Foto: Roberto Stuckert Filho |
Os advogados da presidenta eleita Dilma Rousseff, deposta pelo golpe parlamentar de 2016, apresentaram, na noite de sexta-feira, 25, suas alegações finais ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Na peça de 212 páginas, a defesa refuta as acusações de que a vitória nas eleições presidenciais de 2014 só teria sido possível porque a campanha de Dilma foi movida a farto dinheiro de origem suspeita. A ação foi movida pelo, candidato derrotado, o presidente nacional do PSDB, senador Aécio Neves (MG).
A defesa sustenta a lisura do pleito, rebate outras acusações e contra-ataca, alegando que não pesam contra a presidenta deposta suspeitas de envolvimento direto em pedidos de propina, o que não se pode dizer do candidato derrotado nas urnas. Aécio Neves foi citado nominalmente por executivos da Odebrecht como pedinte de dinheiro em caixa dois. O tucano chegou a alegar na petição inicial entregue ao TSE em 2014, depois da derrota, ter sido prejudicado pelas condições desiguais na disputa presidencial. Também Michel Temer manteve encontros ainda não esclarecidos com o próprio empresário Marcelo Odebrecht.
“A chapa opositora (de Aécio Neves), ao contrário do afirmado em sua petição inicial, não teria qualquer prejuízo a sua campanha, pois além de ter recebido doações oficiais, teria abastecido seus recursos com doações oriundas de suposto caixa dois, segundo os depoimentos de Benedito Júnior e Marcelo Odebrecht”, enfatiza o advogado Flávio Caetano, que lidera a defesa de Dilma no TSE, reforçada pelos advogados Arnaldo Versiani, Renato Moura Franco e Breno Bergson Santos.
Flávio Caetano e os advogados também rebatem a tese da separação da chapa eleita em 2014, como os advogados de Michel Temer vêm sustentando. O procurador eleitoral Nicolau Dino já se manifestou favoravelmente pela indivisibilidade da chapa. Além do mais, ao contrário de Dilma, foi Temer quem se encontrou com Marcelo Odebrecht, em 2014, no Palácio do Jaburu, residencial oficial do vice-presidente da República, onde participou de conversas destinadas a contribuições de campanha.
Tucano
Os advogados pediram a abertura de investigação das contas de Aécio Neves, baseado nos depoimentos de Marcelo Odebrecht, Benedito Júnior e Maria Lucia Tavares, no âmbito do TSE, com levantamento do sigilo imposto pelo ministro Herman Benjamin. E também a remessa do caso ao procurador Geral da República, Rodrigo Janot, para que avalie a instauração do procedimento investigatório em razão de eventual prática de crime de falsidade ideológica pelo ex-candidato Aécio Neves.
Flávio Caetano quer a retirada das tarjas sobre os depoimentos de Marcelo Odebrecht e Benedito Júnior, alegando que o sigilo imposto pelo relator causou prejuízo à defesa. Ele apresentou petição, encaminhada à parte ao TSE, também na sexta-feira, solicitando o fim das tarjas pretas, que cobrem seis páginas inteiras do depoimento de Marcelo Odebrecht e uma página completa do depoimento de Benedito Júnior. O advogado sustenta que os outros integrantes do TSE precisam conhecer o teor das declarações para compreenderem as alegações apresentadas pela defesa de Dilma.
No documento apresentado ao tribunal, os advogados reforçam a impossibilidade de a campanha da reeleição ter sido abastecida majoritariamente com recursos ilícitos, como sustenta o PSDB no processo. A defesa refuta ainda as insinuações e lembra que a campanha de Aécio recebeu dinheiro das empreiteiras, que doaram R$ 78,850 milhões do total de R$ 251,4 milhões arrecadados pelos tucanos para a disputa presidencial em 2014.
“Como cogitar de abuso de poder político dos réus se Aécio Neves e PSDB receberam 31,38% das empreiteiras em relação ao total arrecadado?”, sustenta o advogado. “O que interessa é deixar absolutamente claro que não há, e jamais haverá, qualquer afirmação ou informação, nem em depoimentos, nem em termos de colaboração premiada, de que Dilma Rousseff tenha qualquer participação direta ou indireta em atos de corrupção para obtenção de doações eleitorais, seja no âmbito da Operação Lava Jato ou de qualquer outra investigação”.
Tratamento desigual
A defesa de Dilma argumenta que o processo conta com mais de dois anos e três meses de intensa tramitação no TSE, tendo sido ouvidas mais de 42 testemunhas nesse prazo, sendo apenas oito de defesa. “Salta aos olhos a forma como [o processo] passou a ser conduzido a partir do dia 23 de fevereiro de 2017, ou seja, há exato um mês, com inaceitável atropelo procedimental, no que se denominou nesta peça como Fase Odebrecht”, argumenta Flávio Caetano.
O advogado cita o fato de o ministro Herman Benjamin ter decidido colher novos depoimentos como testemunhas de juízo, tendo como fundamento decisório os “vazamentos seletivos” publicados pela mídia escrita. Mas, ao fazer isso, acabou prejudicando a defesa ao não acolher as petições apresentadas pelos advogados para rejeitar as acusações formuladas. A defesa também lamenta o tempo exíguo que o relator concedeu às partes nas últimas semanas para exame dos depoimentos colhidos.
Flávio Caetano reclama ainda de cerceamento de defesa, listando que o relator do processo no TSE negou praticamente todos os requerimentos apresentados, inclusive para colher depoimentos que pudessem refutar as alegações de delatores – sem apresentação de provas – sobre encontros, pedidos e reuniões a despeito da doação de dinheiro para a campanha da reeleição da chapa Dilma-Temer em 2014. A oitava dos presidentes dos partidos aliados – PDT, PCdoB, PP, PROS, PPR –, por exemplo, poderia servir de contraponto. Praticamente todos os pedidos foram indeferidos.
Odebrecht
Nas alegações finais, os advogados de Dilma voltam a rebater as insinuações de que Marcelo Odebrecht era íntimo da presidenta eleita. “Dilma Rousseff jamais teve qualquer relação de proximidade com Marcelo Odebrecht e nunca fez qualquer reunião em particular com ele, nem tratou de qualquer assunto que tivesse relação direta ou indireta com suas campanhas eleitorais”, afirma Flávio Caetano.
A defesa refuta também a declaração do empresário de ter se encontrado com o ex-ministro Guido Mantega, em 2009, quando a autoridade responsável pelo Ministério da Fazenda do governo Lula teria solicitado ao empresário uma doação ilegal de R$ 50 milhões para a campanha de 2010 de Dilma. Caetano argumenta que a declaração do empresário é mentirosa.
“Trata-se de versão fantasiosa de inaceitável falsa acusação feita a Guido Mantega que, repita-se, não pode falar em juízo porque o eminente ministro relator não quis ouvi-lo, em inescapável ofensa ao contraditório e ampla defesa”, sustenta o advogado.
“Se realmente fossem prometidos os tais R$ 50 milhões para a campanha de 2010, indaga-se: Por que tais valores não teriam sido utilizados em 2010?”, questiona. Segundo Marcelo Odebrecht, porque não teria sido necessário. Caetano rechaça a hipótese. “Em 2010, a campanha da chapa Dilma-Temer foi encerrada com elevado déficit e a dívida foi assumida pelo PT”, argumenta.
O advogado reforça que, além disso, em 2009, era impossível que Mantega pedisse qualquer doação à campanha de Dilma de 2010, por duas razões de flagrante notoriedade: 1) naquele ano, Dilma foi acometida por um câncer, e ficou afastada do governo por quase todo o ano em tratamento; b) Em 2009, ninguém sabia que Dilma seria candidata em 2010, nem ela própria.
Contraditório
A defesa sustenta que houve um desequilíbrio na condução do processo, sendo a defesa prejudicada pela desigualdade de condições, inclusive porque a acusação pode dispor de mais tempo para sustentar suas absurdas alegações de que a chapa Dilma-Temer foi abastecida com dinheiro ilegal. As testemunhas requeridas pelo juízo – do empresário Marcelo Odebrecht aos ex-diretores da empreiteira – falaram durante 18h42. As testemunhas arroladas pela defesa para contrapor as acusações somaram 1h27.
“O direito à igualdade, ou paridade de armas, foi amesquinhado”, reclama Flávio Caetano. “Salta aos olhos – literalmente – a gritante desigualdade de armas entre a acusação e a defesa, o que fere de morte, definitivamente, as garantias constitucionais, e direitos humanos, ao contraditório e à ampla defesa”.
Ele lembra que a ampla defesa e o contraditório são garantias estabelecidas no artigo 5º da Constituição: “ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal” e “aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes”.
ONU
No documento com as alegações finais, os advogados citam que o artigo 14 do Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos da ONU foi violado. O dispositivo assegura que “todas as pessoas são iguais perante os tribunais e as cortes de justiça” e que “toda pessoa pessoa acusada de um delito terá direito a que se presuma sua inocência enquanto não for legalmente comprovada sua culpa”.
O dispositivo prevê garantias a que “toda pessoa acusada de um delito terá direito”, incluindo “dispor do tempo e dos meios necessários à preparação de sua defesa e a comunicar-se com defensor de sua escolha”, “de ser julgado sem dilações indevidas” e “de interrogar ou fazer interrogar as testemunhas de acusação e de obter o comparecimento e o interrogatório das testemunhas de defesa nas mesmas condições de que dispõem as de acusação”.
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