Por Manuel Domingos Neto
Hoje, imaginei-me em Budapeste, atordoado por uma manifestação nazifascista, dessas que assombram a Europa.
Não reconheci Fortaleza, cidade em que nasci, formei mestres e doutores em Sociologia e cuido de minha mãe.
O estonteio deveu-se à chamada do principal jornal cearense, “O Povo”: “Fortalezense se diz mais à direita que à esquerda e 19% se dizem extrema direita”.
A matéria assegura que o Datafolha “mediu o perfil ideológico do eleitor”, concluindo que este se identificaria “mais com o campo da direita”. Os direitistas declarados somariam 38% e os de esquerda, 28%. Apenas 21% dos fortalezenses se considerariam “de centro”.
A cidade que sufragou Lula, elegeu a primeira prefeita do PT, o segundo senador comunista da história do Brasil (Inácio Arruda, o primeiro foi Prestes), carregou Ciro no ombro e, no segundo turno das eleições de 2018 consagrou Haddad com 55,61% dos votos enquanto Ciro dava um bordejo além-mar teria virado de ponta-cabeça!
Como medir “espectro ideológico”? O jornal não explicou a metodologia da pesquisa. Acadêmicos entrevistados pelo jornal, não a questionaram. Mas adiantou que foram apresentadas perguntas sobre a aceitação do aborto legal, da pena de morte, a legalização da maconha, o casamento gay e outras da chamada pauta de costumes.
O eleitor não foi indagado acerca de desconcentração da riqueza, garantia de direitos trabalhistas, inclusão social, preservação do ambiente, o que permitiriam alguma conclusão minimamente racional sobre o tal “espectro ideológico”. Direita e esquerda se definem, afinal, a partir de posicionamentos sobre reformas socioeconômicas estruturais.
Perguntar ao fortalezense se ele é de esquerda ou de direita é como perguntar ao presidente da República se ele aprecia Rabelais ou prefere Erasmo de Roterdã.
O Datafolha introduziu a pergunta com uma explicação: “ultimamente, quando se fala em política, muitas pessoas usam as palavras ‘direita’ e ‘esquerda’ para se definir”. Não explicou em que consistiam tais termos.
Depois, mostrou ao entrevistado uma tabela escalonada em que o número 1 representaria a extrema esquerda e o número 7, seria o máximo à direita. Daí perguntou-lhe onde ele se posicionaria politicamente. Pura malícia!
Obviamente, só podia dar disparate. Inequívocos apoiadores de reformas profundas não saberiam se situar na escala numerada porque rigorosamente não captam o sentido da tal classificação ideológica!
Fortaleza é a única grande capital brasileira em que um candidato apoiado por Bolsonaro, o Capitão Wagner, líder de motim policial, poderia chegar ao segundo turno. O quadro eleitoral está indefinido. José Sarto, candidato apoiado pelos Ferreira Gomes, e Luiziane Lins, do PT, ameaçam o direitista, que segundo a pesquisa, seria o candidato “mais honesto”.
Imagino a alegria da hoste bolsonarista ao saber que Fortaleza estaria se tornando uma Budapeste tropical!
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