Os debates em torno da eleição que se aproxima parecem confirmar os piores diagnósticos sobre nosso tempo: há uma sedução pela superficialidade, para não dizer pela burrice.
De nada adianta acusar o governo Bolsonaro e tudo que ele representa de negacionista, terraplanista, ignorante e inimigo da ciência e do conhecimento, se na hora de reagir os métodos são os mesmos. Tanto internamente como em relação aos eleitores, as forças progressistas vêm batendo no peito três vezes para assumir sua dificuldade em ocupar os territórios reais e imaginários da extrema direita.
Sempre acusada de não fazer autocrítica, as esquerdas agora aceitam se culpar pelo seu eventual fracasso eleitoral, elegendo alguns repertórios questionáveis como o judas de seus perrengues.
O problema todo estaria num conjunto de incompetências formado pelo mau uso das redes sociais, tendência a querer aprofundar o debate sobre os temas políticos e econômicos, dificuldade de falar a língua do novo precariado urbano não sindicalizado e distância dos valores da espiritualidade evangélica reacionária. O que era um mérito, tornou-se um problema.
Não é incomum ouvir críticas ao discurso “muito acadêmico” dos esquerdistas, como se buscar a compreensão mais detida da realidade fosse um defeito. Na lógica da propaganda, que está mais perto da eleição do que da política, não interessa a mensagem em si, mas seu efeito.
Para isso, um meme é mais operacional que um argumento; uma agressão tem mais valor no mercado dos cliques do que a busca de diálogo. As redes sociais, em vez de serem valorizadas pelo potencial democratizante, são incensadas pela capacidade de criar gado e disseminar mentiras. O que era para ser um adversário se transformou num objeto de desejo.
É claro que o domínio da tecnologia digital, das novas formas de compartilhamento das subjetividades complexas, da capacidade de mobilizar as pessoas precisa estar na pauta da esquerda. Sobretudo num cenário em que a opinião pública parece dominada de todos os lados pela força do monopólio. Tanto nas mídias tradicionais como nos novos conglomerados que fazem da manipulação dos desejos de consumo – inclusive ideológicos – seu mais novo e valorizado ativo. O consumidor e o eleitor estão hoje na prateleira de produtos à venda.
Quem acompanha o crescimento dos movimentos sociais e dos partidos populares no Brasil sabe que a grande aposta sempre foi no conteúdo, na capacidade de reflexão, no estudo e na valorização do conhecimento como sinal de aprimoramento pessoal e coletivo.
Numa estratégia que agrupou a criação de grupos de discussão, de debate em bairros e aglomerados, de fortalecimento das comunidades de base e de formação de lideranças em todos os níveis, a sociedade brasileira fez sua opção preferencial pela inteligência ao longo das últimas décadas.
O resultado foi a criação de uma forte capacidade de resistência, que marcou os principais momentos da vida social recente, de invenção de novos modelos de organização social a partir da base, de criação de uma cultura democrática de gestão de movimentos sociais e de consolidação de alguns partidos políticos que transformaram as opções tradicionais da política brasileira.
Foi com base nessa trajetória que as dicotomias que dividiam superficialmente a burguesia foram substituídas pelo confronto necessário de uma sociedade injusta, dividida em classes.
Há método na ignorância. Bolsonaro teve como seu primeiro enfrentamento as universidades. Escolheu o mais importante educador brasileiro como inimigo. Entregou o Ministério da Educação seguidamente aos três piores nomes disponíveis no mercado da reação. Desmontou laboratórios e demitiu cientistas. Propagou magia de medicamentos invalidados em pesquisas e cedeu autoritarismo em meio ao maior desafio da saúde pública em 100 anos, com a entrega da pasta da saúde a um militar despreparado, que se cercou de militares igualmente despreparados.
Há estratégia na inteligência. O Movimento dos Trabalhadores Rurais sem Terra, por exemplo, criou uma escola, ativou as pesquisas sobre o setor, desenvolveu um projeto ecologicamente sustentável e enfrentou a batalha da comunicação popular. Na saúde, encarou a pandemia com seriedade, mesmo com suas grandes limitações materiais e de condição de vida do trabalhador rural brasileiro. O primeiro projeto viu faltar arroz, medicamentos e empatia; o MST forneceu alimento de qualidade e cuidou de seu povo com a solidariedade dos trabalhadores da saúde pública.
O que o novo momento nos indica, com o crescimento da extrema direita, dos tremendos retrocessos já operados por via institucional e do risco do rompimento do tecido democrático em favor de um autoritarismo populista, é exatamente a retomada daquela via virtuosa que passa pela valorização do conhecimento.
No entanto, o que parece se espalhar como uma certeza perigosa, é que é preciso atacar a onda de ignorância com mais burrice em sentido contrário. Dominar as redes, chegar aos novos estratos sociais e acessar a linguagem que faz sentido para as pessoas não pode ser a derrocada dos projetos de uma sociedade mais justa. Estamos trocando os bons combates pelas ferramentas mais eficazes?
Com o processo e fascistização em franca carreira, no Brasil e no mundo, não se pode descuidar da maior garantia que a humanidade construiu ao longo dos tempos: sua capacidade de compreender para transformar. Talvez seja a hora de inverter a undécima tese de Marx sobre Feuerbach: de tanto transformar o mundo para pior, talvez tenha chegado a hora de interpretá-lo melhor.
De nada adianta acusar o governo Bolsonaro e tudo que ele representa de negacionista, terraplanista, ignorante e inimigo da ciência e do conhecimento, se na hora de reagir os métodos são os mesmos. Tanto internamente como em relação aos eleitores, as forças progressistas vêm batendo no peito três vezes para assumir sua dificuldade em ocupar os territórios reais e imaginários da extrema direita.
Sempre acusada de não fazer autocrítica, as esquerdas agora aceitam se culpar pelo seu eventual fracasso eleitoral, elegendo alguns repertórios questionáveis como o judas de seus perrengues.
O problema todo estaria num conjunto de incompetências formado pelo mau uso das redes sociais, tendência a querer aprofundar o debate sobre os temas políticos e econômicos, dificuldade de falar a língua do novo precariado urbano não sindicalizado e distância dos valores da espiritualidade evangélica reacionária. O que era um mérito, tornou-se um problema.
Não é incomum ouvir críticas ao discurso “muito acadêmico” dos esquerdistas, como se buscar a compreensão mais detida da realidade fosse um defeito. Na lógica da propaganda, que está mais perto da eleição do que da política, não interessa a mensagem em si, mas seu efeito.
Para isso, um meme é mais operacional que um argumento; uma agressão tem mais valor no mercado dos cliques do que a busca de diálogo. As redes sociais, em vez de serem valorizadas pelo potencial democratizante, são incensadas pela capacidade de criar gado e disseminar mentiras. O que era para ser um adversário se transformou num objeto de desejo.
É claro que o domínio da tecnologia digital, das novas formas de compartilhamento das subjetividades complexas, da capacidade de mobilizar as pessoas precisa estar na pauta da esquerda. Sobretudo num cenário em que a opinião pública parece dominada de todos os lados pela força do monopólio. Tanto nas mídias tradicionais como nos novos conglomerados que fazem da manipulação dos desejos de consumo – inclusive ideológicos – seu mais novo e valorizado ativo. O consumidor e o eleitor estão hoje na prateleira de produtos à venda.
Quem acompanha o crescimento dos movimentos sociais e dos partidos populares no Brasil sabe que a grande aposta sempre foi no conteúdo, na capacidade de reflexão, no estudo e na valorização do conhecimento como sinal de aprimoramento pessoal e coletivo.
Numa estratégia que agrupou a criação de grupos de discussão, de debate em bairros e aglomerados, de fortalecimento das comunidades de base e de formação de lideranças em todos os níveis, a sociedade brasileira fez sua opção preferencial pela inteligência ao longo das últimas décadas.
O resultado foi a criação de uma forte capacidade de resistência, que marcou os principais momentos da vida social recente, de invenção de novos modelos de organização social a partir da base, de criação de uma cultura democrática de gestão de movimentos sociais e de consolidação de alguns partidos políticos que transformaram as opções tradicionais da política brasileira.
Foi com base nessa trajetória que as dicotomias que dividiam superficialmente a burguesia foram substituídas pelo confronto necessário de uma sociedade injusta, dividida em classes.
Há método na ignorância. Bolsonaro teve como seu primeiro enfrentamento as universidades. Escolheu o mais importante educador brasileiro como inimigo. Entregou o Ministério da Educação seguidamente aos três piores nomes disponíveis no mercado da reação. Desmontou laboratórios e demitiu cientistas. Propagou magia de medicamentos invalidados em pesquisas e cedeu autoritarismo em meio ao maior desafio da saúde pública em 100 anos, com a entrega da pasta da saúde a um militar despreparado, que se cercou de militares igualmente despreparados.
Há estratégia na inteligência. O Movimento dos Trabalhadores Rurais sem Terra, por exemplo, criou uma escola, ativou as pesquisas sobre o setor, desenvolveu um projeto ecologicamente sustentável e enfrentou a batalha da comunicação popular. Na saúde, encarou a pandemia com seriedade, mesmo com suas grandes limitações materiais e de condição de vida do trabalhador rural brasileiro. O primeiro projeto viu faltar arroz, medicamentos e empatia; o MST forneceu alimento de qualidade e cuidou de seu povo com a solidariedade dos trabalhadores da saúde pública.
O que o novo momento nos indica, com o crescimento da extrema direita, dos tremendos retrocessos já operados por via institucional e do risco do rompimento do tecido democrático em favor de um autoritarismo populista, é exatamente a retomada daquela via virtuosa que passa pela valorização do conhecimento.
No entanto, o que parece se espalhar como uma certeza perigosa, é que é preciso atacar a onda de ignorância com mais burrice em sentido contrário. Dominar as redes, chegar aos novos estratos sociais e acessar a linguagem que faz sentido para as pessoas não pode ser a derrocada dos projetos de uma sociedade mais justa. Estamos trocando os bons combates pelas ferramentas mais eficazes?
Com o processo e fascistização em franca carreira, no Brasil e no mundo, não se pode descuidar da maior garantia que a humanidade construiu ao longo dos tempos: sua capacidade de compreender para transformar. Talvez seja a hora de inverter a undécima tese de Marx sobre Feuerbach: de tanto transformar o mundo para pior, talvez tenha chegado a hora de interpretá-lo melhor.
0 comentários:
Postar um comentário