Pode-se dizer que as palavras do ex-presidente do Chile, Salvador Allende, em seu último discurso quando o sangrento golpe militar comandado pelo general Augusto Pinochet avançava, estão se cumprindo. “O povo deve se defender, mas não deve se sacrificar. O povo não deve se deixar arrasar nem tranquilizar, mas tampouco pode humilhar-se”, disse ele. “Sigais sabendo que muito mais cedo do que se espera, se abrirão novamente as grandes alamedas pelas quais passarão homens livres para construir uma sociedade melhor”, prosseguiu.
Hoje, o Chile amanheceu sob a égide de uma nova realidade do ponto de vista da institucionalidade do país. No domingo (25), o povo chileno deu a vitória, em plebiscito, a uma nova Constituição, uma das principais reivindicações dos manifestantes que ocupam as ruas do país há tempos. É o caminho para o enterro da Constituição de 1980, herdada do regime de Pinochet, um entulho autoritário de viés radicalmente neoliberal.
Os acontecimentos no Chile demonstram que os processos históricos para se superar uma ditadura sanguinária e longeva como a chilena são complexos, demandam amplitude, mobilização intensa do povo e, por vezes, um longo tempo. Com essas premissas, as forças que lutam pela democracia no Chile fizeram o percurso de combate à ditadura por diferentes meios, vencendo várias etapas, e continuam em combate na busca de um país totalmente livre dos percalços que impendem a sua democracia e o seu desenvolvimento.
Essa é mais uma vitória das forças democráticas e progressistas na região, castigada, desde a década de 1950, por uma ofensiva neocolonizadora que tem como epicentro o sistema de poder dos Estados Unidos. O Chile ficou marcado por ser o país em que o regime ditatorial das cadeias de golpes militares se prolongou até 1990. Iniciada em 1973, a ditadura chilena ficou marcada também por ser a mais feroz experiência de implantação do projeto neoliberal.
Nesse momento em que a América Latina enfrenta mais uma onda de autoritarismo, com golpes de nova modalidade em alguns países da região e governos com nítido intento de romper as fronteiras da democracia que emergiram no curso do enfrentamento com o processo golpista desencadeado logo após o fim da Segunda Guerra Mundial, o resultado do plebiscito chileno se soma à vitória boliviana em suas recentes eleições para dar um novo alento às forças democráticas e patrióticas. Mas a batalha está em pleno andamento.
O Brasil, por seu significado na região, é o país em que os desafios são mais complexos. O governo de extrema direita do presidente Jair Bolsonaro certamente agirá para criar obstáculos à retomada da marcha pela democracia nos países que estão recusando à volta ao autoritarismo e ao neoliberalismo – como a Argentina, a Bolívia, o México e agora o Chile –, além de seguir avançando sobre a institucionalidade democrática brasileira. Isolar e derrotar Bolsonaro, portando, é uma tarefa de grande envergadura.
1 comentários:
Para o Chile foi excelente o que aconteceu.
Mas há um enorme perigo para o Brasil. Já tem deputado bolsonarista falando que mudar a constituição pode ser interessante de fazer aqui também.
Um perigo tremendo, talvez o pior deles, porque uma nova constituição votada por um congresso majoritariamente de direita seria uma catástrofe.
Perderíamos uma constituição que pode não ser a ideal mas, com certeza, é melhor do que uma nova votada por esse congresso atual, reacionário do jeito que é.
Claudio Freire
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