Por Paula Bianchi, no site The Intercept-Brasil:
Carnaval passado a gente te avisou que era melhor sair de máscara – especialmente se você estivesse no Rio. E nesse carnaval não vai ser diferente.
O mesmo Wilson Witzel que aposta em “atirar na cabecinha” de criminosos e encerrou 2019 com mais de 1.800 mortos pela polícia nas costas, agora negocia com o governo inglês a instalação de um sistema de vigilância e reconhecimento facial no estado.
O Black Mirror carioca está cada vez mais perto de sair do papel.
Consegui com o pessoal do Unearthed, a unidade de jornalismo investigativo do Greenpeace, a ata secreta da reunião entre Witzel e o ministro para o Comércio Exterior britânico, Conor Burns, em agosto. Na conversa, muitos afagos a suposta preocupação do governador de reduzir a violência no estado e um governo inglês ávido por “ajudar”.
Durante a reunião, que aconteceu em 19 de agosto, Burns disse a Witzel que “o Reino Unido está pronto para trabalhar em conjunto em uma variedade de assuntos, incluindo segurança (notável expertise em reconhecimento facial)”. Afirmação, segundo o relatório dos ingleses, recebida com animação pelo governador.
Trecho da ata da reunião entre Witzel e o ministro inglês. “O Reino Unido está pronto para trabalhar em conjunto em uma variedade de assuntos, incluindo segurança (notável expertise em reconhecimento facial), (em tradução livre)”.
Reconhecimento facial vem dando – bem – errado. A final da Champions League em 2017 na própria Inglaterra é um bom exemplo. O sistema de vigilância usado pela polícia britânica identificou 2.470 possíveis criminosos no meio da multidão – mas só 173 foram corretamente identificados, um índice de erro de 92%. Essa é a “notável expertise” que a polícia britânica bradou ao governador. Agora imagina essa situação em um estado que pena até para abastecer os tanques de gasolina das viaturas policiais.
O sistema prometido por Witzel no carnaval segue em fase de testes no Rio com algumas poucas câmeras instaladas na capital desde julho, mas já deu tempo de o governo passar vergonha. Ainda em julho uma mulher foi presa em Copacabana, confundida com uma suposta foragida da justiça – detalhe: a pessoa que a polícia buscava já estava detida em um presídio do Rio desde 2015.
Além da ata da reunião – que teve trechos antecipados pelo site Brazil Wire –, tivemos acesso ao briefing que o ministro Burns recebeu sobre o governador fluminense. Algumas omissões chamam a atenção. Apesar de Witzel já ter sido denunciado à ONU pela Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa do Rio por sua “agenda genocida” – que inclui o maior número de mortos pela polícia desde que esse indicador passou a ser registrado no estado, exatos 1.810 em um ano –, o briefing prévio à visita feito pelos ingleses mereceu apenas um tópico de alerta sobre o governador, lembrando justamente a denúncia às Nações Unidas.
O texto preferiu ressaltar suas ambições presidenciais – Witzel e Bolsonaro passaram a se estranhar desde que o ex-juiz deixou claro que é candidato em 2022 –, e elogiar o desejo já manifesto do governador de atrair mais investimentos estrangeiros para o estado. Aparentemente desinformados sobre a pindaíba carioca, os ingleses ainda citam os royalties do petróleo e o “peso de Witzel” (acredito que se referiam ao seu suposto poder, e não à já não tão esguia silhueta de WW), como um dos governadores de um “dos três maiores estados do país, ao lado de São Paulo e Minas Gerais”.
O ministro de Boris Johnson ainda elogiou, segundo a ata, a agenda de reformas em curso no estado por conta do Regime de Recuperação Fiscal dizendo que ela, pasmem, o recorda a política implantada por Margaret Thatcher. Não sei a Inglaterra, mas no Rio o fundo do poço segue próximo e o estado já acumula uma dívida de R$ 118 bilhões com a união.
Nada como um governador preocupado em atirar nas nossas cabecinhas e garantir que ninguém passe despercebido na multidão.
O mesmo Wilson Witzel que aposta em “atirar na cabecinha” de criminosos e encerrou 2019 com mais de 1.800 mortos pela polícia nas costas, agora negocia com o governo inglês a instalação de um sistema de vigilância e reconhecimento facial no estado.
O Black Mirror carioca está cada vez mais perto de sair do papel.
Consegui com o pessoal do Unearthed, a unidade de jornalismo investigativo do Greenpeace, a ata secreta da reunião entre Witzel e o ministro para o Comércio Exterior britânico, Conor Burns, em agosto. Na conversa, muitos afagos a suposta preocupação do governador de reduzir a violência no estado e um governo inglês ávido por “ajudar”.
Durante a reunião, que aconteceu em 19 de agosto, Burns disse a Witzel que “o Reino Unido está pronto para trabalhar em conjunto em uma variedade de assuntos, incluindo segurança (notável expertise em reconhecimento facial)”. Afirmação, segundo o relatório dos ingleses, recebida com animação pelo governador.
Trecho da ata da reunião entre Witzel e o ministro inglês. “O Reino Unido está pronto para trabalhar em conjunto em uma variedade de assuntos, incluindo segurança (notável expertise em reconhecimento facial), (em tradução livre)”.
Reconhecimento facial vem dando – bem – errado. A final da Champions League em 2017 na própria Inglaterra é um bom exemplo. O sistema de vigilância usado pela polícia britânica identificou 2.470 possíveis criminosos no meio da multidão – mas só 173 foram corretamente identificados, um índice de erro de 92%. Essa é a “notável expertise” que a polícia britânica bradou ao governador. Agora imagina essa situação em um estado que pena até para abastecer os tanques de gasolina das viaturas policiais.
O sistema prometido por Witzel no carnaval segue em fase de testes no Rio com algumas poucas câmeras instaladas na capital desde julho, mas já deu tempo de o governo passar vergonha. Ainda em julho uma mulher foi presa em Copacabana, confundida com uma suposta foragida da justiça – detalhe: a pessoa que a polícia buscava já estava detida em um presídio do Rio desde 2015.
Além da ata da reunião – que teve trechos antecipados pelo site Brazil Wire –, tivemos acesso ao briefing que o ministro Burns recebeu sobre o governador fluminense. Algumas omissões chamam a atenção. Apesar de Witzel já ter sido denunciado à ONU pela Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa do Rio por sua “agenda genocida” – que inclui o maior número de mortos pela polícia desde que esse indicador passou a ser registrado no estado, exatos 1.810 em um ano –, o briefing prévio à visita feito pelos ingleses mereceu apenas um tópico de alerta sobre o governador, lembrando justamente a denúncia às Nações Unidas.
O texto preferiu ressaltar suas ambições presidenciais – Witzel e Bolsonaro passaram a se estranhar desde que o ex-juiz deixou claro que é candidato em 2022 –, e elogiar o desejo já manifesto do governador de atrair mais investimentos estrangeiros para o estado. Aparentemente desinformados sobre a pindaíba carioca, os ingleses ainda citam os royalties do petróleo e o “peso de Witzel” (acredito que se referiam ao seu suposto poder, e não à já não tão esguia silhueta de WW), como um dos governadores de um “dos três maiores estados do país, ao lado de São Paulo e Minas Gerais”.
O ministro de Boris Johnson ainda elogiou, segundo a ata, a agenda de reformas em curso no estado por conta do Regime de Recuperação Fiscal dizendo que ela, pasmem, o recorda a política implantada por Margaret Thatcher. Não sei a Inglaterra, mas no Rio o fundo do poço segue próximo e o estado já acumula uma dívida de R$ 118 bilhões com a união.
Nada como um governador preocupado em atirar nas nossas cabecinhas e garantir que ninguém passe despercebido na multidão.
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