Por Vitor Nuzzi, na Rede Brasil Atual:
Com 61 anos, o jornalista paulistano Gilberto Nascimento passou grande parte de suas quatro décadas de profissional cobrindo assuntos ligados à religião, notadamente a católica, por diversos veículos, como Folha de S. Paulo, O Estado de S. Paulo, O Globo e IstoÉ. Atuou também no jornal O São Paulo, da Arquidiocese paulistana. Desses postos pôde observar diversas transformações e fenômenos, como o enfraquecimento de alas progressistas e a expansão de grupos pentecostais, entre os quais destaca-se a Igreja Universal do Reino de Deus, do midiático Edir Macedo.
Nos últimos quatro anos, Nascimento dedicou-se a escrever um livro que chega em meio a uma tempestade de fanatismos: O Reino (Companhia das Letras, 384 páginas) se apresenta como uma “radiografia” da Universal, fundada em 1977, e busca contar a história de seu criador, da origem simples à construção de um império que se assemelha ao de uma empresa, com presença em várias atividades da economia e uma decidida atuação no meio político, sempre próxima do poder.
O primeiro pilar para esse crescimento foi o investimento em comunicação. Como Nascimento assinala no início do livro, desde a fundação do primeiro templo, Edir Macedo repetia que um dia teria suas próprias emissoras de rádio e de TV – em resumo, “um grupo de comunicação forte”. Começou com 15 minutos diários na Rádio Metropolitana do Rio de Janeiro. Em 1984, ele comprou a Rádio Copacabana, com recursos da venda de uma casa da família, enquanto mantinha programas em outras emissoras, inclusive em São Paulo.
“O alcance da pregação radiofônica mapeava a inauguração de novas sedes”, conta Nascimento no livro. “Em geral, a partir da mobilização feita por pastores num programa de rádio, montava-se um núcleo, num clube, por exemplo, e os fiéis eram convocados para um grupo de oração. Quando se atingia um número de pessoas razoável, alugava-se um imóvel para inaugurar um novo templo. O dinheiro arrecadado nesses espaços ajudava a financiar mais horários para difundir a mensagem religiosa em rádios.”
Um dos sete filhos que “vingaram”, de um total de 33 gestações – sua mãe sofreu 16 abortos espontâneos e perdeu 10 bebês prematuramente –, Edir Macedo nasceu em 18 de fevereiro de 1945, em Rio das Flores (RJ), a pouco menos de 200 quilômetros do Rio de Janeiro. É apresentado como meticuloso, namorador (quando jovem) e autoritário. Ainda nos anos 1990, provocou polêmica ao vincular dinheiro à felicidade, desde que usado a serviço de Deus.
Inspiração americana
No final de 1978, a Universal alugou um horário na TV Tupi (extinta em 1980) e passou a apresentar o programa Despertar da Fé, apresentado por R. R. Soares (de Romildo Ribeiro) e durante o qual Macedo aparecia em um quadro de entrevistas (Painel da Verdade) inspirado em evangélicos norte-americanos. Foi nesse programa que o bispo Sérgio Von Helder provocou um escândalo, em 1995, ao dar socos e chutes em uma imagem de Nossa Senhora Aparecida. Dias depois, Macedo fez um pronunciamento pedindo desculpas.
“As outras igrejas evangélicas já usavam os meios de comunicação, mas não com a mesma eficiência”, observa o jornalista, lembrando que Macedo e Soares, que eram cunhados, divergiam quanto ao modelo da chamada igreja eletrônica, importado dos Estados Unidos, basicamente formatado pelo uso da televisão – o primeiro entendia que era preciso apostar no contato direto com as pessoas.
O autor detalha, inclusive, o trabalho de organização interna da Universal, em que os novos pastores trabalhavam “sem folga e sem feriado”, os solteiros se afastavam da família e os casados sem filhos eram incentivados a fazer vasectomia, segundo reportagem de 1996 do jornal Folha de S. Paulo. Eles participavam de até cinco cultos diários. Tudo para ter dedicação total à igreja.
Em 1986, Edir Macedo mudou-se para os Estados Unidos, projetando expandir a atuação da Igreja Universal. Sofreu no início, mas começou a crescer na medida em que passou a ter foco na imensa população hispânica. Teve de enfrentar também obstáculos causados por escândalos envolvendo líderes pentecostais naquele país, inclusive um pré-candidato à presidência, Pat Robertson, dono de uma rede de TV evangélica.
Ao mesmo tempo, Macedo voltava sua atenção para a política, apostando no lançamento de candidatos. O jornalista lembra, no capítulo A Ascensão, que essa presença se consolidaria na Assembleia Constituinte instalada em 1987, com a eleição de 32 parlamentares, sendo 18 pentecostais.
Além das décadas acompanhando o mundo da religião, Gilberto Nascimento dedicou quatro anos para apuração e conclusão do livro. Ouviu mais de 70 pessoas, muitas em off, alguns ex-bispos da Universal, representantes do Ministério Público, estudiosos. O Templo de Salomão foi inaugurado em 2014, no bairro paulistano do Brás
Hoje, a bancada evangélica se aproxima da centena. A Universal se espalha por quase 100 países, tem mais de 300 bispos e 14 mil pastores. O autor lembra que nas eleições do ano passado, o Republicanos (ex-PRB), partido da igreja, elegeu um vice-governador, Carlos Brandão, no Maranhão, um senador, Mecias de Jesus, em Roraima, 30 deputados federais (inclusive o atual 1º vice da Câmara, Marcos Pereira, um ex-ministro de Michel Temer investigado pela Operação Lava Jato) e 42 estaduais.
O prefeito do Rio de Janeiro, o ex-ministro Marcelo Crivella, eleito em 2016, é sobrinho de Macedo. Apesar da grandeza, a Universal não é a maior igreja evangélica no Brasil – fica atrás da Assembleia de Deus, da Batista e da Congregação Cristã, de acordo com dados do IBGE.
Avanço conservador
Ao longo da carreira, Gilberto Nascimento colecionou notícias exclusivas. Ele entrevistou, por exemplo, o teólogo Leonardo Boff em sua conturbada saída da igreja. E deu em primeira mão a notícia sobre a divisão da Arquidiocese de São Paulo, pelo papa João Paulo II, em 1989, medida que enfraqueceu os setores progressistas. Também entrevistou o então cardeal alemão Joseph Ratzinger, que se tornaria o papa Bento XVI.
Em 1985, Ratzinger impôs ao franciscano Boff um “silêncio obsequioso”, em 1985. Acompanhou as transformações da Igreja Católica, a substituição dos bispos progressistas por conservadores, o surgimento de grupos carismáticos, “a versão católica do pentecostalismo”.
No caso da Universal, a organização se assemelha à de uma empresa, com estratégias e objetivos claros. “Ele (Edir Macedo) tinha isso bem claro desde o início, usar os meios de comunicação e também ter uma sustentação política. Não adianta ter só poder (financeiro), é preciso ter poder político. Progressivamente, ele vai aumentando o número de templos e rádios”, lembra Nascimento. “O crescimento não se deu de maneira aleatória, casual.”
O salto veio com a compra da TV Record, há exatos 30 anos. A obra acompanha as disputas internas e a expansão do império – poderia incluir um organograma que exibisse a diversidade econômica do conglomerado. A narrativa é aprofundada e extensa, sem deixar de ser acessível.
No livro, o jornalista detalha as negociações para aquisição da Record, que embora “combalida”, como diz, despertava interesse de grandes grupos, inclusive de fora do Brasil. Sem identificar o verdadeiro interessado, emissários foram conversar com o empresário e apresentador Silvio Santos, que pedia US$ 55 milhões, à vista. No final, a transação foi fechada por US$ 45 milhões, sendo US$ 35 milhões pela TV e pela rádio Record de São Paulo – os outros US$ 10 milhões eram pela Record de Franca e de São José do Rio Preto, no interior paulista.
Depois do acerto, Silvio Santos perguntou quem era o verdadeiro comprador e teve a confirmação. Pouco depois, um grupo de pastores foi até a sede da emissora retirar uma imagem de Nossa Senhora Aparecida que ficava no saguão. Nascimento conta que, nos primeiros tempos, religiosos “se chocavam com a rotina de jornalistas e ‘gente de TV'”, queriam impor uso de gravata e cabelos curtos.
Acusações e prisão
O Reino fala também das acusações contra Edir Macedo – e ressalta que ele nunca foi condenado. Houve um processo por lavagem de dinheiro e evasão de divisas, por exemplo, que chegou a ser feita pela Justiça Federal, mas prescreveu. Em 2007, a repórter Elvira Lobato publicou matéria no jornal Folha de S.Paulo sobre o patrimônio empresarial de dirigentes da Universal.
Anos antes, ela havia mostrado a vinculação da igreja com empresas de paraísos fiscais. Depois da reportagem na Folha, a Universal moveu 111 ações judiciais, por danos morais, contra Elvira e o jornal. “Não se contestavam as informações publicadas: seguidores da igreja se diziam ‘prejudicados em sua fé'”, lembra Nascimento. As ações, idênticas, se espalharam pelo país, dificultando a defesa.
No final, as decisões foram favoráveis ao jornal e à repórter. A Universal havia tentado a mesma estratégia contra a TV Globo, por causa de uma reportagem do programa policial Linha Direta, abrindo 96 processos. O próprio autor do livro foi objeto de cinco queixas-crime. A obra recém-lançada inclui levantamento extenso das ações envolvendo o bispo e figuras ligadas à igreja. Nascimento também publicou reportagem na revista IstoÉ, em 1995, depois de ter acesso a um vídeo em que Macedo contava dólares e ensinava “técnicas” para arrecadar dinheiro.
Macedo chegou a ser preso, em 1992, após comandar um culto para 3 mil fieis em São Paulo. Havia um pedido de prisão preventiva decretado para apurar acusações de estelionato, charlatanismo e curandeirismo. Conforme a denúncia, fieis seriam orientados a depositar dinheiro em envelopes, durante os cultos, para receber bênçãos.
O bispo foi primeiro para o Deic, em Santana, na zona norte paulistana, e depois para o 91º DP, na Vila Leopoldina. Ficou 11 dias na prisão. Foi solto depois do terceiro pedido de habeas corpus, enfim concedido pela 8ª Câmara do Tribunal de Alçada Criminal. Para sua defesa, contratou o advogado criminalista Márcio Thomaz Bastos, que se tornaria ministro da Justiça no governo Luiz Inácio Lula da Silva.
O Reino fala também das acusações contra Edir Macedo – e ressalta que ele nunca foi condenado. Houve um processo por lavagem de dinheiro e evasão de divisas, por exemplo, que chegou a ser feita pela Justiça Federal, mas prescreveu. Em 2007, a repórter Elvira Lobato publicou matéria no jornal Folha de S.Paulo sobre o patrimônio empresarial de dirigentes da Universal.
Anos antes, ela havia mostrado a vinculação da igreja com empresas de paraísos fiscais. Depois da reportagem na Folha, a Universal moveu 111 ações judiciais, por danos morais, contra Elvira e o jornal. “Não se contestavam as informações publicadas: seguidores da igreja se diziam ‘prejudicados em sua fé'”, lembra Nascimento. As ações, idênticas, se espalharam pelo país, dificultando a defesa.
No final, as decisões foram favoráveis ao jornal e à repórter. A Universal havia tentado a mesma estratégia contra a TV Globo, por causa de uma reportagem do programa policial Linha Direta, abrindo 96 processos. O próprio autor do livro foi objeto de cinco queixas-crime. A obra recém-lançada inclui levantamento extenso das ações envolvendo o bispo e figuras ligadas à igreja. Nascimento também publicou reportagem na revista IstoÉ, em 1995, depois de ter acesso a um vídeo em que Macedo contava dólares e ensinava “técnicas” para arrecadar dinheiro.
Macedo chegou a ser preso, em 1992, após comandar um culto para 3 mil fieis em São Paulo. Havia um pedido de prisão preventiva decretado para apurar acusações de estelionato, charlatanismo e curandeirismo. Conforme a denúncia, fieis seriam orientados a depositar dinheiro em envelopes, durante os cultos, para receber bênçãos.
O bispo foi primeiro para o Deic, em Santana, na zona norte paulistana, e depois para o 91º DP, na Vila Leopoldina. Ficou 11 dias na prisão. Foi solto depois do terceiro pedido de habeas corpus, enfim concedido pela 8ª Câmara do Tribunal de Alçada Criminal. Para sua defesa, contratou o advogado criminalista Márcio Thomaz Bastos, que se tornaria ministro da Justiça no governo Luiz Inácio Lula da Silva.
Há poder, sou a favor
O livro trata ainda das relações próximas de Edir Macedo com todos os presidente da República, desde a primeira eleição direta após a redemocratização. O chefe da Universal aliou-se a Fernando Collor de Mello, eleito em 1990, apoiou Fernando Henrique Cardoso e o próprio Lula, antes chamado de “demônio”. Nascimento anota que o próprio vice do petista, José Alencar, era filiado ao partido ligado à Universal.
Macedo também manifestou apoio a Dilma Rousseff, mas embarcou no apoio ao impeachment, em 2016. Agora, dá sustentação a Jair Bolsonaro, a quem, inclusive, “abençoou” durante cerimônia em setembro no Templo de Salomão, em São Paulo, diante de 10 mil fiéis.
Réplica do original em Jerusalém, o templo, com 98 mil metros quadrados de área construída, foi inaugurado em 2014, com a presença de Dilma e do então vice, Michel Temer. Custou R$ 680 milhões. Em 7 de setembro último, Bolsonaro e Macedo apareceram juntos nas comemorações pelo Dia da Independência. E o presidente já avisou que o próximo ministro do Supremo Tribunal Federal deverá ser “terrivelmente evangélico”.
Além das décadas acompanhando o mundo da religião, Gilberto Nascimento dedicou quatro anos para apuração e conclusão do livro. Ouviu mais de 70 pessoas, muitas em off, alguns ex-bispos da Universal, representantes do Ministério Público, estudiosos. Muitos não quiseram falar, mesmo sem identificação.
“O objetivo foi esse desde o início: contar a história dele (Macedo) e da igreja. Nem defender, nem atacar”, diz o jornalista, que fez um trabalho meticuloso de investigação, vencendo desafios que ganharam outra dimensão já a partir de 1990, quando a cobertura de um culto realizado no estádio do Maracanã, no Rio de Janeiro, fez a Universal declarar uma “guerra santa” contra a mídia. Ao mesmo tempo, a Record segue generosa com o poder: na última segunda-feira (2), Bolsonaro deu entrevista à emissora – segundo o colunista Mauricio Stycer, do portal UOL, a 13ª exclusiva neste ano.
O livro trata ainda das relações próximas de Edir Macedo com todos os presidente da República, desde a primeira eleição direta após a redemocratização. O chefe da Universal aliou-se a Fernando Collor de Mello, eleito em 1990, apoiou Fernando Henrique Cardoso e o próprio Lula, antes chamado de “demônio”. Nascimento anota que o próprio vice do petista, José Alencar, era filiado ao partido ligado à Universal.
Macedo também manifestou apoio a Dilma Rousseff, mas embarcou no apoio ao impeachment, em 2016. Agora, dá sustentação a Jair Bolsonaro, a quem, inclusive, “abençoou” durante cerimônia em setembro no Templo de Salomão, em São Paulo, diante de 10 mil fiéis.
Réplica do original em Jerusalém, o templo, com 98 mil metros quadrados de área construída, foi inaugurado em 2014, com a presença de Dilma e do então vice, Michel Temer. Custou R$ 680 milhões. Em 7 de setembro último, Bolsonaro e Macedo apareceram juntos nas comemorações pelo Dia da Independência. E o presidente já avisou que o próximo ministro do Supremo Tribunal Federal deverá ser “terrivelmente evangélico”.
Além das décadas acompanhando o mundo da religião, Gilberto Nascimento dedicou quatro anos para apuração e conclusão do livro. Ouviu mais de 70 pessoas, muitas em off, alguns ex-bispos da Universal, representantes do Ministério Público, estudiosos. Muitos não quiseram falar, mesmo sem identificação.
“O objetivo foi esse desde o início: contar a história dele (Macedo) e da igreja. Nem defender, nem atacar”, diz o jornalista, que fez um trabalho meticuloso de investigação, vencendo desafios que ganharam outra dimensão já a partir de 1990, quando a cobertura de um culto realizado no estádio do Maracanã, no Rio de Janeiro, fez a Universal declarar uma “guerra santa” contra a mídia. Ao mesmo tempo, a Record segue generosa com o poder: na última segunda-feira (2), Bolsonaro deu entrevista à emissora – segundo o colunista Mauricio Stycer, do portal UOL, a 13ª exclusiva neste ano.
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