Por Guilherme Boulos, na revista CartaCapital:
Em 1992, um grupo do Poder Judiciário na Itália comandou a famosa Mãos Limpas. Procuradores e juízes foram transformados em celebridades. E a investigação teve um efeito colateral, a eleição de Silvio Berlusconi na esteira do sentimento da antipolítica. No Brasil, algumas décadas depois, uma operação judicial justificada pelo legítimo combate à corrupção transformou-se num grupo de poder. A Lava Jato desestruturou o cenário político, eleitoral e até econômico construído no último período. Perseguiu inimigos e interferiu diretamente nas eleições de 2018, levando à vitória de Jair Bolsonaro.
A maior figura pública do lavajatismo sempre foi Sérgio Moro, um juiz caipira alçado à condição de “super-herói” por parcela significativa da mídia. Como era evidente e as inúmeras revelações da Vaza Jato vieram a comprovar, Moro atuou para favorecer o impeachment de Dilma Rousseff e conduziu sem qualquer isenção o processo no qual condenou e prendeu Lula, tirando o candidato favorito das eleições presidenciais.
Recebeu como recompensa de Bolsonaro o cargo de ministro da Justiça. O Brasil parecia assistir à “cena do beijo” deste insólito casamento político. Bolsonarismo e lavajatismo, ainda que com origens e razões de existir distintas, anunciavam-se como um projeto político unificado de condução do País. Iriam acabar com a corrupção e salvar a população dos comunistas.
Mas a história não acaba como o fim de uma novela. Curiosamente, poucos dias após o segundo turno das eleições, vieram as revelações sobre Queiroz. Os funcionários fantasmas e os depósitos para o filho Flávio e para a mulher Michelle mostraram apenas a ponta do iceberg do tipo de política que Bolsonaro e a família sempre representaram.
O presidente precisou traçar uma estratégia para sobreviver às investigações e proteger os seus. Ainda em janeiro, o ministro do STF Luiz Fux concedeu uma liminar que suspendia a investigação sobre Flávio Bolsonaro. Com a liminar cassada, José Dias Toffoli decidiu em julho suspender todos os processos judiciais com dados compartilhados por órgãos financeiros, incluindo aqueles da investigação de Queiroz.
Em seguida, Bolsonaro passou a atacar a atuação da Polícia Federal. Por conta de uma fiscalização em área de milícias no Rio de Janeiro, grupo de criminosos que insiste em aparecer no entorno do presidente, trocou o superintendente da PF no estado.
Mais recentemente, ameaçou repetidas vezes exonerar o diretor-geral da polícia, Maurício Valeixo, ligado a Sérgio Moro. “Quem manda sou eu”, foi sua resposta quando perguntado sobre a opinião de Moro em relação à PF. Bolsonaro também ignorou o ministro da Justiça e a lista elaborada pela associação dos procuradores ao nomear Augusto Aras para a Procuradoria-Geral da República. Mais uma clara tentativa de fugir das investigações, transformando Aras em um novo “Engavetador-Geral da República”, ao modo do que foi Geraldo Brindeiro para Fernando Henrique Cardoso.
A cada passo de Bolsonaro, o beijo do casamento parece mais distante. Acabou o amor. Mesmo humilhado dia após dia, Moro segue no cargo. Mas com cada vez menos tinta na caneta e com a reputação manchada pelas revelações da Vaza Jato. A briga era previsível, pelo potencial enfrentamento de ambos em 2022, mas Bolsonaro decidiu antecipá-la quando viu a fragilidade de Moro e pelo desespero em salvar o filho e os negócios da família.
Não nos iludamos, porém, em relação ao que está em jogo. De um lado, uma seita política alimentada pelo ódio, incapaz de formular qualquer proposta coerente para o Brasil e comandada por uma família enfiada até o pescoço em relações espúrias e corruptas com milicianos. Do outro, um grupo de justiceiros que usaram o combate à corrupção como pretexto para acumular poder, dinheiro e atuar politicamente. Duas propostas antinacionais que passam longe de um projeto de País que envolva o enfrentamento à desigualdade e a garantia de direitos sociais e democráticos.
No divórcio cada vez mais iminente entre o bolsonarismo e o lavajatismo não há heróis. São duas facções políticas, faces da mesma moeda, lutando pela autopreservação e por mais poder. Ambas fazem mal ao Brasil.
A maior figura pública do lavajatismo sempre foi Sérgio Moro, um juiz caipira alçado à condição de “super-herói” por parcela significativa da mídia. Como era evidente e as inúmeras revelações da Vaza Jato vieram a comprovar, Moro atuou para favorecer o impeachment de Dilma Rousseff e conduziu sem qualquer isenção o processo no qual condenou e prendeu Lula, tirando o candidato favorito das eleições presidenciais.
Recebeu como recompensa de Bolsonaro o cargo de ministro da Justiça. O Brasil parecia assistir à “cena do beijo” deste insólito casamento político. Bolsonarismo e lavajatismo, ainda que com origens e razões de existir distintas, anunciavam-se como um projeto político unificado de condução do País. Iriam acabar com a corrupção e salvar a população dos comunistas.
Mas a história não acaba como o fim de uma novela. Curiosamente, poucos dias após o segundo turno das eleições, vieram as revelações sobre Queiroz. Os funcionários fantasmas e os depósitos para o filho Flávio e para a mulher Michelle mostraram apenas a ponta do iceberg do tipo de política que Bolsonaro e a família sempre representaram.
O presidente precisou traçar uma estratégia para sobreviver às investigações e proteger os seus. Ainda em janeiro, o ministro do STF Luiz Fux concedeu uma liminar que suspendia a investigação sobre Flávio Bolsonaro. Com a liminar cassada, José Dias Toffoli decidiu em julho suspender todos os processos judiciais com dados compartilhados por órgãos financeiros, incluindo aqueles da investigação de Queiroz.
Em seguida, Bolsonaro passou a atacar a atuação da Polícia Federal. Por conta de uma fiscalização em área de milícias no Rio de Janeiro, grupo de criminosos que insiste em aparecer no entorno do presidente, trocou o superintendente da PF no estado.
Mais recentemente, ameaçou repetidas vezes exonerar o diretor-geral da polícia, Maurício Valeixo, ligado a Sérgio Moro. “Quem manda sou eu”, foi sua resposta quando perguntado sobre a opinião de Moro em relação à PF. Bolsonaro também ignorou o ministro da Justiça e a lista elaborada pela associação dos procuradores ao nomear Augusto Aras para a Procuradoria-Geral da República. Mais uma clara tentativa de fugir das investigações, transformando Aras em um novo “Engavetador-Geral da República”, ao modo do que foi Geraldo Brindeiro para Fernando Henrique Cardoso.
A cada passo de Bolsonaro, o beijo do casamento parece mais distante. Acabou o amor. Mesmo humilhado dia após dia, Moro segue no cargo. Mas com cada vez menos tinta na caneta e com a reputação manchada pelas revelações da Vaza Jato. A briga era previsível, pelo potencial enfrentamento de ambos em 2022, mas Bolsonaro decidiu antecipá-la quando viu a fragilidade de Moro e pelo desespero em salvar o filho e os negócios da família.
Não nos iludamos, porém, em relação ao que está em jogo. De um lado, uma seita política alimentada pelo ódio, incapaz de formular qualquer proposta coerente para o Brasil e comandada por uma família enfiada até o pescoço em relações espúrias e corruptas com milicianos. Do outro, um grupo de justiceiros que usaram o combate à corrupção como pretexto para acumular poder, dinheiro e atuar politicamente. Duas propostas antinacionais que passam longe de um projeto de País que envolva o enfrentamento à desigualdade e a garantia de direitos sociais e democráticos.
No divórcio cada vez mais iminente entre o bolsonarismo e o lavajatismo não há heróis. São duas facções políticas, faces da mesma moeda, lutando pela autopreservação e por mais poder. Ambas fazem mal ao Brasil.
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