sexta-feira, 31 de janeiro de 2020

Seja bem-vinda ao lodaçal, prezada Regina

Por Eric Nepomuceno

Não houve nenhuma surpresa: depois da encenação toda (afinal, seu ofício é e sempre foi representar), Regina Duarte fez o que todo mundo sabia que faria e virou secretária especial de Cultura.

Vai assumir formalmente o cargo assim que chegar a um acordo com a Globo, rompendo um contrato de décadas e que assegurava a ela um gordo punhado de reais quando estava sem trabalhar, e obeso quando participava de alguma novela.

Alguns conhecidos meus observam que ela é infinitas vezes melhor que seu antecessor, o tal Roberto que quis ser Alvim.

Ora, qualquer bípede implume seria melhor.

Seu único e exclusivo gesto respeitável foi ter feito o que boa parte do governo de Jair Messias não tem a decência de fazer: assumir suas coincidências com o nazismo.

Também dizem que com Regina será possível abrir diálogo e estender pontes.

Bem, tenho cá minhas dúvidas, e conto as razões.

Acontece que por mais que ela se mostre afável e disposta a ouvir, estará integrando o governo de Jair Messias com sua furibunda determinação de destruir tudo que existia e ainda existe.

Será que ela acha que pode conter essa fúria arrasadora?

Além disso, antes mesmo de aceitar o cargo ela indicou para o cargo de secretária-adjunta uma senhora que se faz chamar de ‘reverenda’.

Durante a encenação do aceito-não-aceito-o-convite prestigiou intensamente a criatura em questão.

Será com gente esdrúxula, desse naipe, que ela pretende montar sua equipe?

Regina concordou em integrar um governo onde será colega, embora em posto inferior, de aberrações e ameaças como Abraham Weintraub, Ernesto Araújo, Onyx Lorenzoni, Ricardo Salles, Damares Alves, Paulo Guedes e Sergio Moro. Com qual ela sente maior afinidade?

Regina certamente é mais afável, sorridente e gentil que todos eles somados e multiplicados por três.

Acontece que em sua nova atuação ela não fará o papel de aeromoça: será, ao menos em teoria, a responsável por um dos setores atacados com mais ódio e ressentimento por Jair Messias.

Mesmo considerando que depois da guerra cultural declarada pelo antecessor de Regina, e de sua imagem irremediavelmente negativa no mundo das artes e da cultura, Jair Messias tenha decidido suavizar um pouco sua fúria ressentida, ele não vai deixar de ser o que sempre foi e será.

Aqui e ali menciona-se que Jair Messias prometeu carta-branca para Regina nomear quem quiser.

Bem, ele fez a mesma coisa com o ex-funcionário de Pinochet, Paulo Guedes, e com Sérgio Moro.

Deu no que deu: os dois tiveram quadros importantes de seus ministérios fulminados por ordem direta de Jair Messias.

Aliás, entre suas bizarras peculiaridades uma se destaca: dá carta-branca mas avisa que tem poder de veto. Será que Jair Messias sabe o que significa ‘carta-branca’?

Tomando tudo isso em conta, além do fato de o corpo técnico do fulminado ministério de Cultura ter sido desfeito e espalhado ao deus-dará, e que o orçamento do setor virou mingau ralo, e isso sem mencionar a falta de experiência de Regina na coisa pública, cadê espaço para qualquer vestígio de otimismo?

Mesmo considerando que ela tenha topado entrar nesse governo demencial para tentar, lá de dentro, melhorar o ambiente aqui de fora, em especial com a classe artística e cultural, insisto: cadê espaço para otimismo?

Para completar, Regina vive há muito tempo uma guinada em suas posições políticas, e nunca escondeu isso. Foi guinando pouco a pouco para uma direita deslavada, até culminar nos braços de um ultradireitista tresloucado chamado Jair Messias.

Não tem como dar certo.

Por maior que seja a torcida, por mais aguda que seja a necessidade, não tem como: Jair Messias é Jair Messias, e seu governo é esse aí, o pior e mais abjeto da história da República.

Alvim só caiu porque foi honesto: declarou com todas as letras que assinaria embaixo o que Goebbels escreveu.

Não fosse isso, ele continuaria lá, cumprindo de maneira exemplar a missão de destruir tudo.

Seja bem-vinda ao lodaçal que você escolheu, Regina.

Tomara que você dê errado, ou seja, não contribua para a destruição do nosso campo, o das artes e da cultura, que é o único objetivo desse governo.

Tomara que dando errado você possa um dia voltar para casa enlodada porém inteira, ou quase.

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