Foto: Cezar Xavier |
O manifesto Unidade para reconstruir o Brasil foi tema de debate nesta terça-feira (20), em São Paulo, no Centro de Estudos da Mídia Alternativa Barão de Itararé. Os presidentes e representantes das fundações que assinam o documento dialogaram, acompanhados do comentário e questionamentos da jornalista Maria Inês Nassif e da presidenta da UJS, Carina Vitral.
Os representantes das fundações foram seus presidentes Marcio Pochmann (Fundação Perseu Abramo), Renato Rabelo (Fundação Mauricio Grabois), Francisvaldo Mendes (Fundação Lauro Campos) e Henrique Matthiessen, que substituiu Manoel Dias, presidente da Fundação Leonel Brizola-Alberto Pasqualini.
Assinado pelas principais forças partidárias da esquerda brasileira, o manifesto expressa que, apesar das diferenças de estratégias e táticas eleitorais, é urgente a construção de uma base programática convergente que sirva de resposta à avalanche de retrocessos impostos pelo governo ilegítimo de Michel Temer. Por isso, o documento enumera razões e lista tarefas imediatas para a elaboração deste projeto unitário.
Bandeiras amplas e aglutinadoras
O presidente da Fundação Maurício Grabois, Renato Rabelo abriu sua apresentação do manifesto afirmando que ele é um esforço coletivo na busca de uma alternativa comum. “Antes nós não tínhamos um leito comum até mesmo para o diálogo. Diálogo sobre o que? Antes se falava sobre tudo, até muita autocrítica sobre os governos. Agora, é um ponto de partida e está em aberto, mas precisa de continuidade, senão vai parar aqui”, alertou.
Para o dirigente comunista, o grande desafio deste manifesto é superar a crise brasileira e distinguir um projeto de desenvolvimento destinado ao Brasil atual, ou seja, “um projeto desenvolvimentista em novas bases para a reconstrução do Brasil”.
De acordo com a leitura estratégica de Renato, o governo golpista implantou uma ordem que se atrela a um duplo sentido hegemonista: Subordina-se integralmente ao neoliberalismo e atrela-se ao domínio neocolonial imperialista, sobretudo dos EUA. “Por isso, este governo desmonta o pacto de 1988 e vai até Getúlio, com a reforma trabalhista e previdenciária”, diz ele.
Renato aponta uma encruzilhada para o Brasil, neste momento. Ou o país se reencontra com a democracia, a soberania e o progresso social, ou vamos nos submeter à ordem atual, contra a nação e o povo, por esse consórcio conservador que deu o golpe.
O cenário internacional tem ameaças, de acordo com ele, mas tem oportunidades também. O mal-estar da globalização neoliberal e os novos polos de poder que emergem no sistema internacional podem abrir caminhos próprios e autônomos para países como o nosso. Ele citou o caso de Getúlio, ao se aproveitar da crise de 1929 para abrir caminhos para a industrialização brasileira.
Renato é otimista ao apontar que, mesmo diante de todo o cenário golpista, é possível um novo projeto nacional de desenvolvimento. Ele ressalta que não se trata do mesmo projeto mobilizado anteriormente, devido à nova realidade internacional e interna, com mudanças estruturais ocorrendo no Brasil. Ele considera basilar ter uma projeto, para que a realidade imediata tenha uma tática que remeta ao projeto de longo prazo. “Isto é mais importante que escolher os candidatos.”
A gravidade do momento atual no continente mostra uma radicalização da direita, segundo ele, crescendo o estado de exceção numa fachada de estado de direito, o que torna a realidade imponderável. “Eles estão impondo as condições deles para que a eleição ocorram este ano. Nós não temos ilusão disso!” declarou, mencionando a necessidade de tirarem o ex-presidente Lula de cena pela via jurídica, para a continuidade do golpe. “Por isso, o sincronismo dos tribunais em aprovar tudo por unanimidade contra Lula. Essa unanimidade não é por acaso!”
Renato reitera que a mobilização social só se dará a partir de um catalizador. “A lenha está ficando seca. A situação do povo piora a cada vez mais. Uma chispa pode incendiar isso.” Ele afirma que é difícil prever qual será o deflagrador da mobilização. A própria execução brutal da vereadora do Psol no Rio de Janeiro, Marielle Franco, pode ser este catalizador pela comoção que causou pela violência contra a mulher negra e pobre.
Renato enfatiza a necessidade da unidade da esquerda, pela sua capacidade de aglutinar amplas forças sociais, e não apenas políticas. Ele não descarta a possibilidade de uma unidade eleitoral, a partir de um lastro programático que se constitua. “Bandeiras amplas que podem aglutinar essas forças são restaurar a democracia, garantir a legitimidade das eleições de outubro com participação de Lula, salvação nacional diante da entrega do país ao capital estrangeiro, reconquistar direitos, retomar o crescimento econômico”, enumerou ele.
“Um projeto para além do processo eleitoral, com fundamentos sistêmicos e articulados, com um centro convergente que são os grandes desafios nacionais. Nada de setorialismo fragmentado, curto-prazismo e conjunturalismo”, explica ele.
Segundo ele, a esquerda não pode subestimar o foco na retomada do crescimento econômico. O foco na taxa de investimento; o papel do estado e dos bancos e empresas estatais; reforma tributária progressiva é uma questão nodal; uma nova política macroeconômica; a reforma democrática da superestrutura, que democratize o estado, administrativa, a política, o judiciário, os meios de comunicação; articulação continental da infraestrutura; estratégia de reindustrialização. “Tanto a direita como a esquerda, não demos tanto destaque à ciência, tecnologia e inovação”, lembrou ele, pontuando ainda o respeito ao meio ambiente e garantia de direitos básicos universais; assim como o combate às discriminações; a questão da cultura e da Amazônia.
Plataforma em defesa do povo
O presidente da Fundação Lauro Campos, Francisvaldo Mendes, aponta para o momento em que a crise política se instaura, quando Aécio Neves não reconhece a derrota para Dilma Rousseff e recorre do resultado eleitoral. A partir daquele momento, a governabilidade no novo governo eleito estava comprometida, como se mostrou em poucos meses. Para ele, este é um padrão histórico da burguesia nacional, ao não aceitar a permanência de governos populares.
O dirigente do PSol entende que houve uma disputa pela hegemonia política, em que o projeto nacional de desenvolvimento implementado pelo PT foi atacado por uma elite subalterna aos interesses das grandes potências, que, por sua vez, estão desvinculadas dessa dinâmica da elite brasileira, preocupadas apenas com sua crise econômica profunda.
Para além do texto do manifesto, Mendes destacou ideias para um projeto nacional, em que a matriz energética seja sustentável e ecológica, assim como a necessidade de mecanismos de participação popular como referendos, o combate aos oligopólios da mídia. Ele admite que o enfrentamento destas propostas significam praticamente uma “revolução”, num país dominado por clientelismos locais.
Mendes mencionou a polêmica nascida do manifesto, entre a unidade das fundações em torno do texto e eventuais alianças eleitorais. Para ele, a preocupação da Fundação Lauro Campos “é preservar um povo que está sendo destruído” e não quem vai disputar a eleição.
Segundo ele, há quem defenda que o PSol não poderia estar junto, pois “o projeto é diferente”. “Queremos provar que o projeto vai muito além da disputa política, pois o lado da burguesia sabe o que quer, que é atacar os direitos trabalhistas e previdenciários e garantir os lucros do banqueiros”.
Em sua opinião, a esquerda tem que ter a capacidade de discutir qual projeto defender para os trabalhadores, qual o tipo de desenvolvimento, qual a matriz energética, qual o meio de comunicação e qual o tipo de participação popular. “Vai ter divergência e debate, o que é rico, para vermos como construir essa plataforma mínima de defesa do nosso povo”, afirmou.
De acordo com Mendes, o modo como o atual governo, junto com os meios de comunicação, incutem o medo na população por meio de políticas de segurança pública truculentas, dificulta o diálogo e desvia a atenção das pessoas para o sensacionalismo da violência urbana.
A defesa das eleições
O presidente da Fundação Perseu Abramo, Márcio Pochmann, destacou a importância do manifesto unitário como uma iniciativa rara na história política do país. Para ele, este esforço de união das inteligências partidárias para compreender a realidade atual é louvável, mas não significa uma convergência dos partidos, que têm sua autonomia frente às fundações.
Para o petista, a realidade advinda do golpe de 2016 sugere um primeiro aspecto a ser ressaltado: uma forte afirmação da política. “O problema econômico, o agravamento da questão social, o esvaziamento da soberania nacional só seriam enfrentados não a partir de uma natureza fragmentada, mas sobretudo, por uma decisão de caráter político.” Por isso, ele defende como fundamental a realização de eleições livres e soberanas neste ano.
De acordo com Pochmann, o que aconteceu em 2014, quando uma parte da oposição não aceitou o resultado, quebrou os dois parâmetros fundamentais da experiência democrática construída a partir de 1985. Ele cita o primeiro parâmetro sendo o que estabelece que os derrotados aceitam o resultado. “Se não se aceita o resultado, não tem condições de reconhecer na democracia e na participação popular a importância do voto.” A existência de um centro político percorrendo diferentes governos, dando estabilidade no campo da direita e da esquerda, seria o segundo parâmetro da Nova República que teria sido quebrado com o golpe.
Desta forma, Pochmann considera a defesa da democracia uma questão chave deste processo de luta contra o golpe. Não há garantias de que as eleições serão democráticas, assim como seu resultado será aceito pelas elites caso sua vontade seja contrariada pelo voto. “Se não aceitaram em 2014, porque aceitariam agora?”
O centro político desapareceu, conforme sua análise, e o país está polarizado e dividido, o que também pode dificultar a governabilidade de uma eventual frente de esquerda. As reformas avançadas apontadas no documento “Esperança e Mudança”, de 1982, apresentado pelo PMDB, não foram implementadas nesse período. Com a polarização, deve se tornar ainda mais difícil implementar um projeto de nação reformista.
O governo golpista atua no curto prazo, tornando instável e imprevisível a tática política. “Quem é que imaginava a mudança que fez o governo na agenda da reforma previdenciária, para esta intervenção na segurança pública do Rio de Janeiro?” questionou. Assim, não há diretrizes claras na condução do governo golpista.
Pochmann observa uma fragmentação partidária em torno de candidaturas, o que oferece uma perspectiva de personalização da eleição. Para ele, independente de quem ganhe, como vai governar sem unidade programática? Para ele, a recuperação do sentido de Estado é fundamental para um novo tipo de desenvolvimento nacional a ser oferecido ao povo brasileiro. “Não vão ser as forças do mercado e os interesses privados e do rentismo que oferecerão ao povo um sentido novo de país”.
O economista Pochmann diagnostica que o Brasil está num processo de transição acelerada de uma sociedade urbana industrial para uma sociedade de serviços, em que o peso maior do PIB está na expansão do setor primário, a agropecuária. Embora o governo fale em saída da recessão, os índices não apontam para isso. O crescimento de 1% em 2017 só ocorreu pelo crescimento de 13% na agricultura. A indústria não cresceu e os serviços cresceram 0,3%. Sem a expansão das commodities agrícolas, o PIB teria crescido 0,3%. “Não há base para uma recuperação continuada”.
O peso da indústria no PIB que sai desse processo equivale àquele de 1910, antes da modernização econômica promovida por Getúlio Vargas na década de 1930. Enquanto na década de 1980 a indústria equivalia a 33% da produção nacional, hoje, representa apenas 10%. “Que país é este que poderá sustentar um projeto igualitária, numa perspectiva pós-capitalista, se não tiver uma base material sustentável. Sem indústria, dificilmente nós sustentaremos um ciclo de expansão”, explicou, acrescentando que os serviços dependem de uma base produtiva prévia. Sem a indústria, a logística e os serviços de produção, em geral, só a renda dos ricos gera serviços, como atividades de segurança pública e privada, já equivale ao contingente de trabalhadores na construção civil com carteira assinada. “A classe média assalariada chega a ter cerca de 25 serviçais, serviços vinculados desde segurança, limpeza, personal trainer, cabeleireiro, manicure, passeador de cachorro, limpador de piscina... São estes empregos que serão gerados. Empregos que não terão condições de sustentar a própria classe média. Não haverá emprego para aqueles que sairão da universidade nesse sentido de país que está aí.”
Atalhos para o poder
O representante da Fundação Leonel Brizola-Alberto Pasqualini, Henrique Matthiessen, considera um sinal de maturidade o manifesto elaborado como base programática para uma eventual unidade dos partidos. Para ele, o momento é dramático, já que a elite que rejeitou Getúlio Vargas e seu estado desenvolvimentista, nunca havia conseguido destruir seu legado. “Contudo, agora, avança numa reforma trabalhista que remete à escravidão, e numa reforma da previdência, acabando com a aposentadoria, e destroem um símbolo de desenvolvimento da Era Vargas, que é a Petrobras”, pontuou.
Na opinião do pedetista, o Brasil prescinde de uma elite nativa que defenda seus interesses, como têm os países desenvolvidos. A elite brasileira, diz ele, é constituída de uma subalternidade aos interesses estrangeiros, incompetente que se sente de promover um projeto nacional, preferindo viver à periferia dos países desenvolvidos.
Matthiessen ressalta o histórico da direita brasileira buscar atalhos para o poder, devido à sua incapacidade de angariar votos. Deste modo, após o golpe, ele duvida que vá haver uma eleição soberana em 2018. Ele avalia que a direita golpista não tem votos, nem programa, nem candidatos com capacidade de convencer o povo a votar. Ele vê sinais nos três poderes de que eles não vão permitir um retorno da esquerda ao poder, depois de ter dado um golpe. Por isso, ele considera fundamental a defesa intransigente da democracia pelo manifesto das fundações.
Outro “palavrão” para a direita brasileira, além de democracia, é soberania nacional. Ele considera a defesa deste conceito fundamental para derrotar o governo golpista e recuperar o patrimônio nacional comprometido por eles.
“Como fundações, nós temos a responsabilidade da formação política, do debate ideológico dentro dos partidos, fazer nossa autocrítica e apresentar para o Brasil um projeto de nação e desenvolvimento, além de denunciar cada vez mais essa classe dominante que não entende de soberania e é refém do rentismo e dos interesses internacionais”, concluiu.
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