Por Marcos Coimbra, na revista CartaCapital:
A discussão a respeito da libertação de Lula tem de considerar duas premissas. Muita gente parece se esquecer de ambas, mas é preciso sempre lembrá-las. A primeira é o tamanho e a qualidade da imagem do ex-presidente. Sem nenhum exagero, é o político brasileiro mais admirado e querido de todos os tempos. Não há quem se compare a ele, nem no passado antigo, no Império ou na República até 1964, nem no Brasil pós-ditadura. Getulio Vargas foi em parte absolvido dos pecados do Estado Novo pelo segundo governo, mas eles permaneceram. Juscelino Kubitschek foi estimado, mas não recebeu o mesmo carinho da gente humilde.
Depois de Tancredo Neves, só decepções. De um fracasso a outro, a população viu a todos com otimismo no início e frustração no fim. Foi assim com José Sarney, Fernando Collor, Itamar Franco, Fernando Henrique Cardoso, Dilma Rousseff e Michel Temer, cada um por seus motivos, cada um com suas culpas. Quem apostar que será assim com o ex-capitão Bolsonaro vai ganhar dinheiro.
Menos com Lula. Hoje, quase dois em cada três entrevistados nas pesquisas o consideram o melhor presidente da história, com cinco vezes a aprovação do segundo colocado. Também é de dois terços a proporção daqueles que dizem que “gostam” de Lula como indivíduo, muito à frente dos demais presidentes, incluindo o atual, que se esperaria ainda estivesse bem com a opinião pública.
O extraordinário na imagem de Lula é a persistência, tendo sofrido o que sofreu nas mãos de adversários e da mídia antipetista, essa que hoje se proclama profissional. O coro que contra Lula fazem banqueiros, militares de farda e de pijama, juízes e promotores com mania de salvadores da pátria, barões da mídia e seus funcionários, revelou-se inútil. Apesar de tudo, a maioria do povo continua a admirar e a gostar dele.
A segunda premissa é relativa ao Partido dos Trabalhadores. Se nunca houve uma liderança como Lula, tampouco há, em nossa história, um partido igual ao PT. Nenhum foi tão grande e duradouro. As pesquisas mostram que entre 15% e 20% da população adulta se define como simpatizante do partido. Em termos absolutos, isso quer dizer que há mais de 22,5 milhões e perto de 30 milhões de simpatizantes do PT atualmente, mais que o dobro da soma daqueles que se identificam com os demais.
Nenhum partido, velho ou novo, das dezenas existentes, se destaca. Aquele em que até outro dia estava o capitão, por exemplo, é nada, apesar de ser tratado pela imprensa como se fosse relevante. A nova legenda que Bolsonaro diz estar criando será nada também.
Nessa massa de simpatizantes há um núcleo de cerca de 12 milhões de eleitores que afirmam ser petistas, sem meias palavras. De novo, nada de semelhante existe hoje ou existiu em nossa história. Uns e outros formam o maior patrimônio do partido e, por isso, respeitar suas preferências e levá-los em conta na tomada de decisões são obrigações de qualquer dirigente.
No ano passado, na mais enviesada eleição que tivemos em tempos modernos, Fernando Haddad foi ao segundo turno. Para evitar uma vitória do partido, não bastou a intervenção judicial dirigida contra a candidatura de Lula, em um caso descarado de lawfare, cujo ator principal foi ninguém menos que um comparsa do adversário. Não bastou a mordaça imposta ao ex-presidente. Apesar de Lula estar na cadeia e proibido de falar, Haddad só perdeu quando sofreu, nas barbas dos tribunais superiores, um ciberataque devastador, movido a dinheiro ilegal. Até hoje, o TSE não se apercebeu do que ocorreu.
Lula fora da prisão é ter no jogo o maior líder popular e o principal dirigente do maior partido. É haver alguém que o contingente de petistas e simpatizantes respeita e segue, e que o amplo grupo não alinhado ideologicamente com a legenda preza por sua obra e personalidade. É estar em ação o competente estrategista que conhecemos, que ganhou quatro eleições presidenciais e só não emplacou a quinta porque muita gente meteu a mão. É ter de volta à liderança do PT seu mais legítimo expoente.
Quem acha isso pouco espere para ver. A rigor, não precisa esperar, pois está vendo, com as dezenas ou centenas de milhares que foram a São Bernardo e ao Recife acolhê-lo e festejar nas ruas a sua liberdade.
1 comentários:
Não quero discutir os números que respaldam o entusiasmo do petista (filiado ou não ao PT) Marcos Coimbra. Porém, esse blog é testemunha do número impressionante de vezes que o dono do instituto de pesquisa Vox Popoli errou feio ao extrapolar análises políticas a partir de bases estatísticas. Não duvido que Lula desfrute de grande popularidade, e essa poderia jogar papel importante na mobilização de uma frente ampla contra o fascismo, que se faz urgente. Quanto ao PT, possui admiradores a ele relacionados pela memória de coisas produzidas pela sua concepção política economicista, como a geladeira farta de iogurtes e frios comprados aos supermercados, ou as compras no crediário em 36 prestações em lojas de bens de consumo duráveis ou semiduráveis, e não porque se relacionem com um projeto de construção de uma sociedade pós-capitalista de novo tipo, compreendendo, ademais, que o protagonista dessa construção deveria ser os próprios trabalhadores, o proletariado, através de sua luta de classe cotidiana contra a plutocracia financeira, contra as oligarquias, por meio de uma luta coletiva, portanto, travada principalmente fora das instituições da democracia burguesa, e não apenas através de votos depositados de 2 em 2 anos em candidatos do PT, sejam eles honestos e dedicados representantes do povo, como Paulo Paim, ou cretinos parlamentares, como muitos que prefiro não dizer o nome. Marcos Coimbra fala dos simpatizantes do PT, omitindo, entretanto, que, assim como o Flamengo que, a par de sua imensa torcida, estabeleceu uma enorme legião de torcedores contrários (a chamada "torcida arco-íris"),o PT é objeto de um impressionante e consistente antipetismo, que ele, Marcos Coimbra, como quase todo petista (filiado ou não formalmente ao PT), sempre se esquece de considerar em suas análises ultra otimistas, análises que são o substrato ideológico de seu exclusivismo. Foi esse antipetismo, mais do que qualquer outro fator, que derrotou (e derrotaria outra vez, se as eleições fossem hoje) um candidato com pouco apelo de massa como Haddad, que sequer conseguiu chegar ao 2° turno da disputa pela sua reeleição na prefeitura de São Paulo.
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