Por Paulo Moreira Leite, em seu blog:
Você pode ter a opinião que quiser sobre a morte de Teori Zavascki. Mas é bom definir um ponto básico: o esclarecimento de um crime nunca é um exercício simples, em particular quando o resultado da investigação pode gerar benefícios e prejuízos em escala gigantesca para inocentes e culpados.
Neste caso, o trabalho de apuração muitas vezes costuma ser influenciado por fatores que não têm nenhuma relação com fatos ou provas, mas com as conveniências de quem investiga, como equipes policiais e Ministério Público, e as preferências políticas e interesses comerciais de quem divulga os resultados, que são os grandes veículos de mídia. São duas faces da moeda.
Somos um país onde as mortes de homens públicos sempre são vistas sob suspeita. Ainda presente na memória, o passado da luta democrática oferece uma causa compreensível para tanta convicção. A ditadura militar se encarregou de demonstrar, de forma exaustiva, que o Estado pode mentir - e mente com facilidade para acobertar seus próprios crimes.
Num primeiro momento, a morte da mais conhecida vítima de tortura, o jornalista Vladimir Herzog, foi apresentada como suicídio. Até um fotógrafo que trabalhava para o DOI-CODI foi convocado para produzir imagens de Herzog em sua cela, num esforço suplementar - mas inútil - para dar credibilidade a uma mentira.
O empresário e deputado Rubens Paiva foi morto nas mesmas circunstâncias. Em vez de reconhecer o assassinato, o regime divulgou uma fraude. Alegou que Rubens Paiva havia sido resgatado por uma organização revolucionária quando era transportado pelo Rio de Janeiro.
Não surpreende assim que a morte de Tancredo Neves, o primeiro presidente civil após 21 anos de ditadura, tenha sido examinada com olhares de dúvida e interrogação.
É preciso reconhecer que existem suspeitas bombásticas que jamais foram esclarecidas nem confirmadas e mesmo assim produziram estragos gigantescos. Para ficar num caso que ninguém discute mais: as suspeitas delirantes sobre a Escola Base, em São Paulo, foram assopradas por policiais aos repórteres, produzindo uma ruína moral que jamais seria reparada.
Há outros exemplos, numa relação que cada um pode acrescentar de memória, pois todo mundo lembra pelo menos uma manchete que era 100% falsa.
Cabe considerar uma dificuldade, porém. É mais fácil reconhecer um inocente quando se vive num ambiente de consenso político e respeito pelos direitos individuais. No fim da ditadura, não havia dúvida de que pessoas eram torturadas e assassinadas pelo porão.
No Brasil de 2017, vive-se num ambiente de intolerância. Vigora a cultura da pós-verdade, na qual cada um diz o que quer e os fatos não importam. Vence o mais forte, aquele que é capaz de massacrar o adversário.
As suspeitas criminais em torno da morte de Teori Zavaski surgiram quando não havia uma única razão plausível para justificá-las. Era o célebre: "muito estranho" e demais variações que alimentam teorias conspiratórias de botequim.
As conversas ganharam outro sentido depois que familiares do ministro fizeram referência a ameaças telefônicas e outros fatos que devem ser apurados e esclarecidos. Verdade que fazem cotidiano dos personagens da Lava Jato, numa versão radical daquilo que se viu e se fez durante a AP 470. Tudo deve ser confirmado e esclarecido.
Se todo acidente com perda de vidas merece uma investigação cuidadosa, há duas hipóteses a considerar.
A primeira é fácil: caso surjam culpados, devem ser processados e julgados.
A segunda é difícil: o que acontece se não surgirem provas e tudo indicar que foi um acidente?
Aí é mais complicado. O país não está habituado a auto-crítica. A regra é esconder a sujeira sob vários tapetes. Nem as autoridades que acusam de forma leviana, nem os meios de comunicação que divulgam versões sem fazer o devido trabalho de checagem costumam assumir seus erros, por mais lamentáveis que tenham sido.
O padrão é teimar e insistir. Fingir que há dúvida, procurar novos argumentos. Achar quem tenha disposição de confirmar as suspeitas. Fazer perguntas ao infinito. A vantagem desse comportamento é fácil de entender. Você não prova nada - mas mantém o adversário na defensiva, incapaz de abrir a boca sem tomar vaia.
Numa sociedade do espetáculo com a nossa, a polícia e a justiça ocupam a posição de protagonistas, mas quem escreve o roteiro e apresenta a edição final é a TV Globo. O show está em fase de montagem para contar a tragédia de Teori.
É bom prestar atenção redobrada ao espetáculo que nos aguarda. O show do ano pode estar só começando.
Você pode ter a opinião que quiser sobre a morte de Teori Zavascki. Mas é bom definir um ponto básico: o esclarecimento de um crime nunca é um exercício simples, em particular quando o resultado da investigação pode gerar benefícios e prejuízos em escala gigantesca para inocentes e culpados.
Neste caso, o trabalho de apuração muitas vezes costuma ser influenciado por fatores que não têm nenhuma relação com fatos ou provas, mas com as conveniências de quem investiga, como equipes policiais e Ministério Público, e as preferências políticas e interesses comerciais de quem divulga os resultados, que são os grandes veículos de mídia. São duas faces da moeda.
Somos um país onde as mortes de homens públicos sempre são vistas sob suspeita. Ainda presente na memória, o passado da luta democrática oferece uma causa compreensível para tanta convicção. A ditadura militar se encarregou de demonstrar, de forma exaustiva, que o Estado pode mentir - e mente com facilidade para acobertar seus próprios crimes.
Num primeiro momento, a morte da mais conhecida vítima de tortura, o jornalista Vladimir Herzog, foi apresentada como suicídio. Até um fotógrafo que trabalhava para o DOI-CODI foi convocado para produzir imagens de Herzog em sua cela, num esforço suplementar - mas inútil - para dar credibilidade a uma mentira.
O empresário e deputado Rubens Paiva foi morto nas mesmas circunstâncias. Em vez de reconhecer o assassinato, o regime divulgou uma fraude. Alegou que Rubens Paiva havia sido resgatado por uma organização revolucionária quando era transportado pelo Rio de Janeiro.
Não surpreende assim que a morte de Tancredo Neves, o primeiro presidente civil após 21 anos de ditadura, tenha sido examinada com olhares de dúvida e interrogação.
É preciso reconhecer que existem suspeitas bombásticas que jamais foram esclarecidas nem confirmadas e mesmo assim produziram estragos gigantescos. Para ficar num caso que ninguém discute mais: as suspeitas delirantes sobre a Escola Base, em São Paulo, foram assopradas por policiais aos repórteres, produzindo uma ruína moral que jamais seria reparada.
Há outros exemplos, numa relação que cada um pode acrescentar de memória, pois todo mundo lembra pelo menos uma manchete que era 100% falsa.
Cabe considerar uma dificuldade, porém. É mais fácil reconhecer um inocente quando se vive num ambiente de consenso político e respeito pelos direitos individuais. No fim da ditadura, não havia dúvida de que pessoas eram torturadas e assassinadas pelo porão.
No Brasil de 2017, vive-se num ambiente de intolerância. Vigora a cultura da pós-verdade, na qual cada um diz o que quer e os fatos não importam. Vence o mais forte, aquele que é capaz de massacrar o adversário.
As suspeitas criminais em torno da morte de Teori Zavaski surgiram quando não havia uma única razão plausível para justificá-las. Era o célebre: "muito estranho" e demais variações que alimentam teorias conspiratórias de botequim.
As conversas ganharam outro sentido depois que familiares do ministro fizeram referência a ameaças telefônicas e outros fatos que devem ser apurados e esclarecidos. Verdade que fazem cotidiano dos personagens da Lava Jato, numa versão radical daquilo que se viu e se fez durante a AP 470. Tudo deve ser confirmado e esclarecido.
Se todo acidente com perda de vidas merece uma investigação cuidadosa, há duas hipóteses a considerar.
A primeira é fácil: caso surjam culpados, devem ser processados e julgados.
A segunda é difícil: o que acontece se não surgirem provas e tudo indicar que foi um acidente?
Aí é mais complicado. O país não está habituado a auto-crítica. A regra é esconder a sujeira sob vários tapetes. Nem as autoridades que acusam de forma leviana, nem os meios de comunicação que divulgam versões sem fazer o devido trabalho de checagem costumam assumir seus erros, por mais lamentáveis que tenham sido.
O padrão é teimar e insistir. Fingir que há dúvida, procurar novos argumentos. Achar quem tenha disposição de confirmar as suspeitas. Fazer perguntas ao infinito. A vantagem desse comportamento é fácil de entender. Você não prova nada - mas mantém o adversário na defensiva, incapaz de abrir a boca sem tomar vaia.
Numa sociedade do espetáculo com a nossa, a polícia e a justiça ocupam a posição de protagonistas, mas quem escreve o roteiro e apresenta a edição final é a TV Globo. O show está em fase de montagem para contar a tragédia de Teori.
É bom prestar atenção redobrada ao espetáculo que nos aguarda. O show do ano pode estar só começando.
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