Por Joe Cirincione e Mary Kaszynski, no site Outras Palavras:
Não é simulação. Uma nova guerra no Oriente Médio vem aí, quiçá muito em breve. Somente uma ação política dramática dos cidadãos e líderes políticos estadunidenses poderia detê-la.
O presidente Trump diz que não quer entrar em guerra com o Irã. Talvez todo esse medo da guerra seja só outro impulso neurótico. Ou pode ser que ele acredite que está, definitivamente, numa simulação de “fogo e fúria”, assim como fez antes com a Coreia do Norte, em que ele ameaça com uma guerra e com o “fim do Irã”, somente para recuar e depois dar palestras. Seu último descaso sobre a alegação dos ataques aos navios petroleiros no Golfo, referindo-se a eles como “de pouca importância”, mostram que esse é, sem dúvida, o seu jogo.
Mas quanto mais ele entra nessa, mais difícil fica de sair. Não aposte que isso vá desaparecer sem consequências. Os aliados mais próximos de Trump (e seus parceiros de negócios) na região - Arábia Saudita, Emirados Árabes e Israel - insistem para que haja ataques militares. “O próximo passo lógico”, segundo um editorial de um proeminente jornal saudita, “deveria ser de ataques cirúrgicos”. Seus conselheiros mais próximos na Casa Branca, o Departamento de Estado, e a Fox News também querem guerra, e afirmam isso repetidamente. Relacionam-na explicitamente aos “40 anos de agressões iranianas”. Habilmente alimentam os repórteres com pitadas de rumores e “inteligência” selecionada para que relatem as “atividades malignas” do Irã na região. Com a aprovação ou ignorância de Trump, deram uma série de passos, a começar pela revogação imprudente e desnecessária do acordo anti nuclear do Irã, para provocar um conflito.
Sua provocação está funcionando. Oficiais da inteligência dos EUA disseram que uma postura militar recente do Irã “é em resposta aos passos agressivos da administração ao longo dos dois últimos meses”. Mas em uma outra espiral de conflito, as ações dos EUA são ignoradas nas declarações oficiais. “A Estratégia de Segurança Nacional lista o Irã como uma das quatro principais ameaças, e nós só precisamos ter clareza de que temos capacidade de privá-los desse tipo de atividade, ameaçando vidas e instalações norte-americanas, ameaçando o mercado internacional de petróleo”, disse o Assessor de Segurança Nacional, John Bolton, sobre a nova implantação de mil tropas norte-americanas para o Golfo, e acrescentou que “eles estariam cometendo um erro grave se duvidassem da determinação do presidente sobre isso.”
O Secretário de Estado Mike Pompeo, enquanto isso, está trabalhando noite e dia para estabelecer as bases para os ataques militares. Em uma reunião de instruções a portas fechadas, recentemente, com membros do Congresso, Pompeo sugeriu que a Autorização para Uso de Força Militar de 2001 - a autoridade legal para a guerra no Afeganistão - permite que a administração lance ataques militares contra o Irã. Ele visitou os quartéis generais do Comando Central dos EUA em Tampa, na Flórida, na terça-feira, e está coordenando com os rivais regionais e religiosos do Irã.
Com a retórica subindo a temperaturas muito quentes, Trump talvez esteja sendo coagido para entrar em uma guerra que não entende ou não deseja. Príncipes árabes e radicais dirão a ele que ele não pode mais recuar, ou parecerá fraco. Vão prometer a ele que um pequeno ataque de “nariz sangrento” irá “restaurar a dissuasão” e fazer com que o Irã desista. É fácil, sussurrarão, a não ser, é claro, que o presidente esteja com medo de atacar…
É um método clássico de manipular indivíduos profundamente inseguros. Pense nos insultos de “frango” (“covarde”) que sempre afetaram o personagem de Michael J. Fox do filme De Volta para o Futuro, Marty McFly, a cometer as desventuras mais insensatas. Nesse caso, Trump vai causar estragos não com a cronologia ficcional dos fatos, mas com o Oriente Médio inteiro, além da economia global.
O resto do mundo observa, descrente. Mesmo para esse governo, o nível de imoralidade e duplicidade é de tirar o fôlego. Toda a América, a maior parte dos europeus e os aliados asiáticos estão profundamente céticos em relação às reivindicações da equipe de Trump, à necessidade de forças militares, e à estratégia por trás dessa crise autoescalante.
Neste ano, desde que Trump se afastou dos compromissos dos EUA no acordo antinuclear com o Irã, prometendo um “acordo melhor”, o governo falhou em alcançar qualquer de seus objetivos com o Irã e deteriorou severamente a credibilidade norte-americana. Estabeleceu um recorde mundial para a escala e frequência de mentiras ditas em vários pódios, em entrevistas e via Twitter. A Guarda Revolucionária Iraniana pode, inclusive, estar por trás dos ataques, mas não se pode confiar nesse governo para provar isso. Apenas uma investigação independente poderá mostrar a verdade.
Aliados dos EUA e a vasta maioria dos antigos oficiais e especialistas em segurança nacional apoiam o acordo antinuclear do Irã. Negociado através de muitos anos com aliados da Europa, China e Rússia, o acordo foi um triunfo da diplomacia internacional. Bloqueou com sucesso todos os caminhos do Irã para fabricar a bomba, sem provocar um conflito militar. O acordo funcionou. O Irã finalizou suas atividades nucleares perigosas, e submeteu-se às mais intrusivas inspeções e monitoramento de regime que existem hoje.
Apesar da revogação de Trump - tecnicamente, os EUA estão violando o acordo, dado o fato de que não há nenhum mecanismo de retirada - os europeus e iranianos têm mantido vigente o tratado. o Irã permanece em conformidade total, de acordo com a inteligência dos EUA e de Israel, e segundo os relatórios da Agência Internacional de Energia Atômica.
Isto é o que Trump tem ouvido de seu secretário de defesa, diretor da inteligência nacional e diretor da CIA, que atestou repetidas vezes que o acordo está funcionando. Trump dispensou as avaliações profissionais.
Líderes europeus foram até Washington para implorar a Trump que continuasse no tratado, alertando que isso seria vital para a segurança da Europa. Trump os ignorou. Encorajado por Pompeo (um crítico de longa data do Irã) e por Bolton (um torcedor férreo da guerra do Iraque), Trump violou o acordo, voltou a impor sanções que os EUA haviam prometido retirar, e embarcou numa campanha de “máxima pressão” para deixar o Irã de joelhos.
Agora, provocado e sem os benefícios econômicos prometidos no acordo, o Irã - como já era previsto - anunciou que em breve começará a violar alguns limites. Embora lamentável e desnecessário, estes são passos relativamente menores e reversíveis. Não há risco de que o Irã recorra a uma bomba, mesmo com o pequeno aumento do urânio pouco enriquecido que acontecerá em breve.
Esta não é uma crise nuclear, certamente nada que não possa ser resolvido com o simples retorno dos EUA ao acordo nuclear. Esse retorno manteria todos os limites em seus devidos lugares e realizaria o objetivo que Trump diz querer: privar o Irã da capacidade de construir uma bomba nuclear.
Se o governo continuar a provocar o Irã, porém, isso se tornará uma nova crise nuclear, totalmente criada por Trump.
Felizmente, uma estratégia alternativa vem se construindo. Tanto a Câmara como o Senado apresentaram uma legislação que poderia barrar uma guerra ilegal e não autorizada com o Irã. Todos os principais candidatos presidenciais democráticos têm se comprometido publicamente a reintegrar o acordo antinuclear, voltando assim às conversas diplomáticas com o Irã e nossos aliados, reconstruindo a credibilidade norte americana e sua liderança global. Ativistas, organizações de veteranos e massivos grupos de movimentos estão se mobilizando para prevenir uma guerra que faria com que as guerras contra o Iraque e o Afeganistão parecessem apenas um aperitivo.
Estes ativistas e líderes políticos sacaram a idiotice da estratégia Pompeo-Bolton: a de que, de algum jeito, o Irã seria tão poderoso, a ponto de ser a fonte de todo o mal no Oriente Médio, porém, tão frágil, que com um pequeno ataque de mísseis de cruzeiro a uma usina nuclear civil iraniana, seria derrubado. Mas será que o público norte americano está tão sobrecarregado com os repetidos ultrajes de Trump que fracassará em compreender o perigo real do momento atual?
Esta é uma corrida entre a paz e a guerra, entre a razão e a fantasia. A menos que aqueles que defendem a paz e a razão aumentem significativamente seus esforços, os EUA irão, mais uma vez, enganados e conduzidos a uma guerra desnecessária, de consequências catastróficas.
* Joseph Cirincione é presidente do Fundo Ploughshares, uma fundação de segurança global e apresentador do podcast “Press the Button”. Mary Kaszynski é diretora de política adjunta do Fundo Ploughshares e colaboradora do “Press the Button”.
O presidente Trump diz que não quer entrar em guerra com o Irã. Talvez todo esse medo da guerra seja só outro impulso neurótico. Ou pode ser que ele acredite que está, definitivamente, numa simulação de “fogo e fúria”, assim como fez antes com a Coreia do Norte, em que ele ameaça com uma guerra e com o “fim do Irã”, somente para recuar e depois dar palestras. Seu último descaso sobre a alegação dos ataques aos navios petroleiros no Golfo, referindo-se a eles como “de pouca importância”, mostram que esse é, sem dúvida, o seu jogo.
Mas quanto mais ele entra nessa, mais difícil fica de sair. Não aposte que isso vá desaparecer sem consequências. Os aliados mais próximos de Trump (e seus parceiros de negócios) na região - Arábia Saudita, Emirados Árabes e Israel - insistem para que haja ataques militares. “O próximo passo lógico”, segundo um editorial de um proeminente jornal saudita, “deveria ser de ataques cirúrgicos”. Seus conselheiros mais próximos na Casa Branca, o Departamento de Estado, e a Fox News também querem guerra, e afirmam isso repetidamente. Relacionam-na explicitamente aos “40 anos de agressões iranianas”. Habilmente alimentam os repórteres com pitadas de rumores e “inteligência” selecionada para que relatem as “atividades malignas” do Irã na região. Com a aprovação ou ignorância de Trump, deram uma série de passos, a começar pela revogação imprudente e desnecessária do acordo anti nuclear do Irã, para provocar um conflito.
Sua provocação está funcionando. Oficiais da inteligência dos EUA disseram que uma postura militar recente do Irã “é em resposta aos passos agressivos da administração ao longo dos dois últimos meses”. Mas em uma outra espiral de conflito, as ações dos EUA são ignoradas nas declarações oficiais. “A Estratégia de Segurança Nacional lista o Irã como uma das quatro principais ameaças, e nós só precisamos ter clareza de que temos capacidade de privá-los desse tipo de atividade, ameaçando vidas e instalações norte-americanas, ameaçando o mercado internacional de petróleo”, disse o Assessor de Segurança Nacional, John Bolton, sobre a nova implantação de mil tropas norte-americanas para o Golfo, e acrescentou que “eles estariam cometendo um erro grave se duvidassem da determinação do presidente sobre isso.”
O Secretário de Estado Mike Pompeo, enquanto isso, está trabalhando noite e dia para estabelecer as bases para os ataques militares. Em uma reunião de instruções a portas fechadas, recentemente, com membros do Congresso, Pompeo sugeriu que a Autorização para Uso de Força Militar de 2001 - a autoridade legal para a guerra no Afeganistão - permite que a administração lance ataques militares contra o Irã. Ele visitou os quartéis generais do Comando Central dos EUA em Tampa, na Flórida, na terça-feira, e está coordenando com os rivais regionais e religiosos do Irã.
Com a retórica subindo a temperaturas muito quentes, Trump talvez esteja sendo coagido para entrar em uma guerra que não entende ou não deseja. Príncipes árabes e radicais dirão a ele que ele não pode mais recuar, ou parecerá fraco. Vão prometer a ele que um pequeno ataque de “nariz sangrento” irá “restaurar a dissuasão” e fazer com que o Irã desista. É fácil, sussurrarão, a não ser, é claro, que o presidente esteja com medo de atacar…
É um método clássico de manipular indivíduos profundamente inseguros. Pense nos insultos de “frango” (“covarde”) que sempre afetaram o personagem de Michael J. Fox do filme De Volta para o Futuro, Marty McFly, a cometer as desventuras mais insensatas. Nesse caso, Trump vai causar estragos não com a cronologia ficcional dos fatos, mas com o Oriente Médio inteiro, além da economia global.
O resto do mundo observa, descrente. Mesmo para esse governo, o nível de imoralidade e duplicidade é de tirar o fôlego. Toda a América, a maior parte dos europeus e os aliados asiáticos estão profundamente céticos em relação às reivindicações da equipe de Trump, à necessidade de forças militares, e à estratégia por trás dessa crise autoescalante.
Neste ano, desde que Trump se afastou dos compromissos dos EUA no acordo antinuclear com o Irã, prometendo um “acordo melhor”, o governo falhou em alcançar qualquer de seus objetivos com o Irã e deteriorou severamente a credibilidade norte-americana. Estabeleceu um recorde mundial para a escala e frequência de mentiras ditas em vários pódios, em entrevistas e via Twitter. A Guarda Revolucionária Iraniana pode, inclusive, estar por trás dos ataques, mas não se pode confiar nesse governo para provar isso. Apenas uma investigação independente poderá mostrar a verdade.
Aliados dos EUA e a vasta maioria dos antigos oficiais e especialistas em segurança nacional apoiam o acordo antinuclear do Irã. Negociado através de muitos anos com aliados da Europa, China e Rússia, o acordo foi um triunfo da diplomacia internacional. Bloqueou com sucesso todos os caminhos do Irã para fabricar a bomba, sem provocar um conflito militar. O acordo funcionou. O Irã finalizou suas atividades nucleares perigosas, e submeteu-se às mais intrusivas inspeções e monitoramento de regime que existem hoje.
Apesar da revogação de Trump - tecnicamente, os EUA estão violando o acordo, dado o fato de que não há nenhum mecanismo de retirada - os europeus e iranianos têm mantido vigente o tratado. o Irã permanece em conformidade total, de acordo com a inteligência dos EUA e de Israel, e segundo os relatórios da Agência Internacional de Energia Atômica.
Isto é o que Trump tem ouvido de seu secretário de defesa, diretor da inteligência nacional e diretor da CIA, que atestou repetidas vezes que o acordo está funcionando. Trump dispensou as avaliações profissionais.
Líderes europeus foram até Washington para implorar a Trump que continuasse no tratado, alertando que isso seria vital para a segurança da Europa. Trump os ignorou. Encorajado por Pompeo (um crítico de longa data do Irã) e por Bolton (um torcedor férreo da guerra do Iraque), Trump violou o acordo, voltou a impor sanções que os EUA haviam prometido retirar, e embarcou numa campanha de “máxima pressão” para deixar o Irã de joelhos.
Agora, provocado e sem os benefícios econômicos prometidos no acordo, o Irã - como já era previsto - anunciou que em breve começará a violar alguns limites. Embora lamentável e desnecessário, estes são passos relativamente menores e reversíveis. Não há risco de que o Irã recorra a uma bomba, mesmo com o pequeno aumento do urânio pouco enriquecido que acontecerá em breve.
Esta não é uma crise nuclear, certamente nada que não possa ser resolvido com o simples retorno dos EUA ao acordo nuclear. Esse retorno manteria todos os limites em seus devidos lugares e realizaria o objetivo que Trump diz querer: privar o Irã da capacidade de construir uma bomba nuclear.
Se o governo continuar a provocar o Irã, porém, isso se tornará uma nova crise nuclear, totalmente criada por Trump.
Felizmente, uma estratégia alternativa vem se construindo. Tanto a Câmara como o Senado apresentaram uma legislação que poderia barrar uma guerra ilegal e não autorizada com o Irã. Todos os principais candidatos presidenciais democráticos têm se comprometido publicamente a reintegrar o acordo antinuclear, voltando assim às conversas diplomáticas com o Irã e nossos aliados, reconstruindo a credibilidade norte americana e sua liderança global. Ativistas, organizações de veteranos e massivos grupos de movimentos estão se mobilizando para prevenir uma guerra que faria com que as guerras contra o Iraque e o Afeganistão parecessem apenas um aperitivo.
Estes ativistas e líderes políticos sacaram a idiotice da estratégia Pompeo-Bolton: a de que, de algum jeito, o Irã seria tão poderoso, a ponto de ser a fonte de todo o mal no Oriente Médio, porém, tão frágil, que com um pequeno ataque de mísseis de cruzeiro a uma usina nuclear civil iraniana, seria derrubado. Mas será que o público norte americano está tão sobrecarregado com os repetidos ultrajes de Trump que fracassará em compreender o perigo real do momento atual?
Esta é uma corrida entre a paz e a guerra, entre a razão e a fantasia. A menos que aqueles que defendem a paz e a razão aumentem significativamente seus esforços, os EUA irão, mais uma vez, enganados e conduzidos a uma guerra desnecessária, de consequências catastróficas.
* Joseph Cirincione é presidente do Fundo Ploughshares, uma fundação de segurança global e apresentador do podcast “Press the Button”. Mary Kaszynski é diretora de política adjunta do Fundo Ploughshares e colaboradora do “Press the Button”.
* Publicado originalmente em Lobelog. Tradução de Gabriela Leite e Simone Paz.
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