Tema mandatório para debater a comunicação em governos, a força da Internet foi pauta de seminário realizado pelo Centro de Estudos da Mídia Alternativa Barão de Itararé sobre os desafios da comunicação nas administrações públicas. O debate, que ocorreu na manhã do sábado (26), em São Luís-MA, reuniu jornalistas e especialistas para esmiuçar o assunto.
A mesa contou com Renata Mielli, coordenadora do Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC); Renato Rovai, editor da Revista Fórum; Juan Pessoa, especialista em redes sociais; e Leandro Fortes, diretor da agência de comunicação CobraCriada.
De acordo com a exposição dos debatedores, o tema da Internet pode ser abordado por diversas perspectivas. Enquanto Leandro Fortes ressaltou o fim da intermediação entre a informação e a população feita por atores tradicionais, Renata Mielli lembrou que o Facebook coloca em cena outro tipo de intermediação: os algoritmos.
“Quando era jovem, na Bahia, tinha de fazer uma matéria sobre Juscelino Kubitschek. Não sabia escrever o nome dele e, com medo de errar, fui à biblioteca da cidade pra apurar o nome dele. Perdi 40 minutos, pelo menos, pra conferir a grafia correta. Era um processo complexo de trabalho e apuração. Hoje, repórter ir pra rua parece loucura”, compara Fortes.
Segundo o repórter, a Internet é uma força motriz que reorganiza a forma de fazer comunicação e de viver. “Confortável ou não, temos de nos adaptar”, postula. “A questão é que, para o usuário, há uma mudança importante: o fim do intermediário entre ele e a informação. O trabalho básico do jornalista, em última instância, é dar às pessoas a capacidade de compreender o mundo através da sua visão. Agora, essa relação mudou”.
Para a administração pública, na avaliação de Fortes, o novo cenário traz novidades bastante interessantes. “Se o governador fala alguma coisa em seu Twitter, a mídia tem que pescar a informação no ambiente do governador, o que dificulta a mentira e desinformação, ainda que existam”.
Na avaliação de Renato Rovai, a transição da sociedade industrial para a sociedade informacional tem colocado novos desafios para a comunicação sobre os quais é tarefa urgente nos debruçarmos. “A diferença de convidar amigos pra uma festa de aniversário usando fichas em orelhão e divulgando nas redes sociais incide, também, nas formas de organização dos movimentos sociais, por exemplo. Pensar comunicação tem que ser de forma conectada com esses novos modos de vida”, ressalta. “O João Dória Jr, em São Paulo, parece ter entendido isso de forma muito mais incisiva do que os governos progressistas”.
As políticas de comunicação, dentro de todos os órgãos e secretárias, têm de ser estratégicas para o governo, segundo Rovai. “Comunicação do governo não pode ser divulgação de feitos e defesa do mandato”, alerta, argumentando que “fazer comunicação em tempos como o que vivemos é investir no aprofundamento do processo democrático e de intervenção popular”.
Tomando como exemplo as praças digitais instaladas em São Paulo durante a gestão de Fernando Haddad (PT), que levou WiFi gratuito para mais de 120 praças da capital do estado, e os esforços de Flávio Dino (PCdoB) para fomentar meios alternativos a partir da publicidade oficial no Maranhão, Rovai questiona: “O que fazer com o dinheiro da publicidade para que não seja apenas sustentáculos do poder econômico e midiático locais, coordenados por gente antagônica a tudo que defendemos? Não devia nos interessar, ao chegarmos ao governo, ser a mão que alimenta o inimigo. É isso que temos feito, infelizmente”.
Mapear e pesquisar as redes é um dos expedientes para que as administrações públicas entendam e se comuniquem melhor. A colocação é de Juan Pessoa, que trabalhou com nomes como Dilma Roussef e Ollanta Humala, no Peru. “Temos que trabalhar com o engajamento orgânico. Técnicas de comunicação não se sobrepõem à política, mas é fator determinante”, salienta. “Como ocupamos espaços e territórios, ativando redes? É o desafio colocado”.
Se a mídia privada trata informação como mercadoria, é dever dos governos inverter esse prisma para pensar a comunicação. As mídias tradicionais, de acordo com ele, vêm colonizando, também, muitos dos novos espaços. O debate colocado é justamente esse, conforme pontua: como disputar narrativas em meio ao turbilhão de informações.
Internet para todos (?)
Problematizando as alvissareiras novidades digitais, Renata Mielli lembrou da submissão do país aos ditames do mercado quando se trata de políticas de acesso à Internet. “A questão do acesso é um gargalo estrutural. Temos 60 milhões de domicílios no Brasil e 34 milhões estão conectados. Ou seja, 50% dos domicílios do país. No Maranhão, 40% dos domicílios têm algum tipo de acesso à Internet – 60% não tem”, diz. “A esmagadora maioria desses números têm acesso apenas a partir do aparelho celular, e não Internet fixa, o que configura um acesso precário”.
Mielli critica os rumos que o Brasil têm escolhido para lidar com o assunto. A ideia, segundo ela, é institucionalizar e aprofundar a política de franquia de dados, empregadas pelas empresas de telecomunicações para aparelhos celular, também no serviço de Internet fixa. “Se acabar os dados na Internet fixa da sua casa, acabou. Hoje, você contrata a velocidade, navegando ilimitadamente. Este modelo está sob ameaça”.
Defender que a Internet seja reconhecida como um direito e um serviço essencial, conforme argumenta a jornalista, significa que, como define a Constituição, esse serviço precisa ser prestado em regime público, de forma a garantir modicidade tarifária e universalização. “Mas pelas leis brasileiras”, sublinha, “a Internet não é um serviço essencial, seguindo apenas as regras do mercado”.
Em meio a esse cenário, é dever do poder público agir de forma a induzir, econômica e socialmente, o desenvolvimento da Internet e das tecnologias da informação. “É o Estado que tem que fazer um contrapeso para que esse quadro não se torne prejudicial à sociedade”, opina. “Até porque as divisões sociais tendem a serem intensificadas com os rumos que as corporações da Internet têm tomado”.
Como exemplo, Mielli cita o caso do Facebook, que já contabiliza mais de 2 bilhões de usuários. “O Facebook está murando e fagocitando a Internet”, alerta, “o que vai matar justamente uma de suas principais características, que é a possibilidade de se comunicar de forma descentralizada”. Liberdade para criar start-ups e aplicativos que melhorem a qualidade de vida das pessoas e o grau de participação política não está nos planos da corporação, aponta.
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