Não se pode falar em desenvolvimento e soberania nacional sem desprivatizar o Estado, distinguindo claramente o público do privado e demarcando bem o espectro de ação de ambos. A isso se dá o nome de projeto de nação, algo que a Constituição de 1988 estabeleceu com certa nitidez. Esse conceito se formou com os êxitos dos ciclos que impulsionaram o país, dotando-o de um nível médio de desenvolvimento industrial e tecnológico, sobretudo o deflagrado pela Revolução liderada por Getúlio Vargas em 1930.
As privatizações são parte constituinte do projeto de tirar do Estado seu viés desenvolvimentista. O capítulo dos atentados contra a soberania nacional e os direitos sociais nos períodos em que os entreguistas governaram o Brasil — sobretudo na ditadura militar e na “era neoliberal” —, é copioso. Só os Estados nacionais podem controlar efetivamente seu sistema financeiro, em lugar de serem controlados por eles, como ocorre atualmente. A saída é mais Estado, não menos Estado.
Como se sabe, a proposta de governo de Jair Bolsonaro e seu séquito representa a retomada desse histórico entreguista. O exemplo mais recente é a lista de 17 empresas a serem privatizadas, entre elas estatais com papel histórico na transformação do Brasil em um país com desenvolvimento — como a Telebras, a Eletrobras e os Correios. No horizonte, segundo acaba de reiterar o ministro da Economia Paulo Guedes, está a Petrobras.
A ladainha que embala as justificativas para essa retomada da entrega do patrimônio nacional na bacia das almas é bem conhecida. Cria-se uma indústria de difamação das estatais, ao mesmo tempo em que elas são sucateadas com cortes drásticos em seus investimentos, uma manobra para fazer o grande público odiar tudo o que está ligado ao Estado. A salvação viria pelas mãos de iluminados, que transformariam a miséria em bonança.
A fórmula é antiga, mas funciona por ser divulgada pela mídia em regime de monopólio e em tom catastrofista. Na verdade, ela é uma espécie de tábua de salvação dos interesses que movem esse projeto de poder. Eles precisam desesperadamente do dinheiro das privatizações para manter a engrenagem da ciranda financeira girando, alimentando com dinheiro público o mercado dos papeis produzido pelo Estado como mecanismo de lucros privados.
A mandracaria bolsonarista tem escola, mas agora ela é mais agressiva. Além da campanha midiática virulenta contra as estatais, há o discurso governista de que o país não tem mais de onde tirar recursos para promover a retomada da dinâmica econômica. A ligação de uma coisa com a outra é uma ficção, percebe-se facilmente, mas, como o debate econômico no país está interditado pelo controle monopolista dos meios de comunicação da mídia, ela vai se alimentando da própria repetição e acaba se transformando em verdade oficial.
Quando o debate flui, a realidade é outra. O melhor exemplo se deu com o comportamento do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva na campanha da sua reeleição, em 2006. Até então era impensável um candidato a presidente denunciar com êxito as mazelas das privatizações perto de uma eleição — ou até longe. Ao se reeleger com um programa que tinha como alavanca econômica o setor público, Lula pôde prosseguir enfrentando o principal problema herdado — o descaso com o crescimento da economia.
Agora, o país está novamente diante desse dilema histórico entre um projeto nacional e o entreguismo oportunista dos nichos que se apropriam das benesses do Estado quando ele se livra dos mecanismos de crivo social, enfraquecendo, consequentemente, a democracia. Um Estado grande e eletrizado ao tratar dos interesses do poder econômico e dilapidado para tratar das questões do povo. No fundo está o diálogo do mendigo e o céu, de um dos romances de Machado de Assis. “Afinal, não me hás de cair em cima”, disse o primeiro. “Nem tu me hás de escalar", respondeu o segundo.”
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