Por Jessé Souza, na revista CartaCapital:
A manipulação do público promovida pela nova e controversa série da Netflix, “O Mecanismo”, dirigida por José Padilha, não acontece apenas nem principalmente pelas óbvias mentiras, nem pelo recorte histórico seletivo que induz a crença que os esquemas da “Lava Jato” começam com o PT em 2003. O ponto mais importante para sua crítica é sua concepção ingênua e superficial da corrupção e da infantilização do público que ela produz.
Neste sentido, “O Mecanismo” continua precisamente onde “Tropa de Elite 2” acabou. O sobrevoo do helicóptero sobre a imagem do Congresso Nacional em Brasília, no final do filme “Tropa de Elite 2”, tem o sentido de explicar ao espectador que não adianta querer acabar com o crime e a violência das ruas sem acabar primeiro com o “grande crime”, a corrupção política do que ele chamava então de “sistema”. Em “O Mecanismo”, mera denominação alternativa para “sistema”, a continuidade perfeita com o filme anterior é registrada na primeira fala em off da série, do personagem interpretado por Selton Mello, que diz o seguinte:
“O que fode o nosso país não é a violência das favelas, não é a falta de educação, não é o sistema de saúde falido, não é o déficit público, nem as taxas de juros, o que fode o nosso país é a causa de tudo isso.”
E a causa de tudo isso, fica claro no filme e na série, é a corrupção política. José Padilha, como bom manipulador, acrescenta que a corrupção política é um “câncer”. Ou seja, o assunto não precisa de esclarecimento ou explicação sofisticada acerca de seu funcionamento, basta associa-lo ao medo e à imprevisibilidade fatídica de uma doença fatal. De resto, se é para combater um câncer, vale tudo, mesmo extrair o Estado de Direito, amputar a Constituição e tolerar práticas invasivas como eliminação das garantias e direitos individuais. Essa é a mensagem condensada da “obra” de Padilha.
Como a série de Padilha é sobre a operação “Lava Jato” como a grande oncologista brasileira, que já passou de seu uso útil como farsa agindo agora por mero “default”, a mentira da corrupção só da política já pode ser desconstruída hoje em dia com a clareza do sol de meio-dia.
Depois de cinco anos de “Lava Jato”, operando como agente do Estado de exceção e acima da Constituição, com irrestrito apoio de toda a mídia venal, e tendo poder arbitrário para fazer o que bem quis, o que temos como resultado? Um bilhão de reais devolvidos aos cofres públicos, trinta vezes menos do que se pagou aos americanos antes mesmo do início de um processo jurídico, relações íntimas e ao que tudo indica ilegais com o Departamento de Estado americano e criminalização das maiores empresas brasileiras, como Petrobras e Odebrecht, que perderam trilhões em capital e capacidade de investimento, implicando milhões de empregos perdidos.
Segundo pesquisas do IPEA, realizadas ainda quando era presidente daquela entidade, o impacto direto da “Lava Jato” em 2015 foi a perda de um milhão e meio de empregos. O desemprego em massa atual tem, portanto, relação direta com o setor “lava empregos” da “Lava Jato”. Belo tratamento de câncer. Se não matar o câncer, mata o paciente.
Mas a moral de fachada serve sempre para encobrir um crime real. O atual domínio direto do mercado e da intermediação financeira no Estado e na política levou à venda de nossas riquezas, juros reais extorsivos embutidos em todos os preços, e uma dívida pública nunca auditada que só no último ano pagou 392 bilhões de juros, ou seja, quase 400 Lava Jatos.
Isso sem contar as isenções fiscais – na fórmula famosa eu fico com o lucro e vocês, otários, com o prejuízo - de várias centenas de bilhões para bancos e latifundiários. Isso sem falar de 1 trilhão e quinhentos bilhões em sonegação de impostos dos mais ricos. Mas como diz Padilha tudo isso é fumaça. O “sistema” ou o “mecanismo” é apenas político, o mercado só faz negócio não é mesmo?
Esse é o brilhante “mecanismo” do “gênio” Padilha: localiza a “doença” no mero mediador, em quem carrega e recebe a “mala”, e nunca pergunta nada acerca de quem paga e quais são seus interesses. Se perguntasse saberia que a falta de educação e o sistema de saúde falido têm tudo a ver com uma divida pública montada na fraude e no segredo, e que consome metade do orçamento público, assim como nos juros extorsivos pagos por ela e por tudo que se produz e se consome aqui.
Que o câncer de verdade é um mercado da rapina e do saque sem qualquer regulação, que literalmente assalta a população, associado a uma mídia comprada por ele, que mente e inverte o sentido do mundo exatamente como Padilha faz nos seus trabalhos. Se Padilha é só um imbecil que fala sobre o que não entende, ou se engana o público sabendo o que faz, não importa no resultado. A única certeza é que o câncer é ele.
Neste sentido, “O Mecanismo” continua precisamente onde “Tropa de Elite 2” acabou. O sobrevoo do helicóptero sobre a imagem do Congresso Nacional em Brasília, no final do filme “Tropa de Elite 2”, tem o sentido de explicar ao espectador que não adianta querer acabar com o crime e a violência das ruas sem acabar primeiro com o “grande crime”, a corrupção política do que ele chamava então de “sistema”. Em “O Mecanismo”, mera denominação alternativa para “sistema”, a continuidade perfeita com o filme anterior é registrada na primeira fala em off da série, do personagem interpretado por Selton Mello, que diz o seguinte:
“O que fode o nosso país não é a violência das favelas, não é a falta de educação, não é o sistema de saúde falido, não é o déficit público, nem as taxas de juros, o que fode o nosso país é a causa de tudo isso.”
E a causa de tudo isso, fica claro no filme e na série, é a corrupção política. José Padilha, como bom manipulador, acrescenta que a corrupção política é um “câncer”. Ou seja, o assunto não precisa de esclarecimento ou explicação sofisticada acerca de seu funcionamento, basta associa-lo ao medo e à imprevisibilidade fatídica de uma doença fatal. De resto, se é para combater um câncer, vale tudo, mesmo extrair o Estado de Direito, amputar a Constituição e tolerar práticas invasivas como eliminação das garantias e direitos individuais. Essa é a mensagem condensada da “obra” de Padilha.
Como a série de Padilha é sobre a operação “Lava Jato” como a grande oncologista brasileira, que já passou de seu uso útil como farsa agindo agora por mero “default”, a mentira da corrupção só da política já pode ser desconstruída hoje em dia com a clareza do sol de meio-dia.
Depois de cinco anos de “Lava Jato”, operando como agente do Estado de exceção e acima da Constituição, com irrestrito apoio de toda a mídia venal, e tendo poder arbitrário para fazer o que bem quis, o que temos como resultado? Um bilhão de reais devolvidos aos cofres públicos, trinta vezes menos do que se pagou aos americanos antes mesmo do início de um processo jurídico, relações íntimas e ao que tudo indica ilegais com o Departamento de Estado americano e criminalização das maiores empresas brasileiras, como Petrobras e Odebrecht, que perderam trilhões em capital e capacidade de investimento, implicando milhões de empregos perdidos.
Segundo pesquisas do IPEA, realizadas ainda quando era presidente daquela entidade, o impacto direto da “Lava Jato” em 2015 foi a perda de um milhão e meio de empregos. O desemprego em massa atual tem, portanto, relação direta com o setor “lava empregos” da “Lava Jato”. Belo tratamento de câncer. Se não matar o câncer, mata o paciente.
Mas a moral de fachada serve sempre para encobrir um crime real. O atual domínio direto do mercado e da intermediação financeira no Estado e na política levou à venda de nossas riquezas, juros reais extorsivos embutidos em todos os preços, e uma dívida pública nunca auditada que só no último ano pagou 392 bilhões de juros, ou seja, quase 400 Lava Jatos.
Isso sem contar as isenções fiscais – na fórmula famosa eu fico com o lucro e vocês, otários, com o prejuízo - de várias centenas de bilhões para bancos e latifundiários. Isso sem falar de 1 trilhão e quinhentos bilhões em sonegação de impostos dos mais ricos. Mas como diz Padilha tudo isso é fumaça. O “sistema” ou o “mecanismo” é apenas político, o mercado só faz negócio não é mesmo?
Esse é o brilhante “mecanismo” do “gênio” Padilha: localiza a “doença” no mero mediador, em quem carrega e recebe a “mala”, e nunca pergunta nada acerca de quem paga e quais são seus interesses. Se perguntasse saberia que a falta de educação e o sistema de saúde falido têm tudo a ver com uma divida pública montada na fraude e no segredo, e que consome metade do orçamento público, assim como nos juros extorsivos pagos por ela e por tudo que se produz e se consome aqui.
Que o câncer de verdade é um mercado da rapina e do saque sem qualquer regulação, que literalmente assalta a população, associado a uma mídia comprada por ele, que mente e inverte o sentido do mundo exatamente como Padilha faz nos seus trabalhos. Se Padilha é só um imbecil que fala sobre o que não entende, ou se engana o público sabendo o que faz, não importa no resultado. A única certeza é que o câncer é ele.
1 comentários:
Não tem jeito é quase impossível não comparar O mecanismo com Narcos e Tropa de elite 1 e 2, todos projetos de José Padilha — o que não é ruim se você é fã (como eu) dessas produções. Os motivos são o estilo narrativo escolhido pelo diretor — com uma narração a cada episódio — e também pela mensagem que ele quer passar sobre a política no Brasil, que ele mesmo explicou em entrevista à imprensa: “que só tem bandido, resumindo”. O mecanismo, deve dividir opiniões. O motivo é que, nos dias de hoje, tudo no Brasil que se relaciona a política tende a polarizar e a produção retrata os desdobramentos da operação Lava-Jato no Brasil, ação da Polícia Federal que denunciou um esquema de corrupção envolvendo políticos e empreiteiros. Apesar disso, o diretor e produtor-executivo, gosta de ressaltar que a série está fora de ideologias. A série estabelece uma boa narrativa e consegue prender o espectador. A promessa é de ainda mais agilidade, pelo menos foi o que garantiu o diretor Daniel Rezende (Bingo), que comandou o set nos dois últimos episódios. Apesar de não ser um protagonista óbvio e ter mais ar de vilão, Enrique Diaz é o grande destaque da série. Com uma bela atuação, ele entrega um Ibrahim ao mesmo tempo cínico, empático e até engraçado. O núcleo do personagem é o alívio cômico da série, que tem um ar de seriedade, afinal de contas, retrata um tema bastante sério para a história do país.
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