Por Jean Wyllys, no blog Socialista Morena:
Nas últimas semanas, o mundo inteiro acompanha as notícias dos telejornais sobre os massivos e violentos protestos dos “jalecos amarelos” em Paris. As imagens da Avenue des Champs-Élysées coberta de fogo, pedras e poeira assombram os telespectadores; tanto no sentido espanhol do termo “asombrar“, que denota surpresa, admiração, quanto no francês “assombrir“, semelhante ao português “assombrar”, que remete ao medo, à preocupação, àquilo que é triste e sombrio. Ao mesmo tempo, porém, elas evocam em muita gente uma identificação romântica com a ideia revolucionária: o povo na rua, o questionamento ao sistema que tantas injustiças produz, a rebelião.
Trata-se de um movimento difícil de definir, seja para aderir ou para criticá-lo, e talvez aí guarde sua maior (e mais perigosa) força em tempos de rede social e convergência de bolhas aparentemente incompatíveis. Há um movimento em direção a lugar nenhum, contrário a tudo o estabelecido, que é responsabilizado sem nuances por tudo o que está errado.Como aconteceu em junho de 2013 no Brasil, não há uma única agenda, nem um viés ideológico claro, nem interlocutores para estabelecer negociação. A manutenção do conflito após o recuo de Macron mostra que era bem mais do que isso. Mas o quê?
Mesmo que o estopim possa ter sido o preço dos combustíveis (consequência ruim, mal administrada politicamente, de uma política progressista em favor do meio ambiente), a manutenção do conflito após o recuo do governo Macron mostra que era bem mais do que isso. Mas o quê? Como aconteceu em junho de 2013 no Brasil, não há uma única agenda, nem um viés ideológico claro, nem representantes ou interlocutores para estabelecer algum tipo de negociação com o governo.
A gente que está na rua não foi convocada por partidos e sindicatos, e desconfia deles. Também não têm uma identidade de classe comum: há os mais marginalizados, a classe média, pequenos empresários, alguns patrões, gente que partilha uma indignação comum por motivos diversos e às vezes contraditórios, o que faz do conflito um beco sem saída, porque parece não haver solução que possa ser administrada pela via da negociação política.
Eles estão contra tudo isso que está aí. Mas, e então? Vão trocar pelo quê?
Junho de 2013 foi um marco no Brasil, ainda mal compreendido, por sua própria essência contraditória. Reivindicações progressistas por saúde e educação públicas de qualidade, contra as despesas milionárias dos megaeventos, por mais investimentos sociais, contra a tomada da Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados pelos fundamentalistas homofóbicos, contra a violência policial, e outras semelhantes conviveram nas ruas com uma agenda autoritária e conservadora que incluía pedidos de intervenção militar, antipetismo, redução da maioridade penal, pena de morte e palavras de ordem macarthistas. Em algumas cidades, como o Rio, a agenda progressista era mais forte, enquanto a agenda conservadora crescia por exemplo em São Paulo, gerando o embrião de grupos protofascistas que tempo depois defenderiam o impeachment da presidenta eleita.
A luta contra o aumento das passagens (e, ao mesmo tempo, sua negação: “Não é por 20 centavos”) funcionou como bandeira comum para manter toda essa gente unida contra tudo e contra todos. Mas, em que pesem as boas intenções de milhares de pessoas que participaram dos protestos, o desfecho não foi o esperado. Pode não vir a sê-lo, tampouco, na França. Pode piorar lá também.
Eu tenho uma desconfiança gigantesca por esses movimentos contra “tudo isso que está aí”, que parecem querer jogar o bebê fora junto com a água suja. O bebê é a democracia, cada dia mais ameaçada no mundo inteiro por alternativas populistas e autoritárias que oferecem soluções simples e mágicas para problemas complexos, geralmente baseadas no ódio, no medo e no fundamentalismo.
Vamos ver no que vai dar esse movimento dos jalecos amarelos, mas, antes de embarcar nele, prudência. Eu torço para Macron não cometer os erros da Dilma em junho de 2013, porque se a democracia francesa não conseguir dar respostas aos anseios da população, respostas que façam as pessoas acreditarem de novo na institucionalidade democrática, o que pode crescer é o fascismo, que nem aqui. Madame Le Pen espera sua vez, como Bolsonaro. E o futuro pode ser realmente sombrio.
Nas últimas semanas, o mundo inteiro acompanha as notícias dos telejornais sobre os massivos e violentos protestos dos “jalecos amarelos” em Paris. As imagens da Avenue des Champs-Élysées coberta de fogo, pedras e poeira assombram os telespectadores; tanto no sentido espanhol do termo “asombrar“, que denota surpresa, admiração, quanto no francês “assombrir“, semelhante ao português “assombrar”, que remete ao medo, à preocupação, àquilo que é triste e sombrio. Ao mesmo tempo, porém, elas evocam em muita gente uma identificação romântica com a ideia revolucionária: o povo na rua, o questionamento ao sistema que tantas injustiças produz, a rebelião.
Trata-se de um movimento difícil de definir, seja para aderir ou para criticá-lo, e talvez aí guarde sua maior (e mais perigosa) força em tempos de rede social e convergência de bolhas aparentemente incompatíveis. Há um movimento em direção a lugar nenhum, contrário a tudo o estabelecido, que é responsabilizado sem nuances por tudo o que está errado.Como aconteceu em junho de 2013 no Brasil, não há uma única agenda, nem um viés ideológico claro, nem interlocutores para estabelecer negociação. A manutenção do conflito após o recuo de Macron mostra que era bem mais do que isso. Mas o quê?
Mesmo que o estopim possa ter sido o preço dos combustíveis (consequência ruim, mal administrada politicamente, de uma política progressista em favor do meio ambiente), a manutenção do conflito após o recuo do governo Macron mostra que era bem mais do que isso. Mas o quê? Como aconteceu em junho de 2013 no Brasil, não há uma única agenda, nem um viés ideológico claro, nem representantes ou interlocutores para estabelecer algum tipo de negociação com o governo.
A gente que está na rua não foi convocada por partidos e sindicatos, e desconfia deles. Também não têm uma identidade de classe comum: há os mais marginalizados, a classe média, pequenos empresários, alguns patrões, gente que partilha uma indignação comum por motivos diversos e às vezes contraditórios, o que faz do conflito um beco sem saída, porque parece não haver solução que possa ser administrada pela via da negociação política.
Eles estão contra tudo isso que está aí. Mas, e então? Vão trocar pelo quê?
Junho de 2013 foi um marco no Brasil, ainda mal compreendido, por sua própria essência contraditória. Reivindicações progressistas por saúde e educação públicas de qualidade, contra as despesas milionárias dos megaeventos, por mais investimentos sociais, contra a tomada da Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados pelos fundamentalistas homofóbicos, contra a violência policial, e outras semelhantes conviveram nas ruas com uma agenda autoritária e conservadora que incluía pedidos de intervenção militar, antipetismo, redução da maioridade penal, pena de morte e palavras de ordem macarthistas. Em algumas cidades, como o Rio, a agenda progressista era mais forte, enquanto a agenda conservadora crescia por exemplo em São Paulo, gerando o embrião de grupos protofascistas que tempo depois defenderiam o impeachment da presidenta eleita.
A luta contra o aumento das passagens (e, ao mesmo tempo, sua negação: “Não é por 20 centavos”) funcionou como bandeira comum para manter toda essa gente unida contra tudo e contra todos. Mas, em que pesem as boas intenções de milhares de pessoas que participaram dos protestos, o desfecho não foi o esperado. Pode não vir a sê-lo, tampouco, na França. Pode piorar lá também.
Eu tenho uma desconfiança gigantesca por esses movimentos contra “tudo isso que está aí”, que parecem querer jogar o bebê fora junto com a água suja. O bebê é a democracia, cada dia mais ameaçada no mundo inteiro por alternativas populistas e autoritárias que oferecem soluções simples e mágicas para problemas complexos, geralmente baseadas no ódio, no medo e no fundamentalismo.
Vamos ver no que vai dar esse movimento dos jalecos amarelos, mas, antes de embarcar nele, prudência. Eu torço para Macron não cometer os erros da Dilma em junho de 2013, porque se a democracia francesa não conseguir dar respostas aos anseios da população, respostas que façam as pessoas acreditarem de novo na institucionalidade democrática, o que pode crescer é o fascismo, que nem aqui. Madame Le Pen espera sua vez, como Bolsonaro. E o futuro pode ser realmente sombrio.
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