Por Ayrton Centeno, no jornal Brasil de Fato:
Sempre pensei que, das muitas maneiras de dilapidar dinheiro público, dificilmente alguma delas seria mais idiota do que gastar para formar um general como Hamilton Mourão. Até a semana passada. Na entrevista ao programa Zona de Conflito, da Deutsche Welle, o vice do Bolsonaro prestou, enfim, um serviço à nação.
Mourão esclareceu, de forma importante e definitiva, o padrão de decência aceito e cultuado nas Forças Armadas. Aconteceu quando, atordoado pelas perguntas do apresentador Tim Sebastian – um tratamento que jamais recebeu do pet jornalismo nativo – descreveu o coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra como “um homem de honra”.
Quando Mourão eleva o primeiro militar brasileiro reconhecido pela Justiça como torturador à condição de “homem de honra”, o Brasil não somente foi informado dessa definição como escutou o estrondoso silêncio dos quartéis.
Nem um pio, nem um “não é bem assim”, nem uma vírgula. As três armas, a quem apraz serem referidas a Caxias, Tamandaré e Eduardo Gomes, naquele exato momento, foram igualadas a Ustra. E aceitaram.
Aceitaram que “homem de honra” seja uma roupa sob medida para vestir um personagem responsabilizado por 500 casos de tortura entre 1970 e 1974 quando comandou um açougue em São Paulo chamado Destacamento de Operações de Informação - Centro de Operações de Defesa Interna (Doi-Codi), também relacionado com 60 assassinatos e desaparecimentos.
Não penso, como entende a Comissão Arns, que a fala de Mourão conspurca a honra dos militares. Se nenhum das centenas de generais e coronéis que cavalgam um segundo holerite no Planalto reclamou, se nenhum dos milhares de oficiais da ativa ou da reserva chiou, nenhum deles sentiu sua honra conspurcada.
É lícito presumir que, para todos eles, aquele oficial que colocou o preso político Gilberto Natalini sobre uma poça d`água recebendo choques elétricos, enquanto o surrava durante horas com uma vara, era “um homem de honra”.
Outra conclusão possível diante da fala reveladora de Mourão é que a tortura dignifica o homem. Eleva-o ao pedestal dos homens honrados. O strip-tease moral do vice – e, repito, o silêncio que o cerca e consente – reforça o perfil necrófilo do governo, cujo maioral já pintou Ustra como “um herói nacional”.
Logo, perante um “herói nacional” e “um homem de honra” soa como esquecimento imperdoável e quase afronta a ausência de um monumento a esse novo patrono das Forças Armadas. Já se passaram quase dois anos e nada.
Certamente, a Secretaria da Cultura, agora sob nova direção e disposta a louvar os grandes homens da história pátria, terá algumas ideias. Afinal, nos porões do regime havia muitos instrumentos interessantes empregados na obtenção da honra e que poderão inspirar o design da homenagem.
Porém, se o projeto prosperar, não cometam mais injustiças. Não deixem que a amnésia até agora vigente atrapalhe outra redescoberta e sua glorificação em bronze. Não esqueçam do Esquadrão da Morte e do delegado Sérgio Fernando Paranhos Fleury. Também era “um homem de honra” e a obteve valendo-se do mesmo método.
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