Foto: Lula Marques |
Outras Palavras publica hoje, com satisfação, Bolsonaro e o controle da Verdade, um texto indispensável do escritor e jornalista Ricardo Alexandre. O autor desvenda, com sagacidade e certa ironia, o estratagema do presidente eleito para despistar o jornalismo e a crítica, produzindo versões díspares – e frequentemente contraditórias – do que pretende fazer. “Bolsonaro trabalha em regime de contra-informação”, frisa Ricardo, ao explicar como, em poucos dias, o ex-capitão e sua entourage contradisseram-se deliberadamente sobre temas como a coordenação política do futuro governo, a composição do ministério, o momento e circunstâncias do convite a Sérgio Moro, a criação de uma nova CPMF, a extinção do 13º salário, o fechamento do STF e muitos outros assuntos.
O que se pretende com este circo de ziguezagues? Confusa, e acostumada ela própria às frivolidades e factóides, a mídia tradicional não acompanha. Porém, a partir do exame rigoroso de um conjunto de fatos e declarações inequívocas, já é possível traçar um primeira visão sobre o núcleo da estratégia de governo de Bolsonaro e os primeiros passos que ele dará, ao tomar posse. Três pontos centrais compõem o desenho – e estão articulados entre si. No plano externo, alinhamento íntimo com os Estados Unidos de Donald Trump; na Economia, o desmonte de estruturas essenciais do Estado e uma contra-reforma da Previdência muito mais brutal que a de Michel Temer; na arena interna, carta branca para que Sérgio Moro tranforme o ministério da Justiça num instrumento de diversão do público e de perseguição política aos adversários.
O comprometimento com os Estados Unidos, primeira base do tripé, é incômodo e provavelmente impopular, para alguém que vestiu verde e amarelo durante toda a campanha. Por isso, o presidente eleito o anuncia em falas sumárias, ou o disfarça em ataques a outros países. Foi assim, com quatro palavras defensivas (“Continua – sem problema nenhum”), que ele comunicou, em 1º/11, a intenção de autorizar a venda incondicional da Embraer à Boeing, desnacionalizando a principal empresa brasileira de alta tecnologia. Sempre lacônico, Bolsonaro anunciou outras mudanças drásticas na orientação da política externa brasileira. Quer transferir a embaixada brasileira em Israel para Jerusalém, ferindo decisão da ONU e subordinando-se a Trump. Ameaça romper relações diplomáticas com Cuba, após inviabilizar a presença dos médicos cubanos no Brasil. E aparentemente autorizou seu futuro ministro da Economia, Paulo Guedes, a desfazer do Mercosul, anunciar que mantê-lo não será prioridade e afirmar que o bloco “só negocia com quem tiver inclinações bolivarianas”.
O que se pretende com este circo de ziguezagues? Confusa, e acostumada ela própria às frivolidades e factóides, a mídia tradicional não acompanha. Porém, a partir do exame rigoroso de um conjunto de fatos e declarações inequívocas, já é possível traçar um primeira visão sobre o núcleo da estratégia de governo de Bolsonaro e os primeiros passos que ele dará, ao tomar posse. Três pontos centrais compõem o desenho – e estão articulados entre si. No plano externo, alinhamento íntimo com os Estados Unidos de Donald Trump; na Economia, o desmonte de estruturas essenciais do Estado e uma contra-reforma da Previdência muito mais brutal que a de Michel Temer; na arena interna, carta branca para que Sérgio Moro tranforme o ministério da Justiça num instrumento de diversão do público e de perseguição política aos adversários.
O comprometimento com os Estados Unidos, primeira base do tripé, é incômodo e provavelmente impopular, para alguém que vestiu verde e amarelo durante toda a campanha. Por isso, o presidente eleito o anuncia em falas sumárias, ou o disfarça em ataques a outros países. Foi assim, com quatro palavras defensivas (“Continua – sem problema nenhum”), que ele comunicou, em 1º/11, a intenção de autorizar a venda incondicional da Embraer à Boeing, desnacionalizando a principal empresa brasileira de alta tecnologia. Sempre lacônico, Bolsonaro anunciou outras mudanças drásticas na orientação da política externa brasileira. Quer transferir a embaixada brasileira em Israel para Jerusalém, ferindo decisão da ONU e subordinando-se a Trump. Ameaça romper relações diplomáticas com Cuba, após inviabilizar a presença dos médicos cubanos no Brasil. E aparentemente autorizou seu futuro ministro da Economia, Paulo Guedes, a desfazer do Mercosul, anunciar que mantê-lo não será prioridade e afirmar que o bloco “só negocia com quem tiver inclinações bolivarianas”.
A reviravolta na posição brasileira no mundo já está produzindo consequências. Primeiro-ministro de Israel, o ultra-direitista Benyamin Netanyanu anunciou sua intenção de comparecer à posse de Bolsonaro. Mas há aqui outro aspecto central a investigar aqui. Aos poucos, fica claro que as eleições brasileiras foram fortemente influenciadas por uma tática eleitoral desenvolvida fora do país, em favor de um projeto geopolítico profundamente antidemocrático [vale assistir a estes vídeos 1 2]. Estados Unidos e Israel parecem ser os pivôs deste projeto. Mas quais são suas dimensões reais e perspectivas? Que papel ele enxerga para o Brasil? Quais suas brechas? Serão perguntas centrais nos próximos meses.
Articulada com a primeira, a segunda coluna do tripé de Bolsonaro parece ser a intenção de promover um ajuste fiscal capaz de mudar a face do país. Implica devastar direitos sociais, reduzir dramaticamente a capacidade de ação do Estado e criar um ambiente favorável à atração de grande volume capitais externos de rapina. Duas pistas conduzem a esta conclusão. Primeiro, o futuro ministro da Economia Paulo Guedes fala reiteradamente em zerar, já em 2019, o déficit primário da União. As distintas formas de fazê-lo são um longo debate, que será tratado num programa à parte. O que importa agora são os caminhos concretos propostos por Guedes. Ele quer leiloar, a petroleiras internacionais, as áreas do Pré-Sal controladas pela Petrobras por meio do regime de cessão onerosa. Trata-se de reservas de 3,5 bilhões de barris de petróleo, pesquisadas e descobertas pela empresa brasileira, que seria cedida a suas concorrentes internacionais. Guedes pretende também desmantelar o BNDES ou reduzir ao mínimo sua presença na economia – o que privaria o país de uma ferramente essencial para promover um novo padrão de desenvolvimento. E o que for necessário para zerar o déficit, dizem o futuro ministro e seus assessores, virá a partir de cortes impiedosos nos gastos sociais. Pense no SUS, já atingido pela Emenda Constitucional 95 e sofrendo o fechamento de Unidades Básicas de Saúde em todo o país.
No terreno econômico, o projeto de longo prazo é uma “reforma” da Previdência que praticamente liquidaria o sistema de aposentadorias por repartição e solidariedade. A proposta é tão drástica que o futuro ministro pensa em abandonar o próprio projeto regressivo de Michel Temer. Em vez de fundo público e de transferências de renda (para as famílias mais pobres, os idosos ou inválidos, por exemplo) passaria a haver essencialmente um sistema de contas individuais de poupança, a que os trabalhadores adeririam obrigatoriamente, pagando comissões ao sistema financeiro, e que poderiam resgatar, a partir dos 65 anos. Um outro texto-vídeo analisará em alguns dias esta proposta. Mas é evidente, desde já, como ela rebaixa as condições de vida e cria, ao mesmo tempo, um terreno fértil para oferecer, em massa, serviços financeiros privados.
Evidentemente, subordinação aos Estados Unidos e corte de direitos, sozinhos, não serão capazes de manter a popularidade do presidente eleito. Haverá, em condições normais, risco de queima acelerada de capital político. É aí que entra o ex-juiz Sérgio Moro e seu superministério da Justiça. Moro não controlará apenas a Segurança Pública, utilizando-se inclusive dos decretos que permitem contratação sigilosa de equipamentos de vigilância. Ele terá sob seu comando a Controladoria Geral da União, que tem poderes para questionar e interromper todos os convênios de órgãos públicos e privados com o Estado. E, mais crucial, controlará o COAF – Conselho de Controle de Atividades Financeiras. É até agora um órgão técnico, voltado a coibir a lavagem de dinheiro ou as operações suspeitas. Estava, por isso, sob o guarda-chuvas do ministério da Fazenda. Sua politização poderá convertê-lo num instrumento de intimidação e coação de adversários políticos.
Por tudo isso, um cenário possível, no início de janeiro, é: o Palácio do Planalto e o Congresso deflagram o ataque aos direitos sociais, o mega-leilão de petróleo, o alinhamento automático com Washington e a nova “reforma” da Previdência. A mídia convencional, despreparada há muito para debater o país em profundidade, sucumbe às pirotecnias de Moro. Bolsonaro completa o circo de horrores, tuitando despistes.
Não é, porém, o único cenário. Conhecer o estrategema é um passo importante para desmontá-lo, para encontrar as frestas e as contradições, para tramar as alternativas. A época das fake news pode ser, também, o momento em que a sociedade compreender, aos poucos, a importância de reinventar a democracia e de resgatar o jornalismo de profundidade.
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