Foto: Ricardo Stuckert |
Na cabeceira da mesa, uma foto impressa em tecido enfeita o ambiente e simula a companhia, agora ausente, do destinatário. “Essa foto foi um dos presentes da União Brasileira de Mulheres de Arcoverde. Ela veio junto com uma carta que foi entregue na vigília em Curitiba. Daí colocamos aqui para que nos sirva de inspiração”, conta Calinka Lacort, uma das funcionárias do Instituto Lula responsável por receber e catalogar as milhares de cartas que são enviadas ao ex-presidente Lula, desde sua prisão no dia 7 de abril.
“Logo no começo chegaram milhares de cartas. E aí nós trouxemos para o Instituto. Nós não tínhamos uma equipe específica para ajudar a responder as cartas ao Lula. Então a gente teve que formar uma equipe improvisada, mas muito engajada para fazer esse trabalho”, diz Lacort.
A equipe não se resume só aos funcionários. “A família veio ajudar, os companheiros do sindicato, do partido. Todo mundo se engajou muito nessa tarefa. Nesse momento de tanta tristeza, foi o que deu vida ao Instituto [Lula]”, conta Lacort.
A maior dificuldade: lidar com a emoção diante de tantas mensagens de carinho e amor ao ex-presidente.
“No começo a gente achava que não ia andar o trabalho, porque cada carta que abríamos a gente se emocionava. É muito amor… A gente se emociona a cada dia”.
As cartas chegaram, em grande quantidade, na sede do Partido dos Trabalhadores (PT) na capital paraense, na sede da Política Federal do Paraná e no Instituto Lula, em São Paulo. O trabalho de catalogação é feito no Instituto Lula. Logo, as correspondências são enviadas ao ex-presidente, na sede da Superintendência da Polícia Federal. Todas as cartas, sem exceção, estão sendo respondidas.
Perfil
São bastante diversos os perfis das correspondências: estudantes que se formaram através das políticas de inclusão dos governos petistas, beneficiários de programas como o Luz Para Todos e o Bolsa Família, cidadãos indignados pela prisão injusta e preocupados com a integridade do ex-presidente. “Por favor, Lula, se alimente bem, tome bastante água, descanse para ficar com a saúde perfeita, pelo senhor e por todos nós”, escreveu a ‘diarista e mãe de família’ Paula, moradora da Parada de Taipas, em São Paulo. “Peço todos os dias a Deus pela sua liberdade’, disse.
“É um paradoxo, entende? Te prenderam por quebrar barreiras. Não serão as paredes de uma cela que te impedirão de estar sempre no seu lugar: com o povo”, escreveu Ana Arruti, estudante de 22 anos.
A jornalista pernambucana Taís, de 33 anos, relatou um episódio do seu trabalho, que revela o carinho do povo nordestino com o ex-presidente. “Fui entrevistar uma senhora que receberia as chaves do apartamento de um conjunto habitacional que o senhor inaugurou aqui no Recife. Quando a abordei, ela disse: ‘É para falar mal do Lula não, né? Porque, minha filha, é Deus no céu e Lula na terra. Você não sabe o que é dormir em palafitas, sendo acordada pelos ratos, na maior imundice. Lula não me deu só uma casa, não, ele me deu dignidade”.
Muitos sindicatos se organizaram para escrever de forma coletiva ao ex-presidente, principalmente os de trabalhadores rurais, além de moradores de assentamentos da reforma agrária. Algumas cidades inteiras se mobilizaram para escrever cartas. Foi o caso de Conceição do Canindé (PI), um município de pouco mais de quatro mil habitantes, que inundou a sede do Instituto Lula em São Paulo de mensagens dirigidas ao ex-presidente. “São tantas cartas que dá a impressão de que a cidade inteira escreveu para ele”, disse uma das voluntárias.
Os remetentes
O Brasil de Fato foi atrás de alguns dos remetentes que enviaram mensagens ao ex-presidente. “Quando eu recebi a mensagem dizendo que a gente podia escrever para o Lula eu achei fantástico. E eu vi ali a oportunidade de demonstrar o meu carinho, a minha gratidão. Era uma forma de dizer obrigado para o presidente. Dizer para ele que ele não está sozinho. Todo o Brasil mandou carta para o Lula. O Brasil é Lula. Mas eu vi nessa oportunidade de escrever uma carta a ele, algo muito particular”, relatou, emocionado, o rapper paulista Crônica Mendes.
“Na minha vida, o Lula foi como o rap. Foi o rap para o povo. Devolveu a autoestima para o povo. Não nos deixou sentirmos sozinhos. Mostrou que éramos capazes, ensinou a gente a ter amor próprio. Tudo o que o rap transformou na minha vida, o Lula também fez na minha vida e na vida da minha família”, disse o músico.
A paulista de Sorocaba Célia Puglia, de 69 anos, diz sentir como sua a dor da injustiça praticada contra o ex-presidente Lula. “Eu quis escrever para o Lula porque sei que ele está sozinho, e porque a injustiça feita com ele dói muito em mim”, disse.
Para Célia, não se trata da defesa incondicional de uma pessoa, mas do reconhecimento do papel histórico de uma das maiores lideranças políticas da história brasileira. “O Lula representa para mim um sonho. Porque eu tenho 69 anos, e jamais participei de um governo para os pobres. Só o Lula me proporcionou isso. Ele cumpriu o que prometeu. Nunca se comeu tão bem nesse país, onde a comida é muito farta e onde muitos não têm nada e poucos têm muito. E o Lula me fez ter esperança de que isso poderia ser transformado”.
Crônica Mendes destaca o cuidado com que a equipe do Instituto Lula teve em responder as mensagens de carinho enviadas ao ex-presidente. “Quando vi na caixinha do correio a resposta, eu já fiquei feliz só de saber que se tratava da resposta da carta que eu tinha enviado para o presidente. Só de ver o envelope eu fiquei muito feliz. Eu vi que naquele momento que toda injustiça que estão cometendo contra o presidente Lula é comigo também, com a minha família, com o povo brasileiro de fato. Mais uma vez o Lula fez eu me sentir importante. Mais uma vez, o Lula foi o rap pra mim”.
(In)felizmente o trabalho continua
“Um trabalhão, mas recompensador”, dizem as voluntárias. Embora tenham que se esforçar para manter o emocional sob controle, o trabalho de separação e leitura das cartas deu ânimo novo para o trabalho do Instituto Lula, durante a ausência daquele que dá sentido ao lugar.
“A gente quer que ele esteja aqui o mais rápido possível para receber e ler essas cartas junto com a gente. Mas enquanto ele está lá, a gente quer continuar recebendo essas cartas, porque isso dá vida e ânimo para que seguimos firmes”, diz Calinka Lacort.
Desde a prisão do ex-presidente Lula, mais de 15 mil correspondências foram recebidas de diversas partes do país e do mundo. Cidadãos de pelo menos 25 países também enviaram suas mensagens: Canadá, Holanda, Argentina, França, Alemanha, Suíça, Escócia, Estados Unidos, Japão, Itália, Áustria, Reino Unido, Dinamarca, Portugal, Espanha, Irlanda, Bélgica, Noruega, Cabo Verde, Uruguai, Equador, Polônia, Luxemburgo, Líbano e do Vaticano.
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