O primeiro passo é entender que se tem um país com instituições em ruínas. A normalidade democrática de um país depende da Constituição, do conjunto das leis, mais que isso, das práticas democráticas consolidadas.
Essa institucionalidade foi rompida pelo impeachment e pelo papel do STF (Supremo Tribunal Federal) levando ao desmonte dos partidos políticos, à desmoralização das instituições, dentre as quais o próprio STF, germinando esse monstro da Lagoa – os Bolsonaros.
Mas não foi em decorrência de um movimento organizado. Foi uma onda de dejetos arrastando tudo o que encontrou pela frente, sem nenhum laivo de racionalidade.
Justamente por isso, não existem alianças duradouras nem poderes consolidados nessa maionese política. Cada grupo age de maneira oportunista, ocupando vácuos de poder de forma intimidatória, personalista, muitas vezes expondo-se com uma vaidade ridícula, já que esse tipo de desordem estimula o exibicionismo das personalidades mais desequilibradas – que não são mais contidas pelas regras implícitas em um ambiente civilizado.
Peça 1 – os poderes de Estado
Entendido esse pano de fundo, vamos ao nosso mapa das guerras.
Nele, estão os três poderes, o Executivo, representado pelos Bolsonaros, o STF (Supremo Tribunal Federal) e o Congresso Nacional. Incluí também duas instituições com poder de Estado: a Procuradoria Geral da República e as Forças Armadas. E o chamado quarto poder – a mídia, como braço político da entidade chamada mercado.
Finalmente, as organizações que disputam o poder de forma não-institucional, as Lavas Jatos – já que não pode ser entendida como uma organização única – e duas duas organizações clandestinas: as milícias sociais e as milícias reais.
Peça 2 – a fonte de poder da aliança Bolsonaro-Lava Jato
A estrutura de poder atual, que está indo a pique, é uma aliança entre a Lava Jato (especialmente a do Paraná e do Rio de Janeiro) e os Bolsonaros, pactuada na indicação de Sérgio Moro para Ministro da Justiça, depois do apoio fundamental que deu para a eleição de Bolsonaro.
Aliás, já em 2016 Bolsonaro foi previamente avisado da condução coercitiva de Lula, dando tempo para ir pessoalmente comemorar a vitória com os aliados da Lava Jato.
A principal arma da Lava Jato-Bolsonaros são as delações premiadas e o vazamento seletivo de informações.
Os vazamentos tornaram-se armas políticas graças a dois disseminadores: a estrutura de repórteres-policiais-repórteres que cobriam a operação; e, mais efetivo, as milícias sociais.
Na fase de consolidação, seu grande trunfo foi o combate ao PT e ao Lula. No plano econômico, a promessa de desmonte do Estado e, especialmente, de reforma da Previdência, com a conta caindo sobre o Regime Geral.
Esse ciclo acabou.
A pá de cal foi a revelação da intenção da Lava Jato em criar uma fundação para administrar R$ 2,5 bilhões de multas pagas pela Petrobras ao Departamento de Justiça dos Estados Unidos.
Ao mesmo tempo, os Bolsonaros empreendiam um trabalho inédito de destruir a própria reputação, resultando na mais rápida queda de popularidade de um presidente da República desde que começaram as pesquisas sobre o tema.
Com esse suicídio político, comprometeram o segundo trunfo: a reforma da Previdência.
A Lava Jato se expôs definitivamente quando o STF decidiu dar prioridade à Justiça Eleitoral, a Procuradora Raquel Dodge investiu contra a tal fundação, a imagem de Sérgio Moro começou a se enfraquecer por sua submissão a Jair Bolsonaro, e especialmente a Lava Jato do Paraná ficou sem alpiste para a imprensa, pelo esgotamento do ciclo Petrobras.
Encerra-se o período da Lava Jato como poder absoluto e começa um novo ciclo. É por aí que se entende a nova etapa política: a guerra declarada de facções políticas contra o Estado.
A Lava Jato reedita um fenômeno que aconteceu na ditadura, quando, com a derrota do general Silvio Frota, os porões perderam a possibilidade de ascender ao poder: a disseminação de atentados. Repete-se o ciclo, sem a eliminação física dos adversários, mas com o uso intensivo e delações e redes sociais para liquidar a reputação dos críticos.
Prenuncia-se guerra sangrenta.
Peça 3 – os tiros no pé da Lava Jato
O Supremo reagiu com a decisão de Dias Tofolli de abrir investigações contra milicianos sociais e procuradores que alimentavam os ataques contra a casa, entregando a relatoria a Alexandre de Moraes.
Para comprovar, nesses tempos bicudos, que a defesa da lei tem que, sempre, ser feita à margem da lei, Moraes aproveitou as investigações para investir contra tuiteiros críticos dele. Milícias sociais são organizações secretas, coordenadas por pessoas ocultas, que difundem ameaças e ataques à reputação. Moraes incluiu em seu pacote dois advogados críticos do STF, que até podem ser processados por exageros de linguagem, mas que não se enquadram de forma alguma no conceito de organização clandestina. Raios! A maior força do STF é agir dentro dos limites de seus poderes (que são amplos) e o sujeito resolve tirar sua casquinha!
A resposta da Lava Jato foi pior ainda. Numa ponta, os procuradores do Rio de Janeiro requisitando, e Marcelo Bretas autorizando, mais um espetáculo midiático com a prisão do ex-presidente Michel Temer.
Pouco importa se Temer simboliza o mais nefasto esquema de corrupção da história contemporânea. Afinal, tornou-se presidente graças ao apoio da Lava Jato e retribuiu com honrarias a aliança. Mas sua prisão reforçou a imagem da Lava Jato acima da lei.
A segunda bobagem foi o vazamento – pela Lava Jato Rio – de delações premiadas comprometendo um assessor direto do Ministro Luiz Fux. Atirou no próprio aliado, com duas consequências óbvias: se continuar apoiando indistintamente a Lava Jato, Fux passará recibo sobre as chantagens sofridas; os demais Ministros que provavelmente foram alvos de chantagens semelhantes, passam, agora, a caminhar sobre terrenos pantanosos.
Aqui há comprovação factual do que vínhamos apontando há tempos no GGN – Ministros do STF alvos de chantagem de movimentos de ultradireita apoiadores da Lava Jato.
A truculência da última operação conseguiu comprometer a reforma da Previdência e despertar um espírito de corpo do Congresso que supunha-se sepultado pela desmoralização da casa. As críticas vieram de Tasso Jereissatti, senador do PSDB que sempre foi contrário à aproximação do partido com Temer.
A repetição da truculência escancarou mais ainda a falta de limites da Lava Jato, mas em um momento em que não dispõe mais da blindagem anterior.
Peça 4 – a guerra mundial
Agora, entra-se em um cenário de guerra. Aí entram os fantasmas no sótão, com cada poder podendo mostrar seus músculos, mas tendo de refletir sobre suas vulnerabilidades.
Dois dos principais instrumentos da aliança Lava Jato-Bolsonaro estão sob escrutínio: na Internet, as milícias sociais investigadas pelo STF; no Rio de Janeiro, as ligações de Bolsonaro com as milícias reais, que estão emergindo nas investigações do Ministério Público Estadual .
Mas os fantasmas no quadro mostram as vulnerabilidades de cada parte.
Lava Jato – Na hora em que quiser, o Congresso poderá abrir uma CPI da Lava Jato. Existem indícios à vontade, seja no caso da fundação ou da indústria da delação premiada, tanto no Paraná quanto no Rio de Janeiro.
STF – há pelo menos quatro Ministros expostos a pressões de chantagem, conforme já publiquei aqui.
Congresso – dezenas de parlamentares investigados, denunciados. E a possibilidade de críticos serem incluídos em alguma nova delação, por imposição de procuradores. Mas, à esta altura, com o estratagema sendo gradativamente desmoralizado por excesso de uso.
Há rigor, há duas instituições sem fantasmas: a Procuradoria Geral da República (gestão Raquel Dodge) e o Alto Comando das Forças Armadas – os militares da ativa.
Toda essa movimentação fortalece a ideia de um pacto democrático, juntando setores dos mais diversos, dos partidos de esquerda aos partidos liberais-conservadores, que entenderem que a luta maior é entre civilização e barbárie.
0 comentários:
Postar um comentário