Por Tarso Genro, no site Sul-21:
Uma das características mais marcantes da avaliação dos custos das reformas ditas “liberais” – o mais correto seria dizer neoliberais, pois o liberalismo político é democrático e depois de Weimar é também “social”- é a sua quantificação economicista. É uma quantificação estreitamente vinculada a manejos orçamentários e à manipulação de dados financeiros, que visam demonstrar que as “reformas” que encaminham estão na “direção certa”.
De forma conjugada com este tipo de avaliação, que suprime dor, pobreza, fome, desemprego, aumento de famílias nas ruas em mendicância, crianças dormindo ao relento e aumento da criminalidade, há um outro tipo de manipulação. Ela tem duas vertentes: uma, dedicada a exaltar o ódio de classe; outra, dedicada a apontar responsáveis – fora do esquema de poder dominante – pelo fracasso dos seus projetos dito reformistas.
A exaltação do ódio, frequentemente vem pela demonização dos partidos de esquerda e dos movimentos sociais, que são historicamente os responsáveis pelas pressões que redundaram na democratização do Estado e nas políticas sociais do Estado de Bem Estar, ora em demolição em todo o mundo. E o “apontamento” de responsáveis, pelo caos que a suas reformas instalam, normalmente é dedicado aos antecessores dos governos que eles desgovernam.
Apesar do esforço, da dedicação e da seriedade, da maioria dos integrantes da Polícia Civil e da Brigada Militar – o que possivelmente também deve valer para o Rio de Janeiro – a falta de quadros, a ausência de uma combinação de políticas sociais preventivas com repressão e investigação de qualidade, a falta de recursos para operações de maior vulto e para gastos correntes, bem como os atrasos salariais, colocaram Porto Alegre – pela primeira vez na já sua longa história – como a trigésima nona cidade mais perigosas do mundo e entre as cinco mais perigosas do Brasil. É um petardo, é uma bomba acusatória, é um desprestígio mundial!
Antes que se personalize este tipo de responsabilidade – o que evidentemente recai sobre os governantes de turno- é bom lembrar que estamos tratando, na verdade, de “projetos” de Estado, de país, de nação, de como se pode ordenar – de forma imediata – dentro da democracia, a atual sociedade de classes, para que ela seja menos violenta e desigual e qual o alcance necessário das políticas públicas integradoras, num país dotado também de brutais desigualdades regionais. No atual mundo perigoso e infame, estamos duramente nos perigos do mundo.
Os homens fazem os projetos e os projetos redesenham os homens e, nos casos em exame -RS e Brasil- uma ausência completa de capacidade de gestão, uma incapacidade política atroz e uma falta de liderança que é redundante (nos respectivos âmbitos políticos) nos levaram a esta situação de desgoverno: no Estado, tem-se o cinismo de apresentar um aumento brutal no endividamento público como uma vitória na negociação da dívida e, no Governo Federal, tem-se o caradurismo de apresentar uma Federação de Investigados e Denunciados como integrantes de um Governo que merece legitimidade.
O costume dos governantes que privilegiam (falsamente) a sanidade das contas públicas e os números (imediatos) do saneamento financeiro, é levar a economia, a desigualdade, a concentração de renda – atualmente privilegiando os rentistas do empresariado e as classes médias altas – ao fundo do poço. Depois, apresentar as pequenas recuperações no ambiente de certos negócios como a redenção econômica de todos, o que é falso e manipulatório: a recessão e a contração da economia geram tragédias inomináveis nas famílias mais pobres ou de baixa renda, que nunca são recuperadas, e a desigualdade social se ampliará – de maneira cada vez mais fatal – a não ser que o próprio projeto seja, à médio ou longo prazo, derrotado e substituído.
Devemos levar em conta, para o futuro da nossa democracia, que nenhum desses governos existiria – não seriam eleitos nem conseguiriam chegar ao poder através do golpismo paraguaio, se não fosse a complacência e a manipulação do oligopólio da mídia, que conseguiu substituir (por quanto tempo?) a política republicana – com seus vícios e virtudes – pelo economicismo tecnocrático do rentismo liberal, para o qual os seres humanos são números sem voz, os rostos são vultos sem emoção, a fome uma estatística congelada num papel em branco. E o frio do inverno, que sempre chega, será apenas um detalhe a ser resolvido com a generosidade das campanhas do agasalho. Nelas, porém, tudo se confunde e se dissolve, forte no calor humano que traz paz às consciências generosas, embora tudo – ao final – permaneça como sempre esteve.
* Tarso Genro foi Governador do Estado do Rio Grande do Sul, prefeito de Porto Alegre, Ministro da Justiça, Ministro da Educação e Ministro das Relações Institucionais do Brasil.
Uma das características mais marcantes da avaliação dos custos das reformas ditas “liberais” – o mais correto seria dizer neoliberais, pois o liberalismo político é democrático e depois de Weimar é também “social”- é a sua quantificação economicista. É uma quantificação estreitamente vinculada a manejos orçamentários e à manipulação de dados financeiros, que visam demonstrar que as “reformas” que encaminham estão na “direção certa”.
De forma conjugada com este tipo de avaliação, que suprime dor, pobreza, fome, desemprego, aumento de famílias nas ruas em mendicância, crianças dormindo ao relento e aumento da criminalidade, há um outro tipo de manipulação. Ela tem duas vertentes: uma, dedicada a exaltar o ódio de classe; outra, dedicada a apontar responsáveis – fora do esquema de poder dominante – pelo fracasso dos seus projetos dito reformistas.
A exaltação do ódio, frequentemente vem pela demonização dos partidos de esquerda e dos movimentos sociais, que são historicamente os responsáveis pelas pressões que redundaram na democratização do Estado e nas políticas sociais do Estado de Bem Estar, ora em demolição em todo o mundo. E o “apontamento” de responsáveis, pelo caos que a suas reformas instalam, normalmente é dedicado aos antecessores dos governos que eles desgovernam.
Apesar do esforço, da dedicação e da seriedade, da maioria dos integrantes da Polícia Civil e da Brigada Militar – o que possivelmente também deve valer para o Rio de Janeiro – a falta de quadros, a ausência de uma combinação de políticas sociais preventivas com repressão e investigação de qualidade, a falta de recursos para operações de maior vulto e para gastos correntes, bem como os atrasos salariais, colocaram Porto Alegre – pela primeira vez na já sua longa história – como a trigésima nona cidade mais perigosas do mundo e entre as cinco mais perigosas do Brasil. É um petardo, é uma bomba acusatória, é um desprestígio mundial!
Antes que se personalize este tipo de responsabilidade – o que evidentemente recai sobre os governantes de turno- é bom lembrar que estamos tratando, na verdade, de “projetos” de Estado, de país, de nação, de como se pode ordenar – de forma imediata – dentro da democracia, a atual sociedade de classes, para que ela seja menos violenta e desigual e qual o alcance necessário das políticas públicas integradoras, num país dotado também de brutais desigualdades regionais. No atual mundo perigoso e infame, estamos duramente nos perigos do mundo.
Os homens fazem os projetos e os projetos redesenham os homens e, nos casos em exame -RS e Brasil- uma ausência completa de capacidade de gestão, uma incapacidade política atroz e uma falta de liderança que é redundante (nos respectivos âmbitos políticos) nos levaram a esta situação de desgoverno: no Estado, tem-se o cinismo de apresentar um aumento brutal no endividamento público como uma vitória na negociação da dívida e, no Governo Federal, tem-se o caradurismo de apresentar uma Federação de Investigados e Denunciados como integrantes de um Governo que merece legitimidade.
O costume dos governantes que privilegiam (falsamente) a sanidade das contas públicas e os números (imediatos) do saneamento financeiro, é levar a economia, a desigualdade, a concentração de renda – atualmente privilegiando os rentistas do empresariado e as classes médias altas – ao fundo do poço. Depois, apresentar as pequenas recuperações no ambiente de certos negócios como a redenção econômica de todos, o que é falso e manipulatório: a recessão e a contração da economia geram tragédias inomináveis nas famílias mais pobres ou de baixa renda, que nunca são recuperadas, e a desigualdade social se ampliará – de maneira cada vez mais fatal – a não ser que o próprio projeto seja, à médio ou longo prazo, derrotado e substituído.
Devemos levar em conta, para o futuro da nossa democracia, que nenhum desses governos existiria – não seriam eleitos nem conseguiriam chegar ao poder através do golpismo paraguaio, se não fosse a complacência e a manipulação do oligopólio da mídia, que conseguiu substituir (por quanto tempo?) a política republicana – com seus vícios e virtudes – pelo economicismo tecnocrático do rentismo liberal, para o qual os seres humanos são números sem voz, os rostos são vultos sem emoção, a fome uma estatística congelada num papel em branco. E o frio do inverno, que sempre chega, será apenas um detalhe a ser resolvido com a generosidade das campanhas do agasalho. Nelas, porém, tudo se confunde e se dissolve, forte no calor humano que traz paz às consciências generosas, embora tudo – ao final – permaneça como sempre esteve.
* Tarso Genro foi Governador do Estado do Rio Grande do Sul, prefeito de Porto Alegre, Ministro da Justiça, Ministro da Educação e Ministro das Relações Institucionais do Brasil.
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