Por Flavio Aguiar, na Rede Brasil Atual:
Corre a notícia de que José Serra mandou retirar a bandeira do Mercosul da frente do Palácio do Itamaraty, em Brasília. Não li desmentido até agora, nem vi foto da bandeira de volta ao mastro.
Também corre a notícia de que por alguma razão Serra voltou enfurecido dos Estados Unidos. A mais sugerida é uma discordância quanto 'a fala de Michel Temer na ONU, o trecho em que ele privilegiou a relação com os países da América Latina. Não dá para acreditar nesta fala do Temer, que entre outras coisas disse que o golpe em curso no Brasil é um exemplo para o mundo.
Mas parece que o Serra acreditou, teria se sentido desautorizado, deu um chá de cadeira em Temer, e voltou ameaçando demitir toda sua assessoria no Itamaraty, menos um. Não vi quem era o um, não sei porque a assessoria pagaria o pato em desagravo ao chanceler com chilique. Também não li desmentido até agora.
O pior disto tudo é que todas estas atitudes são absolutamente verossímeis, coerentes e consistentes dentro do teatro do absurdo implantado na política externa brasileira.
Como interventor no Itamaraty, Serra espatifou a laboriosa tradição construída pelo menos desde Rio Branco na nossa política externa. Segundo esta tradição, o Brasil era um país não-intervencionista, voltado para o negociação e a conciliação na cena internacional.
É verdade que já houve transgressões desta linha, e nisto não me refiro ao envio da FEB para lutar na Itália durante a Segunda Guerra. Refiro-me a outros eventos. Logo depois do golpe de 64 o Brasil participou, sob a bandeira da OEA, da invasão da República Dominicana comandada pelos Estados Unidos para deter a revolução democrática que crescia naquele país. Durante a sua ditadura o Brasil apoiou as dos países vizinhos. Enviou uma força-tarefa policial ao Chile depois da queda de Allende. Apoiou ostensivamente a ditadura no Uruguai, lembrando os tempos do Império quando este interferiu seguidamente na política interna do país vizinho, sendo este um dos elementos que ajudou a desencadear a nefasta Guerra do Paraguai, devido à questão do controle sobre a embocadura do Prata.
Serra está superando estas iniciativas algo esporádicas, sob a forma de surtos. O Brasil que Serra projeta é um país intervencionista (o alvo agora é auxiliar a derrubada do governo de Maduro na Venezuela), que despreza a convivência pacífica internacional, e que parte para uma "diplomacia" do confronto, do conflito e da desavença.
É uma projeção decididamente temerária, que contraria as principais tendências da diplomacia na cena internacional de hoje, que se centra na organização de blocos e afinidades eletivas.
É uma "diplomacia" que nada tem de "soft", para usar conceito universalmente reconhecido e tido como louvável, embora não tenha (graças a Deus) força militar por detrás. Até mesmo a diplomacia norte-americana, com todo seu intervencionismo e comportamento imperial, organiza tentativas de formação de blocos, como as Parcerias do Pacífico e do Atlântico, embora estas se encontrem, de momento, em impasses. No Pacífico, apesar de tudo, os EUA não estão conseguindo isolar a China. Na Europa, a parceria rateia em termos de acordos concretos e enfrenta forte oposição por parte dos movimentos sociais.
Além das injustiças cometidas, o caráter temerário desta política agressiva se deve a possibilidade - já em curso - de levar o país a um isolamento internacional por parte de parceiros desejáveis, os vizinhos latino-americanos, a África, setores da Ásia, os Brics. Tudo isto em nome da ilusão de que tal afastamento da política aberta, multi-lateral levaria a uma intensificação das relações bilaterais e então exclusivas do Brasil com os países "ricos" – os Estados Unidos, sobretudo, a Europa (de preferencia a Ocidental) e eventualmente Israel e Japão.
Quanto mais o Brasil se rebaixe a esta condição subordinada, menos atrativo se tornará, sem falar na instabilidade política que vai dominar a frente interna deste governo no horizonte próximo. E cedo ou tarde o confronto e a desavença chegarão à Argentina, mesmo a de Macri.
Ao que tudo indica, pelo menos de momento nada deterá esta "diplomacia do porretinho" empunhada por Serra. Esta é a bandeira que ele está dando.
Entrementes, fico pensando no que aconteceria se algum ministro aqui na Europa mandasse retirar sem mais nem menos a bandeira da União Europeia da frente do seu ministério. Ele seria defenestrado na hora.
Li comentários sem pé nem cabeça da direita brasileira dizendo que ao retirar a bandeira do Mercosul Serra restaurou a soberania nacional. Esta direita vai lembrar o caso do Brexit. Mas além da sua implementação estar virando uma complicada dança de salão, neste caso houve um plebiscito, é bom lembrar.
Também corre a notícia de que por alguma razão Serra voltou enfurecido dos Estados Unidos. A mais sugerida é uma discordância quanto 'a fala de Michel Temer na ONU, o trecho em que ele privilegiou a relação com os países da América Latina. Não dá para acreditar nesta fala do Temer, que entre outras coisas disse que o golpe em curso no Brasil é um exemplo para o mundo.
Mas parece que o Serra acreditou, teria se sentido desautorizado, deu um chá de cadeira em Temer, e voltou ameaçando demitir toda sua assessoria no Itamaraty, menos um. Não vi quem era o um, não sei porque a assessoria pagaria o pato em desagravo ao chanceler com chilique. Também não li desmentido até agora.
O pior disto tudo é que todas estas atitudes são absolutamente verossímeis, coerentes e consistentes dentro do teatro do absurdo implantado na política externa brasileira.
Como interventor no Itamaraty, Serra espatifou a laboriosa tradição construída pelo menos desde Rio Branco na nossa política externa. Segundo esta tradição, o Brasil era um país não-intervencionista, voltado para o negociação e a conciliação na cena internacional.
É verdade que já houve transgressões desta linha, e nisto não me refiro ao envio da FEB para lutar na Itália durante a Segunda Guerra. Refiro-me a outros eventos. Logo depois do golpe de 64 o Brasil participou, sob a bandeira da OEA, da invasão da República Dominicana comandada pelos Estados Unidos para deter a revolução democrática que crescia naquele país. Durante a sua ditadura o Brasil apoiou as dos países vizinhos. Enviou uma força-tarefa policial ao Chile depois da queda de Allende. Apoiou ostensivamente a ditadura no Uruguai, lembrando os tempos do Império quando este interferiu seguidamente na política interna do país vizinho, sendo este um dos elementos que ajudou a desencadear a nefasta Guerra do Paraguai, devido à questão do controle sobre a embocadura do Prata.
Serra está superando estas iniciativas algo esporádicas, sob a forma de surtos. O Brasil que Serra projeta é um país intervencionista (o alvo agora é auxiliar a derrubada do governo de Maduro na Venezuela), que despreza a convivência pacífica internacional, e que parte para uma "diplomacia" do confronto, do conflito e da desavença.
É uma projeção decididamente temerária, que contraria as principais tendências da diplomacia na cena internacional de hoje, que se centra na organização de blocos e afinidades eletivas.
É uma "diplomacia" que nada tem de "soft", para usar conceito universalmente reconhecido e tido como louvável, embora não tenha (graças a Deus) força militar por detrás. Até mesmo a diplomacia norte-americana, com todo seu intervencionismo e comportamento imperial, organiza tentativas de formação de blocos, como as Parcerias do Pacífico e do Atlântico, embora estas se encontrem, de momento, em impasses. No Pacífico, apesar de tudo, os EUA não estão conseguindo isolar a China. Na Europa, a parceria rateia em termos de acordos concretos e enfrenta forte oposição por parte dos movimentos sociais.
Além das injustiças cometidas, o caráter temerário desta política agressiva se deve a possibilidade - já em curso - de levar o país a um isolamento internacional por parte de parceiros desejáveis, os vizinhos latino-americanos, a África, setores da Ásia, os Brics. Tudo isto em nome da ilusão de que tal afastamento da política aberta, multi-lateral levaria a uma intensificação das relações bilaterais e então exclusivas do Brasil com os países "ricos" – os Estados Unidos, sobretudo, a Europa (de preferencia a Ocidental) e eventualmente Israel e Japão.
Quanto mais o Brasil se rebaixe a esta condição subordinada, menos atrativo se tornará, sem falar na instabilidade política que vai dominar a frente interna deste governo no horizonte próximo. E cedo ou tarde o confronto e a desavença chegarão à Argentina, mesmo a de Macri.
Ao que tudo indica, pelo menos de momento nada deterá esta "diplomacia do porretinho" empunhada por Serra. Esta é a bandeira que ele está dando.
Entrementes, fico pensando no que aconteceria se algum ministro aqui na Europa mandasse retirar sem mais nem menos a bandeira da União Europeia da frente do seu ministério. Ele seria defenestrado na hora.
Li comentários sem pé nem cabeça da direita brasileira dizendo que ao retirar a bandeira do Mercosul Serra restaurou a soberania nacional. Esta direita vai lembrar o caso do Brexit. Mas além da sua implementação estar virando uma complicada dança de salão, neste caso houve um plebiscito, é bom lembrar.
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