Por Silvio Caccia Bava, no jornal Le Monde Diplomatique-Brasil:
A situação é desesperadora. Vivemos uma epidemia que já mata mais de mil pessoas por dia no Brasil, sem que o governo federal tenha adotado uma estratégia de defesa da vida e mobilizado todos os recursos disponíveis para controlar a Covid-19. O vídeo da reunião ministerial de 22 de abril, além de todos os seus desatinos, mostra que o governo nem sequer aborda a pandemia que se alastra pelo país. Ao contrário, Bolsonaro sabota a proposta de isolamento social e se choca com as orientações da Organização Mundial da Saúde e de seu próprio Ministério da Saúde, o que já levou dois ministros a se demitirem em plena pandemia. Pesa sobre o presidente da República a acusação de estar promovendo um genocídio dos brasileiros.
Dados recentes, de 14 de maio, nos dizem que, dos R$ 18,9 bilhões destinados ao combate à Covid-19 no âmbito do Fundo Nacional de Saúde, apenas R$ 8 bilhões foram pagos. A insuficiência e a lentidão dos repasses aos fundos estaduais e municipais de saúde merecem destaque num quadro de uma relação extremamente conflitiva do presidente com governadores de vários estados, especialmente de São Paulo, do Rio de Janeiro e do Nordeste do país.1
Os ataques presidenciais à política de isolamento têm a adesão de uma significativa parcela da população mais pobre, composta de trabalhadores informais e desempregados, que vivem de bico e de venda de produtos nas ruas e precisam trabalhar para obter a cada dia os recursos para sobreviver. Esses brasileiros e brasileiras mais pobres, que somam mais de 80 milhões de pessoas, se não tiverem recursos públicos para se manter, passarão fome e desespero. Propor o fim do isolamento é uma política perversa, pois convoca a expansão da pandemia.
Em vez de garantir o isolamento dos mais pobres pagando o auxílio-pandemia para que fiquem em casa, o governo federal segura esses recursos para forçar o fim do isolamento e a retomada das atividades econômicas. O repasse dos R$ 600/mês, que eram R$ 200 na proposta original do Executivo, mas foram ampliados pelo Congresso, ainda que insuficientes para alimentar uma família, chegam com atraso e lentidão. Nem todos os que deles precisam recebem. Há uma orientação do governo federal de recusar 33% das solicitações. E a segunda parcela ainda não foi paga e não se tem prazo definido para isso. Embora haja dotação para as cestas de alimentos para a população indígena, nada lhes foi entregue. Após mais de dois meses de isolamento, a fome começa a bater às portas dessa população empobrecida.
Pela falta de políticas públicas capazes de enfrentar a pandemia e com a fome chegando às populações mais empobrecidas, situação que alguns analistas identificam como deliberada e de responsabilidade do governo federal, é previsível que entraremos em um período, a curto prazo, de convulsões sociais – e, eventualmente, de saques aos supermercados. Pode-se repetir no Brasil situações que já ocorrem em outros países. Sem que seja possível enterrar os mortos, como aconteceu em Guayaquil, no Equador, nem levar comida para filhos e familiares, o desespero vai desencadear a violência e o caos, como apontam as últimas manifestações populares no Chile.
Essa situação de convulsão social permitiria ao presidente buscar mobilizar as Forças Armadas e implantar um estado de sítio. Com isso, Jair Bolsonaro e seus filhos resolveriam seus problemas com a Polícia Federal, com o Judiciário e com o Parlamento, o que parece ser a maior preocupação do presidente do Brasil.
Dados recentes, de 14 de maio, nos dizem que, dos R$ 18,9 bilhões destinados ao combate à Covid-19 no âmbito do Fundo Nacional de Saúde, apenas R$ 8 bilhões foram pagos. A insuficiência e a lentidão dos repasses aos fundos estaduais e municipais de saúde merecem destaque num quadro de uma relação extremamente conflitiva do presidente com governadores de vários estados, especialmente de São Paulo, do Rio de Janeiro e do Nordeste do país.1
Os ataques presidenciais à política de isolamento têm a adesão de uma significativa parcela da população mais pobre, composta de trabalhadores informais e desempregados, que vivem de bico e de venda de produtos nas ruas e precisam trabalhar para obter a cada dia os recursos para sobreviver. Esses brasileiros e brasileiras mais pobres, que somam mais de 80 milhões de pessoas, se não tiverem recursos públicos para se manter, passarão fome e desespero. Propor o fim do isolamento é uma política perversa, pois convoca a expansão da pandemia.
Em vez de garantir o isolamento dos mais pobres pagando o auxílio-pandemia para que fiquem em casa, o governo federal segura esses recursos para forçar o fim do isolamento e a retomada das atividades econômicas. O repasse dos R$ 600/mês, que eram R$ 200 na proposta original do Executivo, mas foram ampliados pelo Congresso, ainda que insuficientes para alimentar uma família, chegam com atraso e lentidão. Nem todos os que deles precisam recebem. Há uma orientação do governo federal de recusar 33% das solicitações. E a segunda parcela ainda não foi paga e não se tem prazo definido para isso. Embora haja dotação para as cestas de alimentos para a população indígena, nada lhes foi entregue. Após mais de dois meses de isolamento, a fome começa a bater às portas dessa população empobrecida.
Pela falta de políticas públicas capazes de enfrentar a pandemia e com a fome chegando às populações mais empobrecidas, situação que alguns analistas identificam como deliberada e de responsabilidade do governo federal, é previsível que entraremos em um período, a curto prazo, de convulsões sociais – e, eventualmente, de saques aos supermercados. Pode-se repetir no Brasil situações que já ocorrem em outros países. Sem que seja possível enterrar os mortos, como aconteceu em Guayaquil, no Equador, nem levar comida para filhos e familiares, o desespero vai desencadear a violência e o caos, como apontam as últimas manifestações populares no Chile.
Essa situação de convulsão social permitiria ao presidente buscar mobilizar as Forças Armadas e implantar um estado de sítio. Com isso, Jair Bolsonaro e seus filhos resolveriam seus problemas com a Polícia Federal, com o Judiciário e com o Parlamento, o que parece ser a maior preocupação do presidente do Brasil.
Mas a aposta no caos é compartilhada pelas elites brasileiras, que até agora respaldam o governo Bolsonaro? A Febraban, a Fiesp e a CNI continuarão a apoiar as pretensões ditatoriais do capitão? As Forças Armadas se alinharão com o golpe pretendido pelo presidente? O Judiciário foi controlado por Bolsonaro ou vai assumir seu papel constitucional de defesa da democracia e imputar ao presidente os crimes que ele já cometeu? A Polícia Federal vai concluir os inquéritos que envolvem Bolsonaro e seus filhos? O Congresso vai ser controlado pelo presidente, que está comprando o apoio do Centrão?
Essas são as questões centrais desta conjuntura, e não o uso da hidroxicloroquina.
E cabe também outro questionamento. Para além de manifestos e declarações, qual é a estratégia dos democratas para enfrentar o capitão e o golpe em curso? O que fazem, na sociedade e no Congresso, o PT, o maior partido brasileiro, e os demais partidos de oposição? Quais são suas propostas e seu engajamento para enfrentar a crise de saúde, a profunda recessão e o desemprego que já é grande e vai se tornar maior?
Esse imobilismo do campo democrático abre espaço para Bolsonaro avançar em sua estratégia de golpe. Há uma agenda de urgências a ser implementada, e o primeiro passo é a conformação de uma frente antifascista. As disputas entre partidos por força das eleições municipais, que aliás ninguém discute e não sabemos quando vão ocorrer, não podem impedir a formação dessa frente.
Alguns sinais recentes mostram atos de resistência democrática diante das seguidas manifestações de rua dos bolsonaristas. No domingo, 24 de maio, um grupo de sindicalistas e das torcidas organizadas do Grêmio e do Inter retomou a ocupação das ruas e impediu a manifestação dos fascistas, um pequeno e barulhento grupo de pessoas vestidas de verde e amarelo.
* Silvio Caccia Bava é editor-chefe do Le Monde Diplomatique Brasil.
Nota
1- José Roberto Affonso e Elida Graziane Pinto, “Pouca saúde”, Le Monde Diplomatique Brasil, 19 maio 2020.
Essas são as questões centrais desta conjuntura, e não o uso da hidroxicloroquina.
E cabe também outro questionamento. Para além de manifestos e declarações, qual é a estratégia dos democratas para enfrentar o capitão e o golpe em curso? O que fazem, na sociedade e no Congresso, o PT, o maior partido brasileiro, e os demais partidos de oposição? Quais são suas propostas e seu engajamento para enfrentar a crise de saúde, a profunda recessão e o desemprego que já é grande e vai se tornar maior?
Esse imobilismo do campo democrático abre espaço para Bolsonaro avançar em sua estratégia de golpe. Há uma agenda de urgências a ser implementada, e o primeiro passo é a conformação de uma frente antifascista. As disputas entre partidos por força das eleições municipais, que aliás ninguém discute e não sabemos quando vão ocorrer, não podem impedir a formação dessa frente.
Alguns sinais recentes mostram atos de resistência democrática diante das seguidas manifestações de rua dos bolsonaristas. No domingo, 24 de maio, um grupo de sindicalistas e das torcidas organizadas do Grêmio e do Inter retomou a ocupação das ruas e impediu a manifestação dos fascistas, um pequeno e barulhento grupo de pessoas vestidas de verde e amarelo.
* Silvio Caccia Bava é editor-chefe do Le Monde Diplomatique Brasil.
Nota
1- José Roberto Affonso e Elida Graziane Pinto, “Pouca saúde”, Le Monde Diplomatique Brasil, 19 maio 2020.
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