Por Luiz Gonzaga Belluzzo, na revista CartaCapital:
Palavras de Ulysses Guimarães na sessão de promulgação da Constituição de 1988: “A sociedade foi Rubens Paiva e não os facínoras que o mataram. Foi a sociedade, mobilizada nos colossais comícios das Diretas Já, que, pela transição e pela mudança, derrotou o Estado usurpador. Termino com as palavras com que comecei esta fala: a Nação quer mudar. A Nação deve mudar. A Nação vai mudar. A Constituição pretende ser a voz, a letra, a vontade política da sociedade rumo à mudança. Que a promulgação seja nosso grito: – Mudar para vencer! Muda Brasil”.
Há quem diga que o Brasil, ao promulgar a Constituição de 1988, entrou tardia e timidamente no clube dos países que apostaram na ampliação dos direitos e deveres da cidadania moderna. Submetidos ao longo de mais de três séculos à dialética do obscurecimento que regia as relações de poder numa sociedade marcada pelo vezo colonial-escravocrata e, depois da Independência, pelo coronelato primário-exportador, os brasileiros subalternos deram na Constituinte passos importantes para alcançar os direitos do indivíduo moderno.
Estamos hoje diante de um lamentável episódio: o impeachment da vontade majoritária do povo brasileiro. É a prova provada das ilusões do grande brasileiro. Otimista, o Senhor Diretas superou na Constituinte as amarguras que compartilhou com os amigos reunidos em sua casa na posteridade da derrota das Diretas Já. No discurso que proferiu, Ulysses fustigou a cumplicidade de muitos que estavam na oposição, mas temiam a “radicalidade” de um governo eleito pelo povo. Constrangidos a participar dos comícios, tais “oposicionistas” acenavam com a mão esquerda para os cidadãos aglomerados nas praças, mas cuidavam de livrar a direita para montar os arranjos da eleição indireta. Por isso, os náufragos do regime militar conseguiram chegar à praia, acolhidos pelo bote salva-vidas capitaneado pela turma do deixa-disso.
A campanha pelas Diretas promoveu uma forte mobilização popular, mas não teve forças para derrubar as casamatas do poder real que, desde sempre, comanda nos bastidores a política brasileira. Essa turma não tem o hábito de dar refresco ao inimigo. Em suas fileiras abrigam-se os liberais que apoiam golpes de Estado, as camadas endinheiradas e remediadas que mal toleram a soberania popular e as gentes midiáticas que abominam a opinião divergente.
Em 1992, os cara-pintadas acorreram às ruas para pedir o impeachment do então presidente Fernando Collor de Mello. Antes de morrer, Ulysses manifestou temor diante da destituição de um presidente eleito pelo sufrágio universal. Temor de um liberal progressista que, na campanha popular pelas eleições diretas e na Constituinte, sofreu o assédio insidioso, persistente e renovado do velho arranjo oligárquico que pretende controlar a vida dos brasileiros.
A estrutura de classes no Brasil é muito original: na cúspide, os predadores rentistas que disputam os despojos da riqueza velha; no meio, os trouxas e os espertalhões ideológicos das camadas falantes semi-ilustradas; lá embaixo, os “ferrados” que tentam desesperadamente emergir da miséria.
As lideranças das classes dominantes brasileiras e seus porta-vozes na mídia estão sempre alinhados com o que há de mais caquético no caquético capitalismo brasileiro.
O arranjo social do atraso preconiza uma sociedade submissa ao rentismo, refém da estagnação, prisioneira da defesa da riqueza estéril alimentada por fluxos de hot dollars. Imobilizados nos pântanos do parasitismo, os bacanas e sabichões acovardam-se diante dos azares da incerteza, avesso aos riscos de construção da nova riqueza. Aí está desvelado, em sua perversidade essencial, o “segredo” das reivindicações antissociais dos vassalos e esbirros do enriquecimento sem esforço cevado por taxas de juro absurdas. Clamam pelo aumento do desemprego.
Para completar o panorama sinistro, os brasileiros estão à mercê da invasão insidiosa dos comportamentos midiáticos nas burocracias não eleitas, encarregados de vigiar e punir. O aparato judicial brasileiro está assumindo a configuração social de uma casta de privilegiados, infectada pelo vírus letal do protagonismo vulgar que contamina o mundo das celebridades. Não são poucos os que percebem o fenômeno e o abominam, mas preferem recolher-se diante das exuberâncias perigosas do narcisismo.
Palavras de Ulysses Guimarães na sessão de promulgação da Constituição de 1988: “A sociedade foi Rubens Paiva e não os facínoras que o mataram. Foi a sociedade, mobilizada nos colossais comícios das Diretas Já, que, pela transição e pela mudança, derrotou o Estado usurpador. Termino com as palavras com que comecei esta fala: a Nação quer mudar. A Nação deve mudar. A Nação vai mudar. A Constituição pretende ser a voz, a letra, a vontade política da sociedade rumo à mudança. Que a promulgação seja nosso grito: – Mudar para vencer! Muda Brasil”.
Há quem diga que o Brasil, ao promulgar a Constituição de 1988, entrou tardia e timidamente no clube dos países que apostaram na ampliação dos direitos e deveres da cidadania moderna. Submetidos ao longo de mais de três séculos à dialética do obscurecimento que regia as relações de poder numa sociedade marcada pelo vezo colonial-escravocrata e, depois da Independência, pelo coronelato primário-exportador, os brasileiros subalternos deram na Constituinte passos importantes para alcançar os direitos do indivíduo moderno.
Estamos hoje diante de um lamentável episódio: o impeachment da vontade majoritária do povo brasileiro. É a prova provada das ilusões do grande brasileiro. Otimista, o Senhor Diretas superou na Constituinte as amarguras que compartilhou com os amigos reunidos em sua casa na posteridade da derrota das Diretas Já. No discurso que proferiu, Ulysses fustigou a cumplicidade de muitos que estavam na oposição, mas temiam a “radicalidade” de um governo eleito pelo povo. Constrangidos a participar dos comícios, tais “oposicionistas” acenavam com a mão esquerda para os cidadãos aglomerados nas praças, mas cuidavam de livrar a direita para montar os arranjos da eleição indireta. Por isso, os náufragos do regime militar conseguiram chegar à praia, acolhidos pelo bote salva-vidas capitaneado pela turma do deixa-disso.
A campanha pelas Diretas promoveu uma forte mobilização popular, mas não teve forças para derrubar as casamatas do poder real que, desde sempre, comanda nos bastidores a política brasileira. Essa turma não tem o hábito de dar refresco ao inimigo. Em suas fileiras abrigam-se os liberais que apoiam golpes de Estado, as camadas endinheiradas e remediadas que mal toleram a soberania popular e as gentes midiáticas que abominam a opinião divergente.
Em 1992, os cara-pintadas acorreram às ruas para pedir o impeachment do então presidente Fernando Collor de Mello. Antes de morrer, Ulysses manifestou temor diante da destituição de um presidente eleito pelo sufrágio universal. Temor de um liberal progressista que, na campanha popular pelas eleições diretas e na Constituinte, sofreu o assédio insidioso, persistente e renovado do velho arranjo oligárquico que pretende controlar a vida dos brasileiros.
A estrutura de classes no Brasil é muito original: na cúspide, os predadores rentistas que disputam os despojos da riqueza velha; no meio, os trouxas e os espertalhões ideológicos das camadas falantes semi-ilustradas; lá embaixo, os “ferrados” que tentam desesperadamente emergir da miséria.
As lideranças das classes dominantes brasileiras e seus porta-vozes na mídia estão sempre alinhados com o que há de mais caquético no caquético capitalismo brasileiro.
O arranjo social do atraso preconiza uma sociedade submissa ao rentismo, refém da estagnação, prisioneira da defesa da riqueza estéril alimentada por fluxos de hot dollars. Imobilizados nos pântanos do parasitismo, os bacanas e sabichões acovardam-se diante dos azares da incerteza, avesso aos riscos de construção da nova riqueza. Aí está desvelado, em sua perversidade essencial, o “segredo” das reivindicações antissociais dos vassalos e esbirros do enriquecimento sem esforço cevado por taxas de juro absurdas. Clamam pelo aumento do desemprego.
Para completar o panorama sinistro, os brasileiros estão à mercê da invasão insidiosa dos comportamentos midiáticos nas burocracias não eleitas, encarregados de vigiar e punir. O aparato judicial brasileiro está assumindo a configuração social de uma casta de privilegiados, infectada pelo vírus letal do protagonismo vulgar que contamina o mundo das celebridades. Não são poucos os que percebem o fenômeno e o abominam, mas preferem recolher-se diante das exuberâncias perigosas do narcisismo.
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