Por Gustavo Freire Barbosa, na revista CartaCapital:
No documentário “A Terra é plana”, da Netflix, uma famosa terraplanista chamada Patricia Steere reclama ser alvo das teorias da conspiração de seus colegas também terraplanistas. Segundo alegam, Steere faria parte de um grande complô envolvendo o governo norte-americano. As evidências? O fato de seu nome terminar com CIA e seu sobrenome ser “Steere” (uma alusão a “sphere”, esfera).
Desde o início de junho, quando começou a série de reportagens publicadas pelo The Intercept Brasil que trouxe à luz o submundo da operação Lava Jato, o bolsonarismo devotou todas as suas forças às tentativas de descredibilizar Glenn Greenwald, jornalista idealizador do site.
De forma típica, a maior parte dos ataques a ele direcionados dialogam com fake news e com teorias lunáticas semelhantes às da turma de Steere. Uma das provas do The Intercept ser um meio de comunicação petista, por exemplo, seria o fato de terminar com “pt”, segundo denunciou o deputado Coronel Tadeu (PSL-SP) durante sessão da Comissão de Segurança Pública no início de junho.
Por mais tentador que seja, é um erro considerar o Coronel Tadeu, os terraplanistas e seus correligionários como figuras caricatas que, por causa de suas posições folclóricas, não merecem atenção.
Poderia ser assim em outros tempos, mas não hoje. A compreensão dos seus verdadeiros significados impõe que os observemos não de forma superficial, mas prestigiando a totalidade dos acontecimentos que convergiram no inesperado fortalecimento de concepções antes relegadas aos baús da história.
A realidade é o ponto de partida. Uma das razões pelas quais o filósofo alemão Hegel deu um passo à frente de seu antecessor Kant foi por ter juntado as identidades do real e do racional, identificando o mundo ideal no mundo verdadeiro. Para isso, Hegel adotou a noção de totalidade como parte de seu método, a qual viria a ser incorporada por Marx em seu materialismo histórico e dialético.
A totalidade pode ser entendida como uma larga compreensão da realidade e da racionalidade que tem por fundamento a relação entre os fatos e os fenômenos. Não é possível, assim, que se compreenda algo por si mesmo, de forma alheia a outras determinações da vida e à própria história.
É ela que nos possibilita enxergar o ressurgimento do terraplanismo não como obra de um punhado de lunáticos (aparência), mas como um sintoma de um movimento mais amplo de negação da racionalidade científica, de consensos civilizatórios e dos próprios fundamentos da sociedade contemporânea (essência).
A ascensão de nomes como Trump, Bolsonaro, Orbán e Kaczyński indica que se trata de algo em escala global, dentro das novas conformações do modo de produção capitalista em arrojar seus meios de expropriação.
O desapego à realidade como estratégia de defesa vem sendo o principal expediente dos que se encontram acossados pelas revelações do The Intercept Brasil. No dia 16 de julho, o ex-juiz Sérgio Moro partiu para o ataque em relação às divulgações dos diálogos o envolvendo junto a Dallagnol e demais procuradores que atuam na Lava Jato. Em sua conta no Twitter, acusou a imprensa de estar promovendo uma campanha em defesa da corrupção.
Moro opera na lógica do bolsonarismo: a do conflito permanente e maniqueísta contra espantalhos e moinhos de vento. Sua visão simplificadora e reducionista parte do princípio de que os meios de comunicação que não se comportam como O Antagonista, incensando os egos do ex-magistrado e dos integrantes da Força Tarefa, são prepostos da corrupção.
A tese de Moro não tem um pingo de racionalidade – e nem precisa ter, já que não é nela que se ampara a maior parte das forças que dão suporte ao bolsonarismo. Embora as últimas pesquisas apontem uma queda da popularidade do presidente, indicam também certa consolidação do seu núcleo duro de apoio. É para este núcleo que Bolsonaro e Moro se dirigem.
No artigo “A revolta conservadora”, publicado na Piauí de dezembro, o professor de filosofia Marcos Nobre observa que Bolsonaro, ao emular Trump nas redes sociais, adota um modus operandi comum aos expoentes do que chama de “nova internacional conservadora’.
Segundo ele, a tática geral é simples: inexiste pretensão de governar para todo mundo, e sim para uma base social e eleitoral que, embora não seja maioria, é grande o suficiente para sustentar um governo. Fidelizar essa base é fundamental para se manter no poder desde que se consiga expandi-la em momentos críticos, a exemplo das eleições, por meio da produção de inimigos odientos que ajudem a inflar a bolha bolsonarista. É esta expansão que garante a maioria circunstancial e necessária para a vitória.
Em um artigo escrito em 1915, Lima Barreto queixa-se do regime republicano, o qual considera uma expressão da mais brutal plutocracia e da mais intensa adulação aos capitalistas internacionais e aos “charlatões tintos com uma sabedoria de pacotilha”. Três anos depois, ele escreve não achar razoável que os “derrubadores de regime” queiram modelar todas as almas nas formas de suas próprias.
Quando Bolsonaro fala que passar fome no Brasil é uma grande mentira, dirige-se não aos indignados óbvios, os mesmos que espumam quando ouvem declarações como as que minimizam o desmatamento na Amazônia. Fala, sim, à coesão de sua tropa de choque e, de forma menos explícita, aos capitalistas internacionais que almejam consolidar sua plutocracia por meio do abocanhamento dos recursos da seguridade social e de nossas riquezas minerais. Para isso, pouco importa se o charlatanismo com sabedoria de pacotilha venha da Virgínia.
Desde o início de junho, quando começou a série de reportagens publicadas pelo The Intercept Brasil que trouxe à luz o submundo da operação Lava Jato, o bolsonarismo devotou todas as suas forças às tentativas de descredibilizar Glenn Greenwald, jornalista idealizador do site.
De forma típica, a maior parte dos ataques a ele direcionados dialogam com fake news e com teorias lunáticas semelhantes às da turma de Steere. Uma das provas do The Intercept ser um meio de comunicação petista, por exemplo, seria o fato de terminar com “pt”, segundo denunciou o deputado Coronel Tadeu (PSL-SP) durante sessão da Comissão de Segurança Pública no início de junho.
Por mais tentador que seja, é um erro considerar o Coronel Tadeu, os terraplanistas e seus correligionários como figuras caricatas que, por causa de suas posições folclóricas, não merecem atenção.
Poderia ser assim em outros tempos, mas não hoje. A compreensão dos seus verdadeiros significados impõe que os observemos não de forma superficial, mas prestigiando a totalidade dos acontecimentos que convergiram no inesperado fortalecimento de concepções antes relegadas aos baús da história.
A realidade é o ponto de partida. Uma das razões pelas quais o filósofo alemão Hegel deu um passo à frente de seu antecessor Kant foi por ter juntado as identidades do real e do racional, identificando o mundo ideal no mundo verdadeiro. Para isso, Hegel adotou a noção de totalidade como parte de seu método, a qual viria a ser incorporada por Marx em seu materialismo histórico e dialético.
A totalidade pode ser entendida como uma larga compreensão da realidade e da racionalidade que tem por fundamento a relação entre os fatos e os fenômenos. Não é possível, assim, que se compreenda algo por si mesmo, de forma alheia a outras determinações da vida e à própria história.
É ela que nos possibilita enxergar o ressurgimento do terraplanismo não como obra de um punhado de lunáticos (aparência), mas como um sintoma de um movimento mais amplo de negação da racionalidade científica, de consensos civilizatórios e dos próprios fundamentos da sociedade contemporânea (essência).
A ascensão de nomes como Trump, Bolsonaro, Orbán e Kaczyński indica que se trata de algo em escala global, dentro das novas conformações do modo de produção capitalista em arrojar seus meios de expropriação.
O desapego à realidade como estratégia de defesa vem sendo o principal expediente dos que se encontram acossados pelas revelações do The Intercept Brasil. No dia 16 de julho, o ex-juiz Sérgio Moro partiu para o ataque em relação às divulgações dos diálogos o envolvendo junto a Dallagnol e demais procuradores que atuam na Lava Jato. Em sua conta no Twitter, acusou a imprensa de estar promovendo uma campanha em defesa da corrupção.
Moro opera na lógica do bolsonarismo: a do conflito permanente e maniqueísta contra espantalhos e moinhos de vento. Sua visão simplificadora e reducionista parte do princípio de que os meios de comunicação que não se comportam como O Antagonista, incensando os egos do ex-magistrado e dos integrantes da Força Tarefa, são prepostos da corrupção.
A tese de Moro não tem um pingo de racionalidade – e nem precisa ter, já que não é nela que se ampara a maior parte das forças que dão suporte ao bolsonarismo. Embora as últimas pesquisas apontem uma queda da popularidade do presidente, indicam também certa consolidação do seu núcleo duro de apoio. É para este núcleo que Bolsonaro e Moro se dirigem.
No artigo “A revolta conservadora”, publicado na Piauí de dezembro, o professor de filosofia Marcos Nobre observa que Bolsonaro, ao emular Trump nas redes sociais, adota um modus operandi comum aos expoentes do que chama de “nova internacional conservadora’.
Segundo ele, a tática geral é simples: inexiste pretensão de governar para todo mundo, e sim para uma base social e eleitoral que, embora não seja maioria, é grande o suficiente para sustentar um governo. Fidelizar essa base é fundamental para se manter no poder desde que se consiga expandi-la em momentos críticos, a exemplo das eleições, por meio da produção de inimigos odientos que ajudem a inflar a bolha bolsonarista. É esta expansão que garante a maioria circunstancial e necessária para a vitória.
Em um artigo escrito em 1915, Lima Barreto queixa-se do regime republicano, o qual considera uma expressão da mais brutal plutocracia e da mais intensa adulação aos capitalistas internacionais e aos “charlatões tintos com uma sabedoria de pacotilha”. Três anos depois, ele escreve não achar razoável que os “derrubadores de regime” queiram modelar todas as almas nas formas de suas próprias.
Quando Bolsonaro fala que passar fome no Brasil é uma grande mentira, dirige-se não aos indignados óbvios, os mesmos que espumam quando ouvem declarações como as que minimizam o desmatamento na Amazônia. Fala, sim, à coesão de sua tropa de choque e, de forma menos explícita, aos capitalistas internacionais que almejam consolidar sua plutocracia por meio do abocanhamento dos recursos da seguridade social e de nossas riquezas minerais. Para isso, pouco importa se o charlatanismo com sabedoria de pacotilha venha da Virgínia.
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