pescoço”. Indócil com a demora do governo em mergulhar no arrocho fiscal e numa agenda social e trabalhista dos sonhos do capital, desiludido com as derrotas do ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, o “mercado” ameaça tirar o aval a Temer.
Sempre afinado com a banca, o PSDB, segunda maior sigla governista, emana sentimentos parecidos. Com um agravante. Ninho de presidenciáveis, anda aborrecido com a mosca azul da gestão interina, que nem se firmou e já fala em reeleição.
Por causa dessa combinação de interesses políticos e econômicos, nem com o triunfo do impeachment Temer poderá sentir-se seguro de comandar o País até 2018. Seu futuro estará nas mãos do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), onde uma ação de autoria do PSDB tenta cassar a chapa Dilma-Temer.
À frente da Corte há um magistrado de indisfarçável pendor tucano, Gilmar Mendes. Mais: não se pode descartar o aproveitamento pelo TSE da delação de Marcelo Odebrecht, nem que o tesoureiro dilmista Edinho Silva, do PT, aceite uma missão partidária e faça uma delação sobre as finanças da chapa.
“Temer não tem liberdade de ação”, diz o cientista político Fábio Wanderley Reis, professor emérito da Universidade Federal de Minas Gerais. “Existem questões pendentes na Justiça Eleitoral, há o impacto das ações do governo na opinião pública e a contestação sobre a legitimidade do governo, a Lava Jato segue um elemento que gera incerteza e o apoio do PSDB é claramente oportunista.” Em outras palavras, o peemedebista seria mais um refém das circunstâncias do que senhor da situação.
De qualquer forma, ele luta para consolidar-se no poder e proteger-se para o que der e vier na seara judicial. Uma blindagem garantida pela Constituição, como sabe o professor de Direito Constitucional que se prontificou a negar a Carta de 1988. De acordo com a Constituição, o presidente só pode ser investigado pelo que fez no comando do Palácio do Planalto.
É o entendimento do procurador-geral da República, Rodrigo Janot, responsável por vigiar e investigar autoridades federais. No ano passado, após uma delação na Lava Jato citar Dilma, Janot arquivou o caso. “Há total impossibilidade de investigação do presidente da República na vigência de seu mandato sobre atos estranhos ao exercício de suas funções”, escreveu em despacho ao Supremo Tribunal Federal (STF).
Com o impeachment prestes a triunfar, repousa nas mãos do chefe do Ministério Público a decisão de tomar providências capazes de impedir a consumação da blindagem. Ou de repetir Pilatos. Na segunda-feira 8, sete parlamentares levaram à Procuradoria uma representação a cobrar de Janot que entre no STF com um pedido de afastamento de Temer da Presidência e que investigue o peemedebista. Para eles, há “fortes indícios” de corrupção contra o interino, o qual estaria atrás de um “salvo-conduto para se eximir”.
Os congressistas invocaram dois casos que seriam semelhantes à possibilidade de Temer valer-se do cargo para se salvar. Um é o de Cunha. Por entender que o réu por corrupção usou e abusou do comando da Câmara para melar investigações criminais e por quebra de decoro, Janot requereu ao STF sua destituição do posto. Argumentação aceita pela Corte, embora o tribunal tenha apontado motivos adicionais para sua decisão.
O outro caso diz respeito à indicação do ex-presidente Lula para a Casa Civil de Dilma. De início com uma visão diferente, Janot mudou de ideia e passou a achar que era uma tentativa de evitar a prisão do petista.
Defendeu tal tese no Supremo, onde Mendes concedeu uma liminar contra a nomeação, quando caiu em seu colo a relatoria de uma ação movida pelo PPS, hoje uma legenda temerista. Quase cinco meses depois, Lula continua em liberdade, sinal do exagero de Janot, PPS e Mendes, mas de todo modo, a liminar segue válida.
Entre os signatários da representação levada à Procuradoria havia senadores que logo votariam contra o impeachment, Lindbergh Farias e Fátima Bezerra, do PT, Vanessa Grazziotin, do PCdoB, e Randolfe Rodrigues, da Rede. Na madrugada da quarta-feira 10, após 17 horas de sessão, o Senado transformou Dilma em ré por crime de responsabilidade.
Foi um resultado tão previsível quanto as medalhas de ouro do nadador Michael Phelps. O placar mostrou uma folga maior para Temer do que quando do afastamento da petista em maio, 59 votos a favor da deposição e 21 contrários (o escore anterior fora de 55 a 22). Ela será julgada de vez no Senado na última semana de agosto, provavelmente.
Dilma acompanhou a sessão no Palácio da Alvorada, onde jantou com Lula, a discutir os termos de uma carta à nação divulgada na terça-feira 16. Já Temer mais uma vez não fez cerimônia. Cabalou votos para o impeachment feito candidato em campanha, e não um vice à espera do desenrolar de acontecimentos dramáticos. Afinal, para o interino, não importa se há razão jurídica para depor a mandatária, apenas se é conveniente do ponto de vista político, conforme disse em uma entrevista à agência Reuters.
Pela manhã, lançou no Planalto um plano requentado de revitalização da Bacia do Rio São Francisco, o “Novo Chico”, batismo por certo inspirado na novela global Velho Chico, em exibição. Uma tentativa de cativar senadores do Nordeste, região campeã do “Fora Temer”, como Antonio Carlos Valadares, do PSB de Sergipe e pró-impeachment, e Otto Alencar, do PSD da Bahia e que se manteve pró-Dilma, ambos presentes ao evento.
De quebra, o interino aproveitou para anunciar que mandara o Ministério do Planejamento pagar todas as obras de até 10 milhões de reais, uma festa para parlamentares autores de emendas ao orçamento. No fim da tarde, abriu o gabinete para a senadora goiana Lúcia Vânia, do PSB, uma suposta indecisa que na hora H foi de Temer.
Na véspera da sessão, uma desagradável surpresa internacional para o interino. Bernie Sanders, o velhinho socialista que quase arrancou este ano uma candidatura presidencial nos EUA pelo Partido Democrata, manifestou-se sobre a situação brasileira. Para ele, a deposição de Dilma move-se a neoliberalismo – austeridade, privatizações, agenda social de direita –, explicação para o ministério de homens brancos de Temer.
Sanders acredita que a Casa Branca deveria levar em conta que muitos brasileiros e observadores apontam um “golpe” sem razões jurídicas. “Os Estados Unidos não podem sentar-se em silêncio enquanto as instituições democráticas de um dos nossos aliados mais importantes são minadas”, disse ele em nota.
“Precisamos nos levantar pelas famílias trabalhadoras do Brasil e exigir que esta disputa seja resolvida com eleições democráticas.” Não foi capaz de mudar o rumo da votação do impeachment, mas entrou para os anais do Senado brasileiro, citado por Grazziotin.
O front externo constranger Temer e o impeachment não é novidade, como se sabe pelo noticiário e pela diplomacia. Na abertura da Olimpíada, havia bem menos líderes mundiais (abaixo de 20) do que o esperado pelo Itamaraty (acima de 40) e nos Jogos de Londres em 2012 (mais de 90). Ninguém se aventurou a posar para fotos ao lado de Temer.
Enquanto uma nova etapa do impeachment era votada, os deputados petistas Paulo Teixeira, Paulo Pimenta e Wadih Damous recorreram à Organização dos Estados Americanos (OEA) para tentar anular o processo de deposição de Dilma. Temer foi notificado pela OEA na terça-feira 16 e solicitado a prestar esclarecimentos.
Segundo a trinca de deputados, há um “golpe” em curso e este conta com a cumplicidade do Congresso e do Judiciário, daí ser inútil arriscar ações no Brasil. É duvidoso se algo de concreto surgirá daí, mas serve para embaraçar os protagonistas da cassação de Dilma.
Um desses protagonistas, Eduardo Cunha, obteve uma vitória daquelas, horas depois da votação no Senado. Até segunda ordem, a cassação dele será decidida no plenário da Câmara apenas em 12 de setembro. Uma segunda-feira, dia de poucos deputados em Brasília, chance de o réu por corrupção salvar o mandato. Ótima notícia para Temer, receoso de uma eventual vingança do velho parceiro.
O caso Cunha cozinha em banho-maria graças ao presidente da Câmara, Rodrigo Maia, do DEM. Ele leu o processo no plenário na segunda-feira 8, o que projetaria uma votação para o dia seguinte, mas na surdina tramou outro desfecho. Tramoia de fácil compreensão. Proteção ao interino.
Maia é genro de um dos notáveis do governo provisório, Moreira Franco, o homem das privatizações. E parece fechado com Temer. Em um rompante de franqueza e otimismo, lançou o peemedebista à reeleição, em entrevista ao Estado de S. Paulo de 30 de julho. “É a única candidatura que pode unificar a base do governo”, teorizou.
A proposta incomodou o PSDB. Temer telefonou para o presidente do partido, Aécio Neves, a fim de desfazer o mal-estar. Antes de ir ao Rio ser vaiado no Maracanã, programou um jantar com caciques tucanos no Palácio do Jaburu. Em vão. Os convidados não se esforçaram para permanecer em Brasília na noite da quarta-feira 3.
O papo só aconteceu duas semanas depois, na quarta-feira 17. “Essa ideia de reeleição é algo que não deveria ter sido dita agora. Não se sabe quem estará no jogo em 2018 nem quais serão os resultados do governo”, afirma o deputado tucano Marcus Pestana, mineiro próximo a Aécio.
Um deputado do PMDB, ex-ministro, acha que a mosca azul picou os “temeristas”. A especulação sobre a reeleição, diz, seria obra do trio Moreira Franco, Eliseu Padilha, chefe da Casa Civil, e Geddel Vieira Lima, ministro da Secretaria de Governo. Para ele, contudo, o governo Temer está fadado a cumprir tabela. “Se o Michel fizer o que se propõe, não tem como disputar a reeleição.”
A agenda do governo provisório é cheia de impopularidades, entre elas, a reforma da Previdência e a trabalhista e o congelamento de gastos com saúde e educação por 20 anos. Ajustes destinados a não pôr em risco o pagamento da dívida pública e a garantir competitividade das empresas por meio do barateamento do trabalhador.
Nos últimos tempos, o “mercado” passou a desconfiar da disposição de Temer para levar adiante tal agenda. Foi sintomático um artigo publicado em 27 de julho no jornal Valor pelo economista-chefe do Credit Suisse, Nilson Teixeira, intitulado “Confiança pode acabar em novembro”, no qual sugere que a paciência com Temer está no fim. Argumento repetido ultimamente por tucanos no Congresso, caso do líder no Senado, Cássio Cunha Lima.
“O poder econômico cumpriu sua parte no impeachment, agora o Temer tem de entregar a dele”, diz o economista João Sicsú, da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Uma obrigação que lhe custará caro, afirma, pois tende a aumentar a rejeição popular ao peemedebista, dono de magros índices de aprovação. “O programa dele é baseado em arrocho salarial, supressão de direitos sociais, neoliberalismo. Pode até gerar algum crescimento, mas com aumento da concentração de renda e redução do mercado de consumo.”
Diante disso, a celebração do impeachment não assegura Temer no Planalto até 2018. Caso se convença de que ele não tem a serventia imaginada, a elite política e econômica poderá usar a Justiça Eleitoral para livrar-se do peemedebista.
O que explica o interino namorar o presidente do TSE desde as primeiras horas no poder. Literalmente. Temer assumiu o posto no amanhecer de 12 de maio e, quando o sol se pôs, correu à posse de Gilmar Mendes no comando da corte, seu primeiro compromisso oficial à frente do Palácio do Planalto.
De lá para cá, a dupla já teve ao menos mais dois encontros. Um foi no escurinho de um sábado no Palácio do Jaburu, a residência oficial do vice-presidente. Deve ter sido só coincidência o tête-à-tête ter ocorrido logo após o primeiro abalo sofrido por Temer, a divulgação da delação premiada de Sérgio Machado, a acusar o interino de ter pedido grana para a campanha de um peemedebista à Prefeitura de São Paulo em 2012. Para todos os efeitos oficiais, a conversa versou sobre o orçamento do TSE.
O segundo foi no início de agosto, um jantar no aconchego de Gilmar Mendes. Também havia outros presentes, como o ministro da Agricultura, senador Blairo Maggi, e a justificativa propalada foi celebrar o fim de antigas negociações entre Brasil e EUA sobre o comércio de carne bovina. Mas, segundo relatos, o cardápio foi a conjuntura política.
Ali, por exemplo, Temer deixou claro que trabalharia para antecipar o julgamento de Dilma, inclusive pediria o apoio do presidente do Senado, seu ex-desafeto Renan Calheiros, prestes a emplacar no Ministério do Turismo um conterrâneo de Alagoas, o deputado Marx Beltrão, apesar de este ser réu no STF por falsidade ideológica.
Mendes envolver-se desta forma no impeachment, abertamente e perfilado em uma das trincheiras, não é novidade. Em julho de 2015, o magistrado foi a um café da manhã na casa do então presidente da Câmara Eduardo Cunha para discutir o assunto.
Perto da votação do processo pelos deputados, almoçou com o atual chanceler José Serra e o economista Arminio Fraga em Brasília. Dias depois, deu uma liminar contra a posse de Lula na Casa Civil, última grande cartada do PT contra o impeachment, enquanto em entrevistas Serra e Fraga anunciavam alvíssaras econômicas no caso de ascensão de Temer ao poder.
O peemedebista chegou lá. Mas parece cercado, em um beco sem muitas saídas.
Michel Temer foi à abertura da Olimpíada no Maracanã sob um esquema preparado para protegê-lo de um vexame global. Uma semana antes, o governo demitira o chefe do cerimonial da Rio-2016, Fernando Igreja, episódio a alimentar rumores entre diplomatas de que o embaixador foi espionado pelo aparelho de segurança de Temer e punido por “dilmismo”.
Na cerimônia, o nome do presidente interino não seria anunciado antes de ele declarar o início dos Jogos, seu discurso seria relâmpago e logo em seguida o volume de uma música subiria ao máximo. Tudo para impedir ou abafar vaias ao peemedebista diante das autoridades presentes e das bilhões de pessoas a assistir pela tevê. Em vão. Ele levou uma estrepitosa vaia.
Terá mais sorte em outra “operação blindagem”? Se assumir a Presidência de forma plena com a aprovação final do impeachment, desfecho para o qual atua com paixão, escapará de ser investigado em tramas suspeitas.
Histórias como a cobrança de dinheiro para campanhas do PMDB feita por Temer ao empreiteiro Marcelo Odebrecht e ao ex-presidente da Transpetro Sérgio Machado, conforme contaram ambos em delações premiadas na Operação Lava Jato, podem até aborrecer o interino no noticiário e no Congresso, mas sem consequências judiciais. Idem para desconfianças sobre seu envolvimento em propina no Porto de Santos e no favorecimento a uma empresa devedora do porto e financiadora de sua eleição em 2014.
A busca pela blindagem ajuda a entender por que o peemedebista e seus articuladores políticos querem liquidar o impeachment no Senado logo, até o fim de agosto. Nada de esperar o mês da primavera, quando devem ocorrer a homologação judicial da delação de Odebrecht e a votação da cassação de Eduardo Cunha, homem-bomba a assombrar o presidente, embora notícias recentes indiquem que ambas - delação e cassação - podem ser postergadas sabe-se lá para quando.
Não é uma estrada tranquila e sem espinhos, porém, apesar do inegável desejo parlamentar de degolar Dilma Rousseff, visto mais uma vez no Senado. O interino sofre pressões do tipo “faca no pescoço”. Indócil com a demora do governo em mergulhar no arrocho fiscal e numa agenda social e trabalhista dos sonhos do capital, desiludido com as derrotas do ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, o “mercado” ameaça tirar o aval a Temer.
Sempre afinado com a banca, o PSDB, segunda maior sigla governista, emana sentimentos parecidos. Com um agravante. Ninho de presidenciáveis, anda aborrecido com a mosca azul da gestão interina, que nem se firmou e já fala em reeleição.
Por causa dessa combinação de interesses políticos e econômicos, nem com o triunfo do impeachment Temer poderá sentir-se seguro de comandar o País até 2018. Seu futuro estará nas mãos do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), onde uma ação de autoria do PSDB tenta cassar a chapa Dilma-Temer.
À frente da Corte há um magistrado de indisfarçável pendor tucano, Gilmar Mendes. Mais: não se pode descartar o aproveitamento pelo TSE da delação de Marcelo Odebrecht, nem que o tesoureiro dilmista Edinho Silva, do PT, aceite uma missão partidária e faça uma delação sobre as finanças da chapa.
“Temer não tem liberdade de ação”, diz o cientista político Fábio Wanderley Reis, professor emérito da Universidade Federal de Minas Gerais. “Existem questões pendentes na Justiça Eleitoral, há o impacto das ações do governo na opinião pública e a contestação sobre a legitimidade do governo, a Lava Jato segue um elemento que gera incerteza e o apoio do PSDB é claramente oportunista.” Em outras palavras, o peemedebista seria mais um refém das circunstâncias do que senhor da situação.
De qualquer forma, ele luta para consolidar-se no poder e proteger-se para o que der e vier na seara judicial. Uma blindagem garantida pela Constituição, como sabe o professor de Direito Constitucional que se prontificou a negar a Carta de 1988. De acordo com a Constituição, o presidente só pode ser investigado pelo que fez no comando do Palácio do Planalto.
É o entendimento do procurador-geral da República, Rodrigo Janot, responsável por vigiar e investigar autoridades federais. No ano passado, após uma delação na Lava Jato citar Dilma, Janot arquivou o caso. “Há total impossibilidade de investigação do presidente da República na vigência de seu mandato sobre atos estranhos ao exercício de suas funções”, escreveu em despacho ao Supremo Tribunal Federal (STF).
Com o impeachment prestes a triunfar, repousa nas mãos do chefe do Ministério Público a decisão de tomar providências capazes de impedir a consumação da blindagem. Ou de repetir Pilatos. Na segunda-feira 8, sete parlamentares levaram à Procuradoria uma representação a cobrar de Janot que entre no STF com um pedido de afastamento de Temer da Presidência e que investigue o peemedebista. Para eles, há “fortes indícios” de corrupção contra o interino, o qual estaria atrás de um “salvo-conduto para se eximir”.
Os congressistas invocaram dois casos que seriam semelhantes à possibilidade de Temer valer-se do cargo para se salvar. Um é o de Cunha. Por entender que o réu por corrupção usou e abusou do comando da Câmara para melar investigações criminais e por quebra de decoro, Janot requereu ao STF sua destituição do posto. Argumentação aceita pela Corte, embora o tribunal tenha apontado motivos adicionais para sua decisão.
O outro caso diz respeito à indicação do ex-presidente Lula para a Casa Civil de Dilma. De início com uma visão diferente, Janot mudou de ideia e passou a achar que era uma tentativa de evitar a prisão do petista.
Defendeu tal tese no Supremo, onde Mendes concedeu uma liminar contra a nomeação, quando caiu em seu colo a relatoria de uma ação movida pelo PPS, hoje uma legenda temerista. Quase cinco meses depois, Lula continua em liberdade, sinal do exagero de Janot, PPS e Mendes, mas de todo modo, a liminar segue válida.
Entre os signatários da representação levada à Procuradoria havia senadores que logo votariam contra o impeachment, Lindbergh Farias e Fátima Bezerra, do PT, Vanessa Grazziotin, do PCdoB, e Randolfe Rodrigues, da Rede. Na madrugada da quarta-feira 10, após 17 horas de sessão, o Senado transformou Dilma em ré por crime de responsabilidade.
Foi um resultado tão previsível quanto as medalhas de ouro do nadador Michael Phelps. O placar mostrou uma folga maior para Temer do que quando do afastamento da petista em maio, 59 votos a favor da deposição e 21 contrários (o escore anterior fora de 55 a 22). Ela será julgada de vez no Senado na última semana de agosto, provavelmente.
Dilma acompanhou a sessão no Palácio da Alvorada, onde jantou com Lula, a discutir os termos de uma carta à nação divulgada na terça-feira 16. Já Temer mais uma vez não fez cerimônia. Cabalou votos para o impeachment feito candidato em campanha, e não um vice à espera do desenrolar de acontecimentos dramáticos. Afinal, para o interino, não importa se há razão jurídica para depor a mandatária, apenas se é conveniente do ponto de vista político, conforme disse em uma entrevista à agência Reuters.
Pela manhã, lançou no Planalto um plano requentado de revitalização da Bacia do Rio São Francisco, o “Novo Chico”, batismo por certo inspirado na novela global Velho Chico, em exibição. Uma tentativa de cativar senadores do Nordeste, região campeã do “Fora Temer”, como Antonio Carlos Valadares, do PSB de Sergipe e pró-impeachment, e Otto Alencar, do PSD da Bahia e que se manteve pró-Dilma, ambos presentes ao evento.
De quebra, o interino aproveitou para anunciar que mandara o Ministério do Planejamento pagar todas as obras de até 10 milhões de reais, uma festa para parlamentares autores de emendas ao orçamento. No fim da tarde, abriu o gabinete para a senadora goiana Lúcia Vânia, do PSB, uma suposta indecisa que na hora H foi de Temer.
Na véspera da sessão, uma desagradável surpresa internacional para o interino. Bernie Sanders, o velhinho socialista que quase arrancou este ano uma candidatura presidencial nos EUA pelo Partido Democrata, manifestou-se sobre a situação brasileira. Para ele, a deposição de Dilma move-se a neoliberalismo – austeridade, privatizações, agenda social de direita –, explicação para o ministério de homens brancos de Temer.
Sanders acredita que a Casa Branca deveria levar em conta que muitos brasileiros e observadores apontam um “golpe” sem razões jurídicas. “Os Estados Unidos não podem sentar-se em silêncio enquanto as instituições democráticas de um dos nossos aliados mais importantes são minadas”, disse ele em nota.
“Precisamos nos levantar pelas famílias trabalhadoras do Brasil e exigir que esta disputa seja resolvida com eleições democráticas.” Não foi capaz de mudar o rumo da votação do impeachment, mas entrou para os anais do Senado brasileiro, citado por Grazziotin.
O front externo constranger Temer e o impeachment não é novidade, como se sabe pelo noticiário e pela diplomacia. Na abertura da Olimpíada, havia bem menos líderes mundiais (abaixo de 20) do que o esperado pelo Itamaraty (acima de 40) e nos Jogos de Londres em 2012 (mais de 90). Ninguém se aventurou a posar para fotos ao lado de Temer.
Enquanto uma nova etapa do impeachment era votada, os deputados petistas Paulo Teixeira, Paulo Pimenta e Wadih Damous recorreram à Organização dos Estados Americanos (OEA) para tentar anular o processo de deposição de Dilma. Temer foi notificado pela OEA na terça-feira 16 e solicitado a prestar esclarecimentos.
Segundo a trinca de deputados, há um “golpe” em curso e este conta com a cumplicidade do Congresso e do Judiciário, daí ser inútil arriscar ações no Brasil. É duvidoso se algo de concreto surgirá daí, mas serve para embaraçar os protagonistas da cassação de Dilma.
Um desses protagonistas, Eduardo Cunha, obteve uma vitória daquelas, horas depois da votação no Senado. Até segunda ordem, a cassação dele será decidida no plenário da Câmara apenas em 12 de setembro. Uma segunda-feira, dia de poucos deputados em Brasília, chance de o réu por corrupção salvar o mandato. Ótima notícia para Temer, receoso de uma eventual vingança do velho parceiro.
O caso Cunha cozinha em banho-maria graças ao presidente da Câmara, Rodrigo Maia, do DEM. Ele leu o processo no plenário na segunda-feira 8, o que projetaria uma votação para o dia seguinte, mas na surdina tramou outro desfecho. Tramoia de fácil compreensão. Proteção ao interino.
Maia é genro de um dos notáveis do governo provisório, Moreira Franco, o homem das privatizações. E parece fechado com Temer. Em um rompante de franqueza e otimismo, lançou o peemedebista à reeleição, em entrevista ao Estado de S. Paulo de 30 de julho. “É a única candidatura que pode unificar a base do governo”, teorizou.
A proposta incomodou o PSDB. Temer telefonou para o presidente do partido, Aécio Neves, a fim de desfazer o mal-estar. Antes de ir ao Rio ser vaiado no Maracanã, programou um jantar com caciques tucanos no Palácio do Jaburu. Em vão. Os convidados não se esforçaram para permanecer em Brasília na noite da quarta-feira 3.
O papo só aconteceu duas semanas depois, na quarta-feira 17. “Essa ideia de reeleição é algo que não deveria ter sido dita agora. Não se sabe quem estará no jogo em 2018 nem quais serão os resultados do governo”, afirma o deputado tucano Marcus Pestana, mineiro próximo a Aécio.
Um deputado do PMDB, ex-ministro, acha que a mosca azul picou os “temeristas”. A especulação sobre a reeleição, diz, seria obra do trio Moreira Franco, Eliseu Padilha, chefe da Casa Civil, e Geddel Vieira Lima, ministro da Secretaria de Governo. Para ele, contudo, o governo Temer está fadado a cumprir tabela. “Se o Michel fizer o que se propõe, não tem como disputar a reeleição.”
A agenda do governo provisório é cheia de impopularidades, entre elas, a reforma da Previdência e a trabalhista e o congelamento de gastos com saúde e educação por 20 anos. Ajustes destinados a não pôr em risco o pagamento da dívida pública e a garantir competitividade das empresas por meio do barateamento do trabalhador.
Nos últimos tempos, o “mercado” passou a desconfiar da disposição de Temer para levar adiante tal agenda. Foi sintomático um artigo publicado em 27 de julho no jornal Valor pelo economista-chefe do Credit Suisse, Nilson Teixeira, intitulado “Confiança pode acabar em novembro”, no qual sugere que a paciência com Temer está no fim. Argumento repetido ultimamente por tucanos no Congresso, caso do líder no Senado, Cássio Cunha Lima.
“O poder econômico cumpriu sua parte no impeachment, agora o Temer tem de entregar a dele”, diz o economista João Sicsú, da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Uma obrigação que lhe custará caro, afirma, pois tende a aumentar a rejeição popular ao peemedebista, dono de magros índices de aprovação. “O programa dele é baseado em arrocho salarial, supressão de direitos sociais, neoliberalismo. Pode até gerar algum crescimento, mas com aumento da concentração de renda e redução do mercado de consumo.”
Diante disso, a celebração do impeachment não assegura Temer no Planalto até 2018. Caso se convença de que ele não tem a serventia imaginada, a elite política e econômica poderá usar a Justiça Eleitoral para livrar-se do peemedebista.
O que explica o interino namorar o presidente do TSE desde as primeiras horas no poder. Literalmente. Temer assumiu o posto no amanhecer de 12 de maio e, quando o sol se pôs, correu à posse de Gilmar Mendes no comando da corte, seu primeiro compromisso oficial à frente do Palácio do Planalto.
De lá para cá, a dupla já teve ao menos mais dois encontros. Um foi no escurinho de um sábado no Palácio do Jaburu, a residência oficial do vice-presidente. Deve ter sido só coincidência o tête-à-tête ter ocorrido logo após o primeiro abalo sofrido por Temer, a divulgação da delação premiada de Sérgio Machado, a acusar o interino de ter pedido grana para a campanha de um peemedebista à Prefeitura de São Paulo em 2012. Para todos os efeitos oficiais, a conversa versou sobre o orçamento do TSE.
O segundo foi no início de agosto, um jantar no aconchego de Gilmar Mendes. Também havia outros presentes, como o ministro da Agricultura, senador Blairo Maggi, e a justificativa propalada foi celebrar o fim de antigas negociações entre Brasil e EUA sobre o comércio de carne bovina. Mas, segundo relatos, o cardápio foi a conjuntura política.
Ali, por exemplo, Temer deixou claro que trabalharia para antecipar o julgamento de Dilma, inclusive pediria o apoio do presidente do Senado, seu ex-desafeto Renan Calheiros, prestes a emplacar no Ministério do Turismo um conterrâneo de Alagoas, o deputado Marx Beltrão, apesar de este ser réu no STF por falsidade ideológica.
Mendes envolver-se desta forma no impeachment, abertamente e perfilado em uma das trincheiras, não é novidade. Em julho de 2015, o magistrado foi a um café da manhã na casa do então presidente da Câmara Eduardo Cunha para discutir o assunto.
Perto da votação do processo pelos deputados, almoçou com o atual chanceler José Serra e o economista Arminio Fraga em Brasília. Dias depois, deu uma liminar contra a posse de Lula na Casa Civil, última grande cartada do PT contra o impeachment, enquanto em entrevistas Serra e Fraga anunciavam alvíssaras econômicas no caso de ascensão de Temer ao poder.
O peemedebista chegou lá. Mas parece cercado, em um beco sem muitas saídas.
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